RIO — Concentrado durante anos em algumas comunidades da Zona Norte, o consumo de crack vem ganhando terreno na cidade. Nos últimos meses, a droga passou a ser facilmente encontrada na Zona Portuária e às margens de trechos da linha ferroviária e da Avenida Brasil, e, agora, grandes grupos de usuários começam a se formar na Lapa e na Zona Sul. O avanço está chamando a atenção da população e de autoridades, que tentam traçar uma estratégia para contê-lo. O vício, impulsionado pelo preço baixo — uma “pedra’’ custa entre R$ 3 e R$ 5 — , chegou com força a bairros nobres do Rio, como Ipanema e Copacabana.

A Secretaria municipal de Desenvolvimento Social informa que seu trabalho de abordagem ainda tem como foco cracolândias que reúnem mais de 300 pessoas. Elas estão no Parque União e na Nova Holanda (no Complexo da Maré), em Manguinhos, no Jacarezinho, em Del Castilho, em Triagem, no Engenho Novo e, em menor escala, na Lapa. E foi justamente do bairro que é símbolo da boemia carioca que começou a migração de viciados para a Zona Sul, começando por Laranjeiras e Botafogo.

Quase diariamente, um ônibus da secretaria é estacionado embaixo do Viaduto Santiago Dantas, que liga a Praia de Botafogo à Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras. No entanto, segundo assistentes sociais, é pequeno o número de dependentes que se mostram receptivos às abordagens no local. Ainda em Laranjeiras, um outro ponto de consumo se formou sob o Viaduto Jardel Filho, a aproximadamente 200 metros do Palácio Guanabara, como informou Ancelmo Gois em sua coluna desta sexta-feira.

USUÁRIOS EM COPACABANA E IPANEMA

A situação também preocupa em Copacabana, onde pequenos grupos de usuários começaram a se reunir, de madrugada, nas ruas Barata Ribeiro, Bolívar e Leopoldo Miguez — nesta última, eles já têm o costume de espalhar colchões sobre as calçadas. Outro bairro onde a situação se agrava é Ipanema: segundo moradores e comerciantes, após as 21h, dezenas de jovens consomem crack nas praças General Osório e Nossa Senhora da Paz.

— É preciso tomar providências logo. Depois que anoitece, o trecho da Praça Nossa Senhora da Paz mais próximo à Rua Barão da Torre fica perigoso. Sempre vejo um grupo de aproximadamente dez pessoas, entre homens e mulheres, consumindo crack por ali. Isso acontece desde novembro. Os dependentes passam a madrugada toda se drogando, e, quando amanhece, encontramos um cenário desolador, com fezes e poças de urina por todo lado — lamenta a aposentada Maria do Carmo.

Para a presidente da Associação de Moradores de Ipanema, Maria Amélia Loureiro, a Praça General Osório já virou uma cracolândia.

— Há muitas pessoas consumindo crack na praça. Estamos muito preocupados porque notamos que essa cracolândia não abastece somente dependentes miseráveis, moradores de rua. Ela também passou a ser frequentada por gente com dinheiro, que mora em apartamentos da região. É uma situação delicada, e queremos uma solução para conter esse avanço — disse Maria Amélia.

Maria Ignez Barreto, coordenadora do Projeto de Segurança de Ipanema, faz coro às críticas:

— Não tenham dúvidas de que o bairro está sofrendo uma invasão de usuários de crack. Na quinta-feira, às dez da manhã, havia um grupo consumindo a droga na esquina das ruas Maria Quitéria e Visconde de Pirajá. Temos ligado exaustivamente para a Secretaria municipal de Desenvolvimento Social, agentes do órgãos sempre nos atendem e vêm aqui, mas é um trabalho pontual. Os viciados retornam no dia seguinte. É preciso que as ações do órgão sejam feitas de forma permanente em Ipanema.

Adilson Pires, secretário municipal de Desenvolvimento Social, afirma que medidas estão sendo tomadas para conter o avanço do crack na cidade. Ele diz que o número de usuários na Lapa já caiu pela metade, e promete mais ações na Zona Sul.

— A migração está acontecendo porque, nesta época do ano, os dependentes conseguem catar um número maior de latas na região, o que lhes dá dinheiro para sustentar o vício. Além disso, praticam pequenos delitos e recebem mais esmolas. Estamos chegando gradativamente à Zona Sul.

O secretário destaca que agentes de sua pasta só abordam dependentes por meio do diálogo: internações compulsórias, como as realizadas em 2013 com usuários de crack retirados de áreas às margens da Avenida Brasil, deixaram de ser feitas.

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— As abordagens passaram a ser feitas em cima de técnicas de convencimento e aproximação, de forma sensível e humana. As internações compulsórias provocaram uma grande polêmica, e dependentes se mostraram revoltados com a medida. Hoje estamos seguros de que ganhar a confiança é o melhor caminho para a reabilitação — afirma Pires, acrescentando que 2.776 usuários foram abordados no ano passado, sendo que 1.647 aceitaram tratamento ou algum tipo de apoio por parte da prefeitura.

De acordo com Diana Ribeiro, que coordena o Proximidades, programa da secretaria voltado para usuários de crack, 63% dos dependentes abordados têm moradia na Zona Norte, e o restante, em sua maioria, seria da Zona Oeste e do Centro. Ela diz ainda não ter estatísticas precisas sobre o problema na Zona Sul, mas reconhece que a região virou motivo de preocupação:

— A migração corresponde a um aumento do poder aquisitivo dos usuários. Identificamos, entre os dependentes, uma aeromoça que fala quatro idiomas fluentemente. Vemos também, diariamente, funcionários de empresas conhecidas procurando crack quando há escassez de cocaína em bocas de fumo