Título: Sobram políticos, faltam técnicos
Autor: Sassine, Vinicius ; Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 21/07/2011, Política, p. 2-5

Cargos em setores estratégicos ocupados por indicações partidárias em vez de especialistas prejudicam o planejamento e a execução de obras

A crise no Ministério dos Transportes, segundo especialistas, evidencia uma prática comum no preenchimento de cargos da administração federal: a predominância de quadros políticos em detrimento de perfis técnicos. A ocupação de funções públicas por indicados pelos partidos inverte a lógica de iniciativas que deveriam partir do Estado para atender as demandas da sociedade, segundo Antônio Testa, cientista político da Universidade de Brasília (UnB). "No presidencialismo de coalizão, as legendas exigem participação no Executivo e indicam seus prepostos para fazer negócios, às vezes, fraudulentos", observa. É a partir desse foco, na obtenção de lucro, segundo o professor, que ocorre a aplicação indevida do patrimônio público. Testa acredita que dificilmente as mudanças promovidas pela presidente Dilma Rousseff na cúpula e no segundo escalão do ministério serão suficientes para desmontar o esquema de corrupção instalado.

O especialista em infraestrutura de transportes Paulo César Marques, também da UnB, aponta que o modelo de planejamento e execução de obras no Brasil é especialmente problemático. Para ele, há um vácuo deixado pelo Estado em atividades fundamentais, como a elaboração de projetos que não atendam apenas a interesses comerciais, e a fiscalização na execução das obras. "Os prejuízos são óbvios, com superfaturamento, corrupção e a dificuldade do Estado em lidar com isso", afirma.

Segundo Marques, os empreendimentos na malha rodoviária são rentáveis e representam um filão importante para as empreiteiras. As rodovias mais conservadas no Brasil, hoje, são aquelas controladas pela iniciativa privada, que atua em regiões de maior tráfego, nas quais o pedágio cobrado compensa os investimentos na manutenção da malha. "Há uma diferença razoável entre as estradas entregues à iniciativa privada, que são melhores, e as federais, que têm maiores problemas, mais buracos", salienta. Para o especialista, o Estado não pode limitar-se ao que é rentável, pois o desenvolvimento industrial e agrícola depende desse planejamento estratégico.

Ele explica que, com a redução da capacidade de gestão do Estado na infraestrutura crítica, desde os anos 1990, foi deixada uma lacuna pelo governo nos objetivos de longo prazo, pois não foi oferecida, como contrapartida, uma estrutura de acompanhamento. Essa ausência abre espaço para que os grupos econômicos influenciem as decisões de governo. "A elaboração e a contratação de projetos deve ser política de Estado, e não seguir uma lógica comercial", defende.

Terceirização Outro empecilho ressaltado pelo professor é o alto índice de terceirização na elaboração de projetos estratégicos em órgãos como o Dnit. O vínculo profissional das equipes que realizam e fiscalizam as obras é com empresas privadas, cujos interesses não passam pelas demandas sociais.

Estudo realizado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) sobre a situação da malha ferroviária no Brasil corrobora a tese do professor Paulo César Marques. O relatório final da Pesquisa CNT de Ferrovias 2009 indica que os avanços obtidos desde 1996 foram respaldados "quase que exclusivamente pelo grande volume de recursos privados investido". O relatório aponta ainda que esses valores "não foram acompanhados de respectivo montante de investimentos públicos, o que faz com que a superação de problemas no transporte ferroviário no Brasil torne-se ainda distante da ideal".

Outro levantamento da CNT indica que os R$ 27,71 bilhões investidos entre 2007 e 2010 não foram suficientes para proporcionar melhoras significativas na malha brasileira: 33,4% das rodovias avaliadas ainda são classificadas como regulares, enquanto 17,4% estão ruins e 8%, péssimas.