A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras da Câmara dos Deputados aprovou ontem, no primeiro dia de trabalho do colegiado, a convocação de 23 pessoas para prestarem esclarecimentos sobre as irregularidades investigadas na operação Lava-Jato, da Polícia Federal (PF), mas deixou de fora os presidentes e diretores das grandes empreiteiras.

Foram aprovados requerimentos para ouvir os ex-presidentes da Petrobras Graça Foster e José Sérgio Gabrielli, a presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Maria Chambriard, os ministros Valdir Simão, da Controladoria-Geral da União (CGU), e Luís Inácio Adams, da Advocacia-Geral da União (AGU), para falar sobre os acordos de leniência, o doleiro Alberto Youssef e funcionários da estatal.

 

Das empreiteiras, contudo, só foram chamados representantes da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) e da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), sem especificar os nomes. "Tem vários pedidos para convocar os empreiteiros, mas alegaram dificuldade de ouvir os que estão presos neste momento", afirmou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), que na reunião anterior solicitou que todos os integrantes que receberam doações de campanhas das empreiteiras envolvidas na Lava-Jato deixassem a CPI.

Dos 27 integrantes da CPI, 12 tiveram parte da campanha eleitoral custeada por empresas suspeitas de participar dos desvios na Petrobras. Entre os beneficiados estão o presidente da CPI, Hugo Motta (PMDB-PB), e o relator, Luiz Sérgio (PT-RJ). Na comissão do ano passado, que não avançou nas investigações, os partidos fizeram um acordo para não convocar as empresas.

A primeira oitiva este ano, marcada para terça-feira, será do ex-diretor da Petrobras Pedro Barusco, que em delação premiada afirmou que começou a receber propina na estatal em 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Como a ementa da CPI prevê a apuração apenas de fatos posteriores a 2005, o PT quer usar o depoimento para ampliar o período investigado e reforçar o discurso de que o esquema começou na gestão do PSDB.

O requerimento para ampliar o escopo da investigação foi negado ontem por Motta, que ainda contrariou os petistas ao indicar como primeiro vice-presidente o deputado Antônio Imbassahy (PSDB-BA) e ao definir sozinho a criação de sub-relatorias, que retiraram grande parte da influência de Luiz Sérgio, do PT, no andamento da CPI.

Motta causou polêmica ao nomear os sub-relatores sem consultar o plenário. Integrantes da CPI viram a influência do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um dos alvos de pedido de abertura de inquérito pelo Procurador-Geral da República (PGR). O presidente da Câmara apareceu de surpresa na reunião para dizer que estava à disposição para prestar esclarecimentos e dar aval as articulações do aliado. "Foi tudo conversado comigo antes, n ão há dúvida que a decisão dele será mantida", afirmou.

O presidente da comissão criou quatro sub-relatorias, que vão sistematizar informações sobre superfaturamento na construção de refinarias; constituição de empresas subsidiárias pela Petrobras para praticar atos ilícitos; superfaturamento na construção e aluguel de navios; irregularidades na operação da Sete Brasil e na venda de ativos na África.

Foram escolhidos como sub-relatores os deputados Altineu Côrtes, do PR do Rio de Janeiro, e dois cabos eleitorais na eleição de Cunha para a presidência da Câmara: André Moura (PSC-SE) e Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP). O outro foi Bruno Covas (PSDB-SP), em acordo que revoltou os outros integrantes. "Está nítido que um partido foi favorecido. Houve um acordo explícito do presidente com o PSDB", protestou Afonso Florence (PT-BA).

Depois de bate-boca do deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) com Motta e protestos de PSB, PPS e PT, ficou acertada a criação de mais quatro sub-relatorias, cujos indicados serão conhecidos na próxima semana. A perda de influência de Luiz Sérgio, porém, já era clara: poucos deputados prestaram atenção na leitura do plano de trabalho do petista.

 

PMDB pede redivisão do governo, com troca da articulação

 

Depois de denunciar a coalizão de governo, o PMDB está com a receita pronta para "salvar" o governo da presidente Dilma Rousseff: a recomposição ampla da base aliada, com mudanças na articulação política do Palácio do Planalto e a redistribuição proporcional à cada força dos ministérios. Sem essas contrapartidas, a avaliação na cúpula partidária é de que Dilma, no estertor do caos, deve perder de vez o apoio do maior aliado no Congresso.

"Para recompor a base, tem que recompor o governo", decretou ao Valor um pemedebista do comando partidário. Para os dirigentes do PMDB, esta é a mais grave crise de um governo desde a reabertura democrática, maior mesmo que a crise que abateu Fernando Collor em 1992.

Os pemedebistas dizem que o segundo mandato de Dilma começou "com cheiro de fim de governo", quando em circunstâncias normais, na qualidade de presidente reeleita, Dilma deveria gozar de autoridade e força política. No entanto, ela enfrenta uma conjuntura de crise econômica, fiscal e política. "O nó górdio é a crise política", diagnostica um pemedebista.

Sem desatar o nó da política, a presidente não consegue desatar, por exemplo, o nó fiscal, pois depende do Congresso para aprovar as medidas. Sem resolver a questão fiscal, a presidente não tem como resolver a crise econômica, dizem os pemedebistas.

Segundo um dirigente do PMDB que tem cópia da receita do partido para a crise nas mãos, "tem que haver um novo modelo". Primeiro, o PT não pode mais ser um partido hegemônico. Deve perder pelo menos a metade das pastas que ainda mantém no governo. "Ou divide ou perde tudo, o governo ficou sem nenhuma condição de governar", diz este dirigente.

A relação do PMDB com o governo, marcada por uma série neste início de ano por derrotas em série do Palácio do Planalto, tende a piorar, mesmo após as gestões feitas pela presidente Dilma e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para afinar a relação. No jantar com pemedebistas no Palácio da Alvorada, Dilma ouviu que o PMDB quer participar mais ativamente do governo. Mas nos dias seguintes, não convidou o vice-presidente Michel Temer, que é presidente da sigla, para reuniões com os demais partidos da base aliada.

Em outra frente, Dilma e Lula investem nos laços com o PMDB fluminense, o que é interpretado como uma tentativa de "dividir" a legenda. Mas pemedebistas históricos advertem que se o partido terá de responder na Operação Lava-Jato, os integrantes da bancada do Rio de Janeiro devem ser os mais implicados. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) deve integrar a lista dos investigados no Supremo Tribunal Federal (STF). "Eles tentam dividir o PMDB, enfraquecer o (Michel) Temer, mas é justamente nas adversidades que o PMDB fica mais unido", diz um veterano da sigla.

Há muito lideres da sigla mandam recados públicos de insatisfação com o governo. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), chamou a articulação política do palácio de "capenga". Eduardo Cunha declarou-se vítima de uma "alopragem" durante a campanha à presidência da Casa. Foi uma alusão implícita ao termo "aloprados", que marcou a campanha do então senador Aloizio Mercadante (PT), hoje chefe da Casa Civil, ao governo de São Paulo em 2006.

O PMDB também se recusou a indicar o novo líder do governo no Senado, depois que Eduardo Braga (AM) assumiu o Ministério de Minas e Energia. Sondado para reassumir o posto - depois de ter sido dispensado por Dilma no passado - o senador Romero Jucá (PMDB-RR) disse a interlocutores que só se lembram dele com a nau à deriva. "Me oferecem uma suíte de luxo no Titanic, mas agora eu quero é um lugar no escaler", desabafou.

Para os pemedebistas, há um "erro de origem" na crise política: os movimentos de Dilma para se descolar do PMDB, apoiando-se nos ministros das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), e da Educação, Cid Gomes (Pros), que lhes prometeram engrossar suas bancadas na Câmara. Kassab articula a criação do Partido Liberal, e mirava sua fusão com o PSD. "Eles queriam formar um exército da Legião Estrangeira, deputados do baixíssimo clero, sem nenhum compromisso", desabafa um pemedebista. Como responsável por essa articulação, apontam o dedo para o ministro Aloizio Mercadante.

Lideres pemedebistas rejeitam a articulação política do governo, comandada por Mercadante e pelo ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas. "Falta-lhes credibilidade, conhecimento político e capacidade de articulação", sentencia um pemedebista com trânsito no Planalto.

Outro erro, avaliam, foi afastar da "cozinha" palaciana a corrente majoritária do PT, Construindo um Novo Brasil, tendênia do ex-presidente Lula. "Quando PMDB e a CNB comandavam a articulação política, o governo funcionava", diz um pemedebista com traquejo parlamentar. Após apelos da cúpula petista, Dilma nomeou o deputado José Guimarães (PT-CE) para a liderança do governo na Câmara, representante da CNB. Antes o cargo era ocupado por Henrique Fontana (PT-RS), da Democracia Socialista, corrente que assumiu os principais postos no palácio.

O PMDB acha que Dilma tentou governar sem o principal aliado, e se possível, sem o Congresso. Mas uma liderança da sigla cita três ex-presidentes da República que acabaram no cadafalso ao tentarem governar sem o parlamento: Getúlio Vargas, Jânio Quadros e Fernando Collor.

"Com este modelo (de articulação política) que está aí, não há solução para a crise", sentencia um cacique da sigla.

 

Renan atua para bloquear possível recondução de Janot

 

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) defendeu da cadeira da presidência do Senado que qualquer postulante a cargo de comando deveria se afastar no momento em que concorre à recondução. E falou expressamente do caso do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que pode ser reconduzido, defendendo que o Congresso altere a regra vigente.

"Estamos com o procurador-geral [Janot] em processo de reeleição para sua recondução ao Ministério Público. Quem sabe se nós, mais adiante, não vamos ter também que, a exemplo do que estamos fazendo com as reeleições do Executivo, regrar esse sistema que o MP tornou eletivo", disse Renan.

O presidente do Senado fez ainda acusações de que o antecessor de Janot, Roberto Gurgel, liberou benefícios quando concorreu à recondução para colher dividendos na disputa. "O último procurador-geral antes do doutor Janot, que tem uma excelente relação com esta Casa, às vésperas das eleições, o saudoso doutor Gurgel, pagou de uma só vez R$ 275 milhões ao MP de vários anos de auxílio-moradia. É evidente que isso o ajudou no processo de recondução", atacou Renan.

Renan criticou a condução do processo pelo Ministério Público Federal ao dizer que é praxe do órgão ouvir as pessoas investigadas antes de apresentar o pedido de investigação, o que não teria ocorrido agora. "Eu só lamento que o Ministério Público não tenha ouvido as pessoas como é praxe pra que as pessoas questionadas possam se defender, apresentar as suas razões. Mas isso tudo é da democracia. Quando há excesso, quando há pessoas citadas injustamente, a democracia depois corrige tudo isso". Renan é mencionado como um dos que estaria na lista de inquéritos contra políticos citados durante a Operação Lava-Jato.

Indisposto com o governo, Renan elogiou o senador José Serra (PSDB-SP) dizendo ter dedicado sua madrugada a "uma leitura disciplinada" do pronunciamento do tucano no dia anterior, considerado "oportuno e brilhante" pelo presidente do Senado.

"Num momento de muitas dúvidas na política, só a política pode tornar possível a sua reinvenção. O senador José Serra deu um grande exemplo ao Senado Federal e ao país. Por isso considero José Serra um dos maiores ativos da política brasileira".

Em seu discurso, Serra fez um diagnóstico da situação do país e declarou nunca ter visto o Brasil atravessar uma crise tão acentuada e de tão difícil solução, situação que atribuiu principalmente a falhas na condução da economia na última década e meia.

Tendo assumido o posto em setembro de 2013 para um mandato de dois anos, Janot, caso seja indicado pela presidente Dilma Rousseff para continuar na vaga daqui a seis meses, precisará passar pelo crivo do Senado, mais precisamente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

A nova composição da CCJ ainda não foi definida, mas o acordo firmado pelos líderes deu ao PMDB o comando da comissão e ao PT a vice-presidência.

O nome petista já está escolhido e a vice-presidente da CCJ será Gleisi Hoffmann (PT-PR), apontada como uma das possíveis indiciadas - a senadora inclusive já colocou à disposição seus sigilos bancário, telefônico e fiscal e alegou não ter qualquer participação no esquema.

A presidência da comissão é neste momento alvo de disputa entre pemedebistas. De certo está apenas que ficará com um fiel aliado do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também apontado como alvo das investigações. Três nomes estão colocados: José Maranhão (PB), Garibaldi Alves (RN) e Edison Lobão (MA) - este último também um possível indiciado.

Além de Renan, Gleisi e Lobão, supostamente estariam na lista de pedido de abertura de inquérito outros frequentadores do Salão Azul, a saber: Romero Jucá (PMDB-RR), Humberto Costa (PT-PE), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Fernando Collor (PTB-AL).

 

Teori trabalha para concluir despachos da lista de parlamentares

 

O ministro Teori Zavascki, relator dos autos da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), está trabalhando para concluir hoje os 35 despachos da lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. São 28 pedidos de abertura de inquérito, que envolvem 54 pessoas, e outros sete pedidos de arquivamento.

A lista com os nomes dos políticos que vão ser investigados só será divulgada pelo STF depois que Teori assinar todos os 35 despachos. O gabinete do ministro permaneceu analisando os requerimentos de Janot ao longo de quarta e quinta-feira. A expectativa no STF é a de que dificilmente os despachos sejam divulgados na manhã de hoje. O mais provável é que a lista seja divulgada no fim do dia ou, então, que os nomes só sejam conhecidos na segunda-feira.

"Se eu fosse o relator, eu escancararia, abriria o que tem nesse embrulho", comentou o ministro Marco Aurélio Mello. Ele é contrário à manutenção do sigilo nos inquéritos. Teori deve abrir o sigilo, mas só depois que assinar os 35 despachos.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que os parlamentares, independentemente do partido, não podem ser julgados previamente pelo fato de serem investigados. "Se por ventura houve inclusão de pessoas do meu partido, aliados, oposicionistas, não se pode prejulgar uma abertura de inquérito", afirmou.

Cardozo qualificou como "inaceitáveis" as críticas do senador Aécio Neves (PSDB-MG) de que o governo age para colocar ou retirar nomes na lista. O ministro recusou-se a citar Aécio, manifestou "repúdio às manifestações feitas por parlamentares da oposição" e declarou que acha "curioso" que pessoas comemorem arquivamentos antes de isso ser oficializado.

Cardozo criticou ainda o vazamento de informações, como possíveis nomes de parlamentares incluídos na lista de acusados enviada pela Procuradoria-Geral. "Tenho sempre recriminado com muito rigor vazamentos", disse. Para ele, "condenações a priori" contrariam a democracia.

O ministro da Justiça evitou comentar o fato de o presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), ter mandado de volta ao Executivo a medida provisória que reduz benefícios fiscais e foi editada para que o governo ajusta as contas públicas. "O presidente [do Congresso] agiu como achava que deveria agir", afirmou Cardozo, ressaltando ainda que não cabe a ele falar sobre ações de outros poderes, seja Legislativo ou Judiciário.