A Petrobras ainda não sabe o tamanho exato do rombo causado pelos casos de corrupção investigados pela
Polícia Federal no âmbito da Operação Lava-Jato. Mesmo assim, ao publicar às 3h21m de ontem seu balanço não
auditado referente ao terceiro trimestre do ano passado com dois meses de atraso, a estatal apresentou os primeiros
dados que podem servir de referência a investidores: R$ 88,6 bilhões de 31 ativos foram superavaliados, com indícios de
sobrepreço, de acordo com especialistas. Porém, a estatal frisou que o "ajuste" não inclui somente o pagamento de
propina, mas envolve outros fatores, como câmbio, custo de capital, preço do petróleo e deficiências no planejamento de
projetos, como antecipou O GLOBO. E, por não conseguir identificar qual era o valor exato da corrupção, a Petrobras

decidiu não dar baixa em seus ativos. A estatal também não lançou em seus resultados o efeito potencial de uma perda
de R$ 4,06 bilhões baseada na aplicação do percentual de 3% de pagamento de propina relatado pelo ex-diretor de
Abastecimento Paulo Roberto Costa à Justiça Federal. A companhia justifica que não há "detalhes suficientes" em
relação aos pagamentos, feitos por fornecedores e não pela própria estatal.
"Concluímos ser impraticável a exata quantificação desses valores", disse a presidente da empresa, Maria das
Graças Foster, em carta a acionistas, sobre a dificuldade de medir o impacto da Lava-Jato.
Para "fundo abutre", é calote
A falta de informações precisas foi recebida pelos analistas com ceticismo. Eles classificaram o balanço como
"desapontador". As ações preferenciais (PN, sem direito a voto) da estatal despencaram 11,21%, para R$ 9,03. Já os
papéis ordinários (ON, com voto) caíram 10,48% (a R$ 8,63). Foi o maior tombo diário desde o dia 27 de outubro do ano
passado. Assim, o valor de mercado da Petrobras encolheu ontem em R$ 13,9 bilhões. Em nova York, os recibos de
ações (ADRs) caíram 11,95%, a US$ 6,56. A empresa informou um lucro líquido de R$ 3,087 bilhões no terceiro
trimestre de 2014, queda de 38% em relação ao mesmo período do ano anterior. No acumulado de janeiro a setembro,
os ganhos somaram R$ 13,439 bilhões, recuo de 22%.
- O comunicado com os valores de ativos superavaliados, em vez de explicar, gera mais dúvidas. Cria um novo
problema. Porque a empresa não sabe dizer o tamanho do rombo da corrupção e tergiversa - disse Fernando Zilveti,
especialista em Direito Tributário e professor da FGV-SP.
Em comunicado enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na madrugada de terça-feira, a companhia
disse que considerou em sua análise 52 empreendimentos em construção ou em operação que somam R$ 188,4 bilhões
- cerca de um terço de seu total de ativos. A escolha dos projetos foi feita com base em contratos de fornecimento de
bens e serviços firmados entre a Petrobras e as empresas citadas na Operação Lava-Jato entre 2004 e abril de 2012.
Segundo a estatal, esses projetos são passíveis de conter valores relacionados a atos ilícitos perpetrados por empresas
fornecedoras, agentes políticos, funcionários da Petrobras e outros.
A estatal contabilizou em 21 projetos uma subavaliação de R$ 27,2 bilhões. No fim de dezembro, a petrolífera
proibiu a contratação de 23 empresas que estariam envolvidas num suposto esquema de cartel para obtenção de
contratos com a estatal. Na lista, há empresas como Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e Camargo
Corrêa.

A Petrobras admite que há erros nos valores de determinados ativos imobilizados, que não puderam ser corrigidos
pela estatal, já que as investigação da Operação Lava-Jato estão em curso. Por isso, diz que esses "erros" não estão de
acordo com as regras do International Accounting Standards Board (IASB, organização que determina normas
internacionais de contabilidade).
A Aurelius Capital Management, dona de títulos da Petrobras nos EUA, diz que a companhia não está cumprindo
as regras do IASB, uma exigência para a emissão de papéis nos EUA. "Apesar das recentes garantias, a Petrobras
permanece em calote de seus títulos que seguem a legislação de NY. Esses títulos requerem que a Petrobras divulgue
balanços financeiros que estejam de acordo com as regras de IASB", disse Mark Brodsky, presidente do fundo. O
Aurelius é um "fundo abutre" (que investe em empresas e governos em dificuldade) e liderou no fim de dezembro uma
campanha para que a estatal fosse notificada por irregularidades no balanço.
Segundo analistas, a Petrobras divulgou seu balanço sem as baixas para cumprir acordo celebrado em dezembro
com alguns detentores dos seus título. Eles aceitaram que a empresa divulgasse o documento até o fim de janeiro sem
aval do auditor. Se não cumprisse a promessa, os credores poderiam pedir antecipação de pagamento, abrindo a
possibilidade de que o restante dos donos de títulos fizesse o mesmo, o que elevaria significativamente a sua dívida, de
R$ 621,4 bilhões no fim de setembro.

Risco de antecipação de US$ 50 bi em dívidas
Para Karina Freitas, analista da Concórdia, uma quantidade maior de credores exige o balanço auditado. Uma
parte deles, que detém mais de US$ 50 bilhões em títulos, quer que o documento referente a 2014 seja apresentado até
o fim de maio. A data inclui o prazo de 120 dias após o fim do ano, determinado pela Securities and Exchange
Commission(a SEC), a xerife do mercado americano, mais 30 dias acordados em contrato. Outros investidores contam
com a divulgação até o fim de junho.
- Para o mercado, o balanço auditado do ano só será divulgado no fim de junho - disse Karine.
O Itaú BBA lembra que a ausência de baixa contábil pode provocar uma reação das agências de classificação de
risco. "Tanto a Moody"s quanto a Fitch esperavam que os ajustes, ou ao menos parte deles, estivessem no balanço do
terceiro trimestre".
A estatal não deu data para publicar o balanço com o aval da PricewaterhouseCoopers (PwC). Diz que isso será
feito "no menor tempo possível".