“Os povos macuxi, uapixana, ingaricó, taurepangue e patamona vivem numa terra chamada Raposa Serra do Sol, no norte do Brasil, na fronteira com a Venezuela e a Guiana. É uma região de beleza espetacular de montanhas, florestas tropicais, savanas, rios e cachoeiras.” A idílica descrição das terras indígenas de Roraima está no site da ONG Survival, de Londres, uma das principais organizações internacionais de apoio a tribos brasileiras envolvidas na mais polêmica disputa fundiária nacional das últimas três décadas. Seis anos após o Supremo Tribunal Federal determinar a demarcação contínua das terras da reserva Raposa Serra do Sol, no extremo norte de Roraima, e a retirada dos arrozeiros do local,o Estado mudou de perfil econômico e social,tem hoje cerca de 46% de sua área coberta por reservas de 11 etnias que vivem em 94 comunidades, e se tornou “modelo” para ONGs brasileiras e estrangeiras. Além disso, após a decisão que mudou as relações entre índios e não índios da região, a produção agrícola caiu e o funcionalismo público e os repasses de verbas federais subiram. Em 2009 os repasses da União eram de R$ 1,8 bilhão; em 2013 chegaram a R$ 2,4 bilhões. “Somos um movimento global de apoio aos indígenas”, diz Sarah Shenker, da Survival. “Nosso trabalho é gerar atenção para as ameaças contra os índios e pressionar o governo por soluções e proteção.” A Survival, que acompanhou o processo judicial da demarcação de terras contínuas da Raposa Serra do Sol, não é a única ONG internacional interessada na empreitada. Os principais exemplos de ONGs com trabalho forte no Estado são a Cafod, entidade ligada à Igreja Católica da Inglaterra; a Fundação Tebtebba, ligada à indígena filipina Victoria Tauli - Corpuz, consultora da ONU para direitos indígenas; além de representações dos governos da Noruega, Alemanha e Estados Unidos; mais fundações, como a americana Ford, que atua no Brasil desde 1962, e a norueguesa Rainforest, presente no País desde 1989. Na esteira da decisão do Supremo, a área da Raposa aumentou a população nos últimos anos. Em 2009 havia 19 mil índios na área, segundo o procurador da Justiça de Roraima, Edson Damas da Silveira. “Hoje o Conselho Indígena de Roraima dá conta de que cerca demais 6 mil indígenas voltaram”,afirma o procurador do Estado.

Insegurança. Segundo Shenker, a situação de insegurança dos índios brasileiros e a ausência de políticas de proteção dos povos pelo governo federal são prioridade na agenda da ONG sobre o Brasil. Segundo a ONG, o trabalho não envolve repasses diretos de dinheiro. A Survival funciona como plataforma de divulgação internacional das demandas. Para Sarah, quando um povo indígena é integrado aos não índios, há um processo desigual. “Eles vão viver em periferias, em situação precária, e são vistos como seres inferiores.” Outras organizações se encarregam de garantir verbas às comunidades. A Noruega, por exemplo, vem firmando parcerias longas com ONGs indigenistas no Brasil, com foco em atividades de monitoramento, planejamento e capacitação, segundo Aud Marit Wiig, embaixadora da Noruega . Em 2014, foi repassado ao País pela Noruega cerca de R$ 8 milhões. Desse total, R$ 1,3 milhão foi para Roraima. O financiamento para ONGs e projetos indígenas pelo governo norueguês começaram na década de 80 e ganharam força em 2008. A situação dos índios brasileiros desperta atenção até na Casa Real da Noruega. Na Rainforest, a idéia de ampliar direitos dos índios recebe garantias do próprio rei Haroldo V. Em 2013, o rei da Noruega visitou a aldeia do chefe ianomâmi Davi Kopenawa; recebeu presentes da comunidade e, segundo a ONG, achou aviagem “maravilhosa”. Segundo a Funai, o Brasil tem 53 autorizações de projetos de pesquisas em execução em áreas indígenas – 71 brasileiros e10 estrangeiros. Em Roraima há quatro projetos. Também com forte presença na área, a Fundação Ford, que tem sede no Rio, atua com repasses de dinheiro. Em 2014 a fundação repassou, somente para o Conselho Indígena de Roraima, US$ 200 mil. Segundo Aurélio Vianna Jr., coordenador da entidade, o valor é doação para projeto de qualificação de indígenas na Universidade Federal de Roraima (UFRR). A Ford manda verbas também para o Cimi. Em 2014 foram US$ 250 mil para programa de expansão de direitos comunitários sobre recursos naturais. O Cimi não fala sobre doadores ou valores que recebe, mas reconhece que a maior parte dos recursos tem origem na Europa.

‘Esquemão’. Para o antropólogo Edward Luz, ex-consultor da Funai, as ONGs brasileiras e internacionais se beneficiam dos recursos de um “esquemão de demarcações” de terras. “Há uma elite intelectual na antropologia brasileira que reza pela cartilha de uma política indigenista de fora”,diz. “Qualquer crítica ao modelo dessa turma é tachada de argumento de direita”. O que há no Brasil, para ele, é “uma galera da antropologia vendendo mitologia enquanto as novas gerações de índios querem melhorias de vida, querem computador, celular, andar de carro, vestir calça jeans, como todos os jovens da idade deles”.

 

4 PERGUNTAS PARA...

Aud Marit Wiig, embaixadora da Noruega no Brasil

1. Por que seu país financia projetos em áreas indígenas no Brasil?

Em 1983, a Noruega criou uma linha específica de apoio aos povos indígenas. O Brasil foi o país-piloto escolhido para receber recursos dessa iniciativa, que se estende até os dias atuais. O compromisso maior do programa é contribuir com o Brasil para a promoção dos direitos humanos de seus povos indígenas, em conformidade com a Constituição do Brasil e dos tratados internacionais assinadas tanto pelo Brasil como pela Noruega; o mais importante sendo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pela Noruega em 1990 e pelo Brasil em 2002. Na Noruega, as políticas públicas direcionadas às necessidades do povo indígena sami têm tido importantes avanços nas últimas décadas, a principal delas talvez sendo a criação do Parlamento Sami em 1989.

 

2. Quais as áreas de interesse da Noruega e por quê?

A Noruega vem firmando parcerias de longa duração com várias associações indígenas e organizações não governamentais indigenistas no Brasil. O foco tem sido o apoio institucional, muitas vezes em conjunto com atividades de monitoramento, planejamento e capacitação. A contribuição enfatiza o fortalecimento de atores locais para que estes tenham uma participação mais construtiva e efetiva nas políticas indigenistas nacionais. Para tanto, o programa busca: estimular o fortalecimento institucional dos parceiros para que estes desempenhem mais eficazmente o seu papel enquanto atores independentes, representativos e transparentes; apoiar processos de interação entre demandas indígenas e políticas públicas, contribuindo para que parceiros ampliem sua participação na defesa de direitos e no controle social; e promover equidades nas questões relativas a gênero.

 

3. Qual sua avaliação dos resultados desses financiamentos?

Há avanços nas comunidades? A avaliação da Noruega é que, nas últimas três décadas, o apoio norueguês tem contribuído significativamente para o desenvolvimento e fortalecimento do movimento indígena no Brasil. Por sua vez, o fortalecimento desse movimento tem tido influência no reconhecimento de direitos indígenas pelo Estado brasileiro e no aprimoramento de políticas públicas voltadas aos povos indígenas.

 

4. Como a senhora avalia o tratamento pelo Brasil das comunidades indígenas?

O Brasil é um país de dimensões continentais, com uma variedade muito grande de povos, línguas e costumes. Houve grandes avanços no reconhecimento dos direitos indígenas, mas ainda há desafios, principalmente em relação à sua implementação. A equipe da Embaixada tem viajado extensivamente para se familiarizar com todas as regiões do Brasil. Os Oficiais de Programa que trabalham com o Programa de Apoio aos Povos Indígenas no Brasil visitam os parceiros regularmente. Eu tive a oportunidade de conhecer várias organizações parceiras do programa, bem como diversas lideranças indígenas./ P.P