Duas novas biografias do líder comunista Luís Carlos Prestes, uma lançada no fim do ano passado e outra que chega às livrarias em abril, reabriram uma antiga rivalidade familiar em torno do idealizador da "Coluna Prestes".

Anita Leocádia, de 78 anos, filha dele com Olga Benário - a judia comunista que foi presa e deportada pelo presidente Getúlio Vargas para a Alemanha em 1936 -, e Maria Prestes, de 84 anos - que conheceu Prestes em 1950, foi sua companheira e "protetora" durante o longo período que ele passou na clandestinidade -, se acusam mutuamente de tentar monopolizar a história do "Velho".

A tensão entre as alas familiares de Prestes é antiga, mas chegou ao seu auge e virou lavagem de roupa suja por causa do lançamento, no fim do ano passado, do livro Luís Carlos Prestes - um revolucionário entre dois mundos, do historiador Daniel Aarão Reis. Enquanto Maria foi uma das principais fontes do autor, Anita, que não quis ser entrevistada, acusou Aarão Reis de se basear em "inverdades contadas pela viúva".

A principal delas, segundo a filha, foi a informação de que Olga teria deixado um filho na União Soviética quando embarcou para o Brasil em 1935 para colaborar com a "revolução" que não deu certo. "É uma calúnia atribuir à minha mãe o abandono de um filho", diz Anita. A informação, segundo o autor, constaria do Arquivo da Internacional Comunista, na Rússia.

Historiadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Anita lançará em abril sua própria versão da biografia do pai após 30 anos de pesquisas. O lançamento da obra de Aarão Reis quatro meses antes esvaziou o potencial interesse pelo livro e azedou ainda mais a relação no clã de Prestes.

Sobre a obra de Anita, Maria reclama que ela e seus filhos com o comunista não foram ouvidos durante as três décadas de produção do livro - que a primogênita de Prestes sonhava ser a obra definitiva sobre o ex-líder do PCB. "Ela, que só conheceu o pai aos nove anos, não procurou ninguém da família para dar depoimento para seu livro", diz a matriarca do clã. "Anita Leocádia é uma recalcada. Acha que é dona do Prestes, mas ela não é. Ele pertence ao povo brasileiro", dispara a viúva.

As duas também estão distantes no campo político. Anita Leocádia, que tinha nove anos quando chegou ao Brasil e conheceu o pai, em 28 de outubro de 1945, rejeita qualquer vinculação partidária e é crítica ao governo Dilma Rousseff. Já Maria, que teve sete filhos com o "Velho", é eleitora da petista e próxima ao PC do B. Tanto que autorizou o partido a usar a imagem do mais famoso líder comunista do País em suas efemérides. Quando Prestes morreu, em1990, os dois núcleos perfilaram em lados opostos diante do caixão. Desde então, nunca mais se falaram.

Questionada sobre a ausência de depoimentos de membros da família de Maria em seu livro, Anita afirma: "Meu livro é uma biografia política, baseada em vasta documentação. Portanto, não cabiam depoimentos sobre assuntos pessoais. Ainda por cima, Dona Maria e filhos mentem constantemente nos depoimentos públicos". Em 2012, Maria lançou sua própria biografia pela editora Anita Garibaldi, do PC do B. O livro Meu Companheiro - 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes teve a contracapa assinada por Dilma Rousseff.

Anita responde na mesma moeda. "A viúva de meu pai é uma pessoa complexada, que sempre teve inveja da minha mãe e de mim. Ela sempre hostilizou a mim e minhas tias."

Culpa. Filha e viúva se acusam pelo rompimento. "Há muitos anos, desde 1984, ela e os seus filhos romperam qualquer tipo de relação comigo e com minhas tias", afirma Anita.

"Não é verdade. Nunca houve uma relação de verdade. Anita se sentia na obrigação de se relacionar com minha avó enquanto meu avô era vivo. Depois que ele faleceu, a obrigação deixou de existir", rebate Ana Prestes, neta de Maria e do ex-dirigente comunista. "Sempre percebi isso como um preconceito por minha avó ser uma mulher humilde, nordestina, sem formação escolar. Como se ela fosse apenas a cuidadora de Prestes, dos filhos e da casa", completa a neta.

Apesar de não aceitar o argumento de Anita para o rompimento, Maria deixa uma porta aberta para a reconciliação. "A gente podia se juntar e fazer um belo trabalho."

Anita Leocádia sempre cultuou a imagem do pai e recebeu mal as críticas relativas a suas escolhas políticas. O capitão que virou lenda em 1924, aos 26 anos, com a "Coluna Prestes", falhou na tentativa de fazer a revolução em 1935, aos 37 anos, e não impediu o golpe de 1964, quando tinha 66.

Para Anita, o "Cavaleiro da Esperança" - apelido que Prestes herdou a partir do título de sua primeira biografia, uma obra de 1942, assinada por Jorge Amado, quando o escritor baiano era militante do PCB - nunca errou e os que dizem o contrário são "anticomunistas". De todas as versões sobre a vida de Prestes, a que mais recebeu críticas de Anita foi a de Aarão Reis. "O livro dele é marcado pelo anticomunismo, que consiste em desqualificar os heróis de esquerda", diz. Ele se defende: "Tentei construir a biografia fugindo dos lugares-comuns da hagiografia e da demonização. Sabia que seria insultado pelos que odeiam ou celebram acriticamente o personagem."