Desgastado por uma série de denúncias de corrupção na Petrobras, pelas manifestações populares e sem controle sobre a própria base aliada, o governo quer aproveitar a curta semana que antecede o feriado para tentar evitar a votação de matérias no Congresso que comprometam o ajuste fiscal proposto pela equipe econômica. No Senado, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, se encontrou com o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o senador Romero Jucá (PMDB-RR). O emissário do Executivo tentava evitar a votação do novo indexador das dívidas de estados e municípios, prevista para hoje. A ideia do ministro é adiar para 2016 o impacto da medida.
 
O caminho para o governo evitar mais uma derrota no parlamento, segundo Jucá, passa por um acordo do Executivo federal com a prefeitura do Rio de Janeiro, que, na semana passada, ajuizou ação contra a União para poder aplicar as novas regras. “Sobre o indexador, está se construindo individualmente, entre governo e prefeitura do Rio, um acordo que levaria ao pagamento da parcela cheia (de acordo com as regras antigas) até dezembro. No fim do ano, o governo federal devolveria parte do valor”, detalhou Jucá.
 
Se aplicado a todas as prefeituras e governos estaduais, o novo indexador custaria ao governo cerca de R$ 2,89 bilhões só em 2015. A ideia, ventilada por interlocutores da Fazenda, é que o acordo em negociação com o Rio seja estendido a outros estados e municípios com dívidas. Senadores de outras unidades da Federação foram procurados ao longo da segunda-feira para tratar do assunto. “Estou bastante confiante num encaminhamento positivo. Há entendimento no Rio de Janeiro e em outros lugares da importância de todo mundo contribuir para o ajuste”, disse Levy, que hoje estará na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado para falar sobre o ajuste fiscal. 
 
Na Câmara, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Pepe Vargas, e o líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), conseguiram desarmar uma das bombas que tiram o sono do Planalto no parlamento ao articularem a retirada de pauta de um projeto que obrigaria a Petrobras a usar a Lei de Licitações, atrasando ainda mais os investimentos da estatal. Vargas e Guimarães convenceram o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e os demais líderes a retirar da pauta o requerimento de urgência para um projeto que obrigaria a Petrobras a usar a Lei de Licitações nas compras. O projeto anula um decreto do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que instituiu um regime simplificado para as aquisições da estatal. 
 
Anteriormente, o próprio Cunha e até mesmo deputados do PT disseram que o regime simplificado favoreceu a corrupção na estatal, descoberta pela Operação Lava-Jato. Na avaliação do governo, porém, a volta ao regime da Lei de Licitações prejudicaria ainda mais a Petrobras e a economia, ao reduzir o ritmo dos investimentos da estatal. No começo do dia, Pepe distribuiu, a líderes da base, um informe pedindo a retirada do projeto, que será discutido em comissão especial.
 
Cauteloso, Guimarães evitou classificar o episódio como triunfo do governo. “É uma vitória do parlamento, do diálogo. Nós vamos votar amanhã (hoje) alguns projetos que não têm impacto financeiro”, disse. “A nossa preocupação — do governo — era não sinalizar negativamente para o mercado em relação à Petrobras. E eu acho que nós conseguimos preservar a empresa”, disse. 
 
Para assegurar o acordo, porém, o governo teve de ceder em relação ao reajuste para os defensores públicos da União. Pouco mais de 500 servidores serão beneficiados pelo efeito-cascata do projeto aprovado ontem, que equipara o salário do chefe da Defensoria Pública da União ao do procurador-geral da República, chefe do Ministério Público Federal (MPF). O impacto, porém, só será sentido no começo de 2016. Ao longo do próximo ano, a benesse custará cerca de R$ 100 milhões. O texto vai agora para o Senado. 


Medidas provisórias 

Ao longo das últimas semanas, o governo “comprou tempo” com o envio de MPs e projetos em regime de urgência, afetando pelo menos três matérias com impacto econômico. No reajuste da tabela do Imposto de Renda, a coordenação política conseguiu evitar a derrubada do veto de Dilma, que desejava aplicar correção de 4,5%, com proposta de um reajuste escalonado. 
 
Na discussão do fim das desonerações sobre as folhas de pagamento, que teve uma MP devolvida por Renan Calheiros, o governo apaziguou a base com o envio de um projeto de lei em regime de urgência. Na questão da política de reajuste do salário mínimo, a solução veio na forma de outra MP acordada com Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Como ambos os instrumentos (MPs e PLs em regime de urgência) têm prazo para começar a trancar as pautas de votação, o governo deve se preparar para novas quedas de braço a partir do começo de maio.
 
O calvário governista

Confira alguma propostas que têm dado dor de cabeça ao governo no Congresso. A maioria dos pontos de tensão dizem respeito a questões com impacto financeiro 

Renegociação das dívidas de estados e municípios 

»  Prevista para ir à votação hoje no Senado, o projeto dá prazo de até 30 dias para a União regulamentar dívidas dos estados. Caso o governo não o faça, estados e municípios poderão aplicar, por conta própria, o novo indexador, menos favorável à União. Projeções feitas pelo ministro Joaquim Levy (Fazenda) dão conta de que o custo total da medida, em 2015, será de R$ 2,89 bilhões. Até 2040, a União perderia R$ 163 bilhões com a mudança.
 
Reajuste da Defensoria Pública da União 
»  O projeto reajusta o salário do chefe da Defensoria Pública da União (DPU), equiparando-o ao do procurador-geral da República, chefe do MPF. Cerca de 550 defensores públicos seriam beneficiados com o efeito-cascata provocado pelo projeto, que teria impacto de cerca de R$ 100 milhões a partir de 2016. Aqui, o governo teve de ceder e, apesar de orientar voto contrário, não vai pedir a retirada de pauta nem obstruir a votação. 


MP do salário mínimo

»  Enviada na semana passada, a MP substitui um projeto anterior, cujo texto principal havia sido votado. Foi uma saída encontrada pelo governo para adiar a discussão sobre a extensão do benefício aos aposentados, que constava em uma emenda no texto principal. Cada ponto percentual de aumento para os aposentados, segundo o governo, custaria R$ 2 bilhões anuais. Novas emendas nesse sentido devem voltar a ser discutas em maio, quando a MP passa a trancar a pauta.


MPs do ajuste

»  As MPs 664 e 665, que alteram direitos trabalhistas e põem em marcha parte do ajuste fiscal, estão sendo discutidas em comissões especiais formadas por deputados e senadores. Os debates têm provocado tensão entre sindicalistas e governo. 


MP do reajuste do IR 

»  Resultado de uma queda de braço entre o governo, que defendia o reajuste de apenas 4,5% na tabela do Imposto de Renda, e boa parte do Congresso, que queria 6,5%, mais próximo da inflação oficial do ano passado (6,8%). Na semana passada, líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), ajudou a convencer o PMDB a aceitar um reajuste escalonado na tabela, com percentuais maiores para as faixas com menos renda. Mesmo assim, as mudanças custaram R$ 6 bilhões à União. A MP volta a ser discutida no começo de maio.