Um, o presidente da comissão, é a favor do distritão. O outro, o relator, defende o sistema eleitoral com características praticamente opostas: o distrital misto, com lista fechada. Para o financiamento de campanha, o presidente sugere proibir doações de quem tem contratos ou recebe incentivo fiscal do governo, sem vetar as contribuições das demais pessoas jurídicas. O relator vai mais além e propõe que os candidatos, além de recursos públicos, recebam dinheiro somente de pessoas físicas.

A diferença de opiniões entre os deputados federais Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Marcelo Castro (PMDB-PI) é o retrato das dificuldades que a mais nova Comissão de Reforma Política da Câmara terá para se chegar a um consenso - não alcançado nos últimos quase 20 anos em que o assunto é debatido no Congresso Nacional. Dos 12 temas que serão tratados no colegiado, presidente e relator divergem em sete deles.

Se a tentativa mais recente, em 2013, veio como resposta às manifestações de rua, agora é o escândalo da Petrobras que tira da gaveta a papelada de propostas que supostamente podem resolver o problema. Há quase dois anos, era o sentimento de falta de representatividade com os partidos políticos. Desta vez, é a corrupção revelada pela Operação Lava-Jato. Os motivos e as soluções são mobilizados ao sabor dos ventos e do freguês.

Marcelo Castro é o relator da comissão, que tem 34 titulares e 34 suplentes, cada um com sua própria ideia de reforma política. Do emaranhado de propostas, o deputado sabe que será complicado arrancar um denominador comum. Com a experiência de quem, como diz, "nasceu os dentes" participando de comissões sobre o assunto desde que pôs os pés na Câmara, em 1999, o parlamentar já antevê o fracasso - e a saída. "Vamos tentar mais essa vez. Se não for aprovada, temos que nos render. Aí vou defender a Constituinte exclusiva. Não tem outro caminho", diz.

Para Castro, a reforma política é travada no Brasil pela mesma razão apontada por quem já estudou iniciativas frustradas em outros países. Políticos têm pouco interesse em mudar as regras do jogo no qual são vitoriosos. Por isso, a eleição de constituintes, com mandatos específicos para realizar a reforma, seria o melhor caminho - caso a comissão naufrague. Tudo para fugir do atual sistema, qualificado pelo parlamentar de "anárquico" e "corruptor".

O problema é arranjar outro para pôr no lugar. Castro afirma que, em legislatura anterior, fez pesquisa com colegas da Casa e chegou à conclusão de que os deputados são contra todos os sistemas eleitorais. Há mais do que o dobro de contrários à atual lista aberta do que favoráveis. A lista fechada tem mais críticos do que defensores. E os que são contra o voto distrital puro, praticado nos Estados Unidos e Reino Unido, seriam mais de 80%. "Se para atingir maioria simples já é difícil, imagina os três quintos para uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC)", constata. A Comissão de Reforma Política trabalha em cima das PECs 352 e 344, de 2013.

Para facilitar o trabalho, o relator dividiu a discussão em dois blocos: o dos temas mais polêmicos e complexos - o sistema eleitoral e o financiamento de campanha - e os mais simples, espalhados em dez mudanças que rondam o debate e já poderiam ter sido implementadas há anos, como o fim dos suplentes de senadores sem voto.

Entre os pontos mais "populares", consensuais, estão o fim da reeleição e a coincidência de todas as eleições num único ano. De acordo com enquete da Agência Câmara com integrantes da comissão, 82% do colegiado são favoráveis a que os chefes do Executivo não tenham direito a um segundo mandato. O presidente e o relator fazem parte desse grupo. Outros 78% da comissão defendem a unificação das eleições municipais às estaduais e municipais. Mas até aqui há divergência entre os líderes do debate. Marcelo Castro é favorável à coincidência, enquanto Rodrigo Maia é contrário. O relator alega que as eleições são muito caras e, em sua opinião, quanto mais se gasta em campanha, mais há corrupção. "Sou da linha do bispo Edir Macedo [líder da Igreja Universal do Reino de Deus], que diz que quanto mais a pessoa doa, maior é a chance de ir para o céu. Quanto mais há necessidade de financiamento, maior é a corrupção", afirma.

O deputado do DEM discorda da concentração das eleições, que ocorreriam todas juntas, de cinco em cinco anos, com mudança na duração de mandatos. "Isso leva a uma despolitização", diz Rodrigo Maia, ao citar como bom exemplo a frequência de eleições que ocorre na democracia americana.

Maia relata que um dos principais argumentos dos parlamentares pela coincidência das eleições - tema que cresceu em popularidade nos últimos anos - é a relação desgastada com a base nos municípios. A maior queixa dos deputados é que, para se elegerem, precisam pagar duas vezes pelo apoio de prefeitos e vereadores. Estes são ajudados na campanha municipal - o que seria o natural - mas cobram também, dois anos depois, nas eleições a deputado. O esperado seria que, uma vez no cargo, prefeitos e vereadores já tenham capacidade de influenciar o voto de seus eleitores, bastando apenas receber o material de campanha do deputado para distribuir. No entanto, barganhariam mais pelo apoio. "Funcionaria assim: eu ajudo, financio um vereador a se eleger. Mas daqui a dois anos o cara chega pra mim e diz: 'Rodrigo, você é meu federal. Mas a máquina aqui não me atende e, se eu não conseguir cem pessoas para trabalhar para você no meu bairro, não vou conseguir te dar voto. Se você não me arrumar R$ 100 mil, estou fora.' Com isso, ele antecipa a eleição dele em dois anos. Este é o único argumento mais sólido pela coincidência das disputas, por mais absurdo que seja, pois não é a minha tese", diz o parlamentar.

Marcelo Castro, por sua vez, defende a unificação das eleições, mesmo diante da crítica de que ao debate das campanhas nacional e estaduais - que já criam um excesso de informação - seriam acrescidos ainda os assuntos municipais. "A maioria dos temas não tem solução somente local, como a saúde, a educação, a segurança. É importante que sejam tratados conjuntamente. Os planos plurianuais das prefeituras, por exemplo, não se adequam aos PPAs dos Estados. Começariam todos juntos", argumenta.

Quanto ao sistema eleitoral, mesmo sendo do PMDB, partido que lidera a proposta do distritão, Castro é contra o modelo, pelo risco de promover a hiperpersonalização das campanhas eleitorais. Trata-se de mais uma demonstração de como a reforma política esbarra nas divisões entre os partidos e no interior deles.

O DEM é prova de outro obstáculo: como a reforma é suscetível à flutuação de opiniões, na medida em que o debate e o convencimento avançam e as preferências mudam. Rodrigo Maia não se diz contrário à lista fechada mas defende agora o distritão. Desde a comissão formada em 2005, seu partido, o DEM, era favorável à lista fechada, ao lado do PT. "Mas a sociedade brasileira é contra. As pesquisas mostram. O eleitor quer votar nas pessoas, e não apenas nos partidos. Não podemos dizer que vamos fazer uma reforma política em convergência com o que a população quer e fazer uma coisa que as pesquisas dizem que ela não quer. É incoerente", diz.

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Reeleição é defendida por especialistas

Por Cristian Klein 

O fim da reeleição é o tema que mais agrega os parlamentares da comissão de reforma política, na proporção de quatro favoráveis - inclusive o presidente e o relator - para um contra. Mas aqui os argumentos da maioria dos políticos divergem dos achados de pesquisadores, que veem como positiva a possibilidade de recondução a mais um mandato no Executivo. Professor de ciência política do Iesp/Uerj, Ricardo Ceneviva é taxativo: "A vantagem eleitoral do incumbente, no Brasil, é um mito".

Ceneviva é autor de um artigo, com o pesquisador Thomas Brambor, no qual mostra que o instituto da reeleição não fere a igualdade de condições na disputa nem o princípio de alternância no poder, ao menos nas eleições municipais. Uma das razões é que, embora a taxa bruta de reeleição a prefeito seja em média de 61%, a taxa líquida, ou seja, quando são considerados os reeleitos entre todos os que poderiam ter se candidatado a mais um mandato, a proporção cai para 44,5%.

A situação é mais desfavorável quando a análise se restringe ao grupo de prefeitos que, quando se elegeram, tiveram uma estreita margem de votos para o adversário, por exemplo, de até 1%, 3% ou 5%. O objetivo dos autores foi isolar os demais prefeitos que, na primeira disputa, venceram por uma larga diferença de votos. A lógica é que, ao concorrerem ao segundo mandato, estes prefeitos já carregam uma vantagem demonstrada na primeira vitória, seja em razão do maior carisma, da maior capacidade de arrecadar recursos ou pela força do partido no município.

Para medir o efeito específico da reeleição, o trabalho concentrou-se no grupo de prefeitos que venceram por pouco a primeira disputa. E aí a taxa líquida de reeleição caiu de 44,5% para 32,5% - entre aqueles que ganharam ou perderam por uma diferença de até 1% do total de votos. Ao todo, foram analisados cerca de 8 mil candidatos nas eleições de 2000, 2004 e 2008. A atualização do artigo, com dados de 2012, não alterou os resultados. Na média geral, os prefeitos que buscaram a reeleição tiveram uma queda de 4,5% na sua margem de votos - diminuição que chega a 8% entre aqueles cuja diferença para o adversário na primeira eleição foi inferior a 1%.

"Isso mostra que a vida não é tão fácil assim para quem tenta a reeleição. Nesse debate, há um pouco de oportunismo eleitoral [da oposição], que vê o fim do instituto da reeleição como um atalho para chegar ao poder", diz Ceneviva.

Em outro artigo, o professor de economia da PUC-Rio Cláudio Ferraz já demonstrou que a reeleição gera um incentivo negativo para práticas de corrupção. No trabalho, com o colega Frederico Finan, o pesquisador analisou os relatórios da Controladoria-Geral da União que fiscalizaram, em amostragem e por sorteio, os repasses federais para 476 prefeituras entre 2001 e 2004.

O resultado mostrou que a proporção de recursos desviados foi 27% menor nos municípios onde os prefeitos poderiam se reeleger em relação àqueles onde os prefeitos já estavam no segundo mandato. "A reeleição faz com que o governante ande mais na linha e não queira ser pego. Um dos maiores erros, no plano municipal, seria acabar com o instituto da reeleição", diz Ferraz, cujo artigo foi publicado em 2011 na "American Economic Review".

Seus achados vão ao encontro de outros trabalhos, especialmente da literatura americana, que confirmam a teoria segundo a qual o político em segundo mandato costuma se comportar como um "lame duck", ou pato manco.