O "Diário Oficial da União" publicou ontem o ato declaratório nº 5 do presidente da mesa do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), em que comunica envio de mensagem à presidente Dilma Rousseff devolvendo a Medida Provisória 669/2015, que reduz a desoneração da folha de pagamento. O presidente do Congresso declara a perda de eficácia da referida norma. Mesmo assim, a página do Palácio do Planalto na internet informa que a MP 669 continua em tramitação no Congresso, ou seja, que a norma está em vigor.

No início da manhã de ontem, todo o texto da MP 669 estava riscado na página do Planalto na internet, como ocorre quando uma medida provisória tem sua vigência encerrada. No alto da página à esquerda, havia a indicação de "vigência encerrada". Ao clicar nesse item, era possível ler o ato declaratório nº 5 do presidente do Senado. Mas, no fim da manhã, o texto tinha voltado ao normal, a MP 669 era declarada em tramitação e não era mais possível encontrar o ato declaratório d e Renan, portanto desconsiderado.

Desde o início da noite de quarta-feira, o Valor tenta obter um esclarecimento da Casa Civil sobre a decisão do presidente do Congresso, questionando se ele tem competência constitucional para devolver uma MP e se, mesmo com a MP 669 estando em vigor, o governo pode enviar ao Congresso um projeto de lei com o mesmo teor deste dispositivo legal que faz parte do ajuste fiscal. Não obteve resposta até o fechamento desta edição. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também evitou comentar ontem o ato de Renan. A única autoridade que falou sobre o assunto foi o líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE).

Ele, no entanto, não quis responder diretamente se a MP 669 está em vigor. Preferiu utilizar um argumento engenhoso. "Como essa MP muda as alíquotas da contribuição previdenciária sobre o faturamento que só podem entrar em vigor depois da noventena, podemos dizer que as alterações ainda não estão em vigor", afirmou, esquecendo-se que a mesma medida provisória também altera a legislação sobre a tributação de bebidas frias e dispõe sobre medidas tributárias referentes à realização dos Jogos Olímpicos de 2016.

Pimentel foi taxativo em relação a um ponto. "Não há na Constituição a figura de devolução de medida provisória", garantiu. Ou seja, para o líder do governo, constitucionalmente, Renan não poderia ter feito o que fez. Pimentel lembrou todos os casos em que o Congresso tentou devolver uma MP. Em 2005, por exemplo, o então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, quis devolver uma MP, mas Renan, que ocupava a presidência do Senado, se opôs. Ele entendeu que "nem o presidente do Senado Federal, nem o presidente da Câmara dos Deputados, nem o presidente do Congresso têm competência para devolver MP".

Valor quis saber por que nenhum senador da base do governo, mesmo sabendo que não existe a figura da devolução de MP, questionou a decisão de Renan e pediu para que ela fosse analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). "A decisão do presidente do Senado foi política", rebateu Pimentel. O líder reafirmou que o governo enviará um projeto de lei ao Congresso tratando do mesmo assunto, mesmo com a MP 669 em vigor. "O projeto terá um texto diferente da MP", explicou.

 

 

Para especialistas, ato do presidente do Congresso pode ser questionado

 

A Medida Provisória nº 669, que reduziu a desoneração da folha de pagamentos, não tem mais efeitos. Ontem foi publicado ato do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), declarando a devolução da MP. Advogados afirmam, porém, que há argumentos para a presidente da República questionar a devolução da MP na Justiça. Sem isso, resta às empresas aguardar a tramitação do projeto de lei sobre o tema - enviado ao Congresso Nacional para substituir a Medida Provisória. Embora a MP tenha elevado as alíquotas da contribuição previdenciária sobre o faturamento para 2,5% e 4,5%, também permitia que as empresas voltassem a recolher o tributo sobre a folha de pagamentos, o que poderia ser vantajoso.

Segundo reportagem publicada no "Jornal do Senado" em 7 de abril de 2005, Renan declarou na época que só o plenário da Câmara ou do Senado poderia decidir se uma medida provisória editada pela Presidência da República atende aos pressupostos de urgência e relevância, como exige a Constituição Federal. E é esse justamente o principal argumento apresentado pelos advogados contra a devolução: ato unilateral do presidente do Senado é inconstitucional.

De acordo com o parágrafo 9º do artigo 62 da Constituição Federal, cabe à comissão mista de deputados e senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas pelo plenário do Congresso. Segundo o advogado Hamilton Dias de Souza, do Dias de Souza Advogados Associados, o ato unilateral do presidente do Senado fere esse dispositivo. Caberia ao Congresso devolver.

Renan baseou-se no artigo 48, incisos II e XI, do Regimento Interno do Senado Federal para declarar a devolução da MP. Os dispositivos atribuem ao presidente da casa legislativa "os deveres de velar pelo respeito às prerrogativas do Senado e as imunidades dos Senadores, bem como de impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis ou ao Regimento".

Segundo o advogado Francisco Carlos Rosas Giardina, do Bichara Advogados, esses dispositivos só permitem a devolução pelo presidente do Senado em relação à proposta de autoria do próprio Poder Legislativo, que for inconstitucional. "Isso não é aplicável no caso de uma MP da Presidência da República", diz.

Giardina também argumenta que não havia necessidade de devolução porque a MP não tinha efeitos imediatos. Só valeria após 90 dias da sua publicação em obediência ao princípio constitucional da noventena. "Poderia ser proposto um mandado de segurança contra a devolução", diz o advogado.

Independentemente da motivação política, a Constituição exige relevância e urgência para a edição de MP. "Mas esses são os aspectos que devem ser avaliados pela comissão mista do Congresso, não pelo presidente do Senado", afirma o advogado Marco Antônio Gomes Behrndt, sócio do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. "O presidente do Senado poderia devolver a MP se a ela tratasse sobre assuntos que a Constituição veda serem abordados por MP. Mas esse não é o caso de temas tributários."

 

Lula descarta comparecimento em manifestação de movimentos sociais

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartou participar do ato organizado por movimentos sociais no dia 13, que deve ser marcado por críticas à política econômica e às medidas que restrigem o acesso a direitos trabalhistas. Lula havia prometido publicamente ir à manifestação, mas recuou para evitar que sua presença seja vista como apoio às reclamações contra a gestão Dilma Rousseff.

"Se me convidar, eu vou participar", disse Lula ao presidente da CUT, Vagner Freitas, em ato em defesa da Petrobras, no Rio, em fevereiro. No entanto, Lula afirmou ter mudado de ideia em conversa com o dirigente sindical, na terça-feira.

O ato marcado para a próxima semana defenderá os "direitos da classe trabalhadora, a Petrobras, a democracia e a reforma política", segundo os 14 movimentos que articulam a manifestação. As entidades dão o tom do que deve ser o discurso crítico: "Governo nenhum pode mexer nos direitos da classe trabalhadora. Quem ousou duvidar da nossa capacidade de organização e mobilização já viu do que somos capazes". Os movimentos sociais afirmam que é preciso lutar contra "medidas de ajuste fiscal que prejudicam a classe trabalhadora" e contra as Medidas Provisórias (MPs) 664 e 665, que restringem direitos trabalhistas. "São ataques a direitos duramente conquistados", afirmam no texto.

O presidente da CUT minimizou a ausência de Lula e reforçou que haverá críticas ao ajuste fiscal. "Não é um ato contra o governo, nem pró-governo. Mas vamos mostrar a discordância em relação às MPs", disse.

As entidades preveem manifestações em 14 capitais e em Brasília dois dias antes dos atos pró-impeachment de Dilma e negam que serão um contraponto aos protestos contra a presidente. "Não queremos computar quem coloca mais gente nas ruas", disse Freitas, que, no entanto, criticou aqueles que pregam o impeachment. "Temos muitas críticas ao governo, mas somos contra o golpismo. Somos contra o terceiro turno", disse. "Quem perdeu as eleições que espere as próximas".