O Brasil sempre foi apontado como o país do otimismo. Em qualquer pesquisa mundial estão lá eles, os brasileiros, entre os povos mais confiantes do planeta. Desde o ano passado, porém, esse quadro mudou. Com a inflação nas alturas, juros elevados, renda em queda e corrupção destruindo um dos maiores símbolos nacionais, a Petrobras, uma onda de desânimo abateu o país. Tanto os indicadores que medem o humor de consumidores quanto os índices que acompanham a satisfação do empresariado caíram ao menor nível da história. Não à toa, a economia enfrenta um colapso da confiança. “O Brasil gastou toda a margem que tinha para suportar equívocos”, diz o economista-chefe da Franklin Templeton Investments, CarlosThadeu Filho.


O exemplo mais forte da paralisia provocada pela desconfiança está na construção civil, setor que, durante anos, surfou na maré de crédito farto patrocinada pelos bancos públicos. Com a queda do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, que pode chegar a 1,5% pelas contas do Bradesco, e a renda mais fraca das famílias — as projeções indicam queda real de 5% —, o quadro mudou e as demissões se tornaram realidade nos canteiros de obras. Pior: quando olham para a frente, empresários e trabalhadores não veem melhoras tão cedo. Reclamam, sobretudo, da falta de previsibilidade na economia, devido à desastrosa política econômica do primeiro mandato de Dilma Rousseff.

Como diz Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, dinheiro não aceita desaforo. Mas, infelizmente, foi o que mais se viu nos últimos quatro anos. Os industriais que acreditaram na promessa de crescimento econômico médio entre 4% e 5% ao ano ampliaram fábricas e contrataram mais pessoal. Agora, estão sendo obrigados a lidar com estoques elevadíssimos e a ter que demitir funcionários. O comércio, que também se deixou seduzir pelo canto do Pibão, amarga o pior resultado em 11 anos. Os consumidores que se endividaram apostando na garantia do emprego estão sendo levados ao calote. As famílias, por sinal, são as maiores vítimas do descontrole econômico, cujo símbolo principal é a inflação caminhando firme para os 8% — taxa sem precedentes desde 2004.

Perdas do comércio

Dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC) dão a dimensão do problema. Após avançar 2,2% no ano passado, as vendas do varejo devem subir apenas 1% em 2015. Será o pior desempenho desde 2003, quando o Brasil ainda tentava se reerguer depois da avassaladora onda de desconfiança em torno do que seria um governo do PT. Felizmente, naquela época, prevaleceu o bom senso. E a recuperação do país foi rápida e contínua. Agora, há um quadro nebuloso. Além de lidar com toda a herança maldita de Dilma, o governo demonstra uma fragilidade política que põe em risco o maior trunfo para a economia sair do atoleiro: o ajuste fiscal.

“As nossas estimativas para o varejo levam em consideração que o mercado de trabalho ficará relativamente ileso mesmo com a forte recessão que atinge o país”, diz Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da CNC. Para ele, caso o desemprego se eleve, como prevê parte dos especialistas, a renda disponível para consumo das famílias deve cair “brutalmente”, o que comprometerá mais o desempenho do comércio neste ano. “Será o pior dos mundos”, admite. Ele ressalta ainda que, sem perspectiva de ampliarem as vendas nos próximos meses, os empresários pisaram fundo no freio dos investimentos produtivos. Em 2014, os desembolsos encolheram 8%. Neste ano, devem cair 10%.

O descontentamento com a economia, por sinal, já chegou às ruas. Depois de uma vitória apertada nas urnas em outubro passado, a presidente Dilma enfrenta a revolta de parcela crescente da população. Hoje, milhares de pessoas deverão protestar contra o governo e pedir o impeachment da petista. Entre os gritos de protesto, haverá bem mais do que críticas à corrupção que atinge os partidos da base aliada do governo, o principal deles, o PT.

Carrinhos vazios

O coro das passeatas tem preocupações reais, como a capacidade das famílias de gerenciar o orçamento doméstico, a garantia de permanência no emprego e o futuro da aposentadoria. Conquistas que estão sob ameaça por causa da escalada da inflação, do tombo do PIB e da revogação de direitos trabalhistas, em função da necessidade do governo de fazer o ajuste nas contas públicas. “As queixas são gerais. A sensação de bem-estar que vigorou por um bom tempo no Brasil se perdeu por completo. Basta uma ida ao supermercado para se constatar isso. Está tudo mais caro e as pessoas, especialmente as de menor renda, estão sendo obrigadas a tirar muitos produtos do carrinho”, assinala o economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito (Acrefi), NicolaTingas.

A carestia vai muito além dos alimentos. Os serviços que têm os preços controlados pelo governo estão destruindo o orçamento dos lares, apesar das reiteradas promessas de campanha de Dilma Rousseff de que não haveria tarifaço caso ela se reelegesse. Somente a conta de luz deverá subir 50%, na média, em 2015, conforme cálculos do Itaú Unibanco. “Com o dólar em disparada, o poder de compra diminuirá ainda mais. Vamos ver a inflação batendo em mais de 8%, a moeda norte-americana chegando a R$ 3,50 e os juros básicos definidos pelo Banco Central em 14,50%”, sentencia o economista- chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito.

Renda comprometida

Os brasileiros estão assustados com a disparada dos juros. Quem tomou dinheiro emprestado por meio de linhas emergenciais, como cartão de crédito e cheque especial, viu as dívidas explodirem. As taxas cobradas nesses financiamentos superaram as máximas em três anos, e continuam subindo, acompanhando o ciclo de aperto nos juros comandado pelo Banco Central. Os encargos passam de 300% ao ano. O quadro se agrava se for levado em consideração que as famílias nunca estiveram tão endividadas: 45,8% de toda a renda estão sendo destinados para o pagamento de débitos com bancos.