Com um aumento médio previsto de até 50% em todo o país - e de 70% no Sudeste - o reajuste da conta de luz deve impedir que a inflação encerre o ano dentro da meta perseguida pelo Banco Central (BC), de 4,5% ao ano, com margem de tolerância de dois pontos percentuais para baixo ou para cima. Segundo a última pesquisa Focus, a sondagem semanal feita pelo BC junto a instituições financeiras, a previsão mais recente é que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, a inflação oficial) termine o ano em 7,27%, mas muitos economistas já apostam em algo em torno de 7,5% a 8%.

Analistas estimam que somente a conta de luz residencial mais cara deve ser responsável por um impacto de até 1,41 ponto percentual no IPCA. Os preços administrados (controlados pelo governo), que incluem tarifas de energia elétrica, gás e combustível, entre outros, devem pressionar a inflação, com contribuição de 3,25 pontos percentuais.

repasse de indústria e comércio

Em 2014, o reajuste médio das tarifas de energia ficou em 17,06%. O resultado mais que compensou o recuo de 15,66% registrado em 2013. A energia mais barata foi obtida por meio da interferência do governo, que forçou a queda na tarifa com uma antecipação da renovação de concessões de empresas do setor elétrico. Assim, as companhias teriam prazo maior para atuar em troca de preços menores. Desde 2013, porém, o país passou a sofrer os efeitos da falta de chuvas e do consumo em alta.

A economista Adriana Molinari, da Tendências Consultoria, diz que a inflação deste ano ficaria dentro da banda superior da meta - com alta de 6% em vez dos 7,3% estimados - não fosse o impacto da energia elétrica:

- A energia elétrica deverá ser sozinha a principal fonte de pressão para os administrados e para o IPCA como um todo, contribuindo com o equivalente a 18,6% da inflação neste ano.

O economista Fábio Romão, da LCA Consultores, projeta inflação de 7,54%, em que a conta de luz sozinha responderá por 1,24 ponto percentual. Isso significa que se a conta de energia não subisse nada este ano, a inflação terminaria em 6,3%.

Os cálculos de Romão incluem o aumento extraordinário de tarifas, o uso da bandeira vermelha até o fim do ano, além de revisões tarifárias de concessionárias já previstas em 2015.

Se São Paulo, o local mais afetado pela crise energética, não entrasse na conta, a inflação ficaria acima do teto da meta, mas com avanço mais moderado de 7,18%, estima Romão.

- Em 2016, a energia elétrica deve ficar perto de zero ou até ter deflação quando a bandeira migrar de vermelha para amarela - afirma oeconomista, em referência ao sistema que entrou em vigor este ano e repassa ao consumidor o custo maior de geração da energia.

No Sudeste, onde os reajustes previstos são mais intensos, o aumento da conta de luz deverá ser diluído ao longo do ano.

- As contas vão aumentar aos poucos. Todo mês. Será algo escalonado. E isso dificulta a percepção para o consumidor. A única dica é economizar - afirma o gerente de Regulação da Safira, Fabio Cuberos.

Já o economista Eduardo Velho, do INVX Global Partners, diz que não ficará surpreso se a inflação chegar a 8% em 2015, com a alta da conta de luz. O cenário permanecerá difícil em 2016, segundo o analista. Entre as possíveis pressões, ele cita a alta do dólar, que pode elevar ainda mais o custo da energia de Itaipu, e o efeito do repasse da conta de luz por indústria e comércio:

- A alta forte da inflação pode fazer com que setores antecipem reajustes e repassem custos.

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Reduzir consumo será mais difícil que em 2001

 

Empresas de energia altamente endividadas, uma situação hidrológica desfavorável e contas de luz cada vez mais caras. Os efeitos da crise atual ajudam a ilustrar um cenário mais cruel para o consumidor do que o que castigou o país em 2001, ano do racionamento de energia, segundo especialistas do setor.

Em 2001, como existia muito uso ineficiente da energia, a redução foi feita com menos sacrifícios. Agora, será preciso mudar hábitos e diminuir o conforto para minimizar o impacto no bolso. Mesmo assim, a conta de luz não ficará mais barata, diz Erik Eduardo Rego, diretor da consultoria Excelência Energética.

- Do ponto de vista econômico, não foi sofrido. Não houve aumento antes do racionamento. Agora, a previsão de alta é de cerca de 50% antes mesmo de um possível racionamento. Em 2001, além de reduzir o consumo em 20%, havia bônus para quem poupava, e a conta caía mais.

Duas ações ajudaram a reduzir o uso da energia há 14 anos: trocar lâmpadas incandescentes por fluorescentes e desligar o freezer - uma herança da época de hiperinflação, quando as famílias faziam compras de mês.

- Não temos isso hoje. Essas trocas promovidas pelos consumidores naquela época levaram à redução de 20% exigida. Hoje, ninguém tem freezer nem voltou para a incandescente. Em 2001, o governo colocou um bode na sala, e o bode ficou bonito. As pessoas viram que era fácil economizar e gostaram da conta mais barata. O consumo se manteve baixo e só voltou ao que era antes do racionamento em 2005 - explica Rego.

Ao longo desses 14 anos, a renda subiu e mais pessoas passaram a ter eletrodomésticos. Excetuando o ar-condicionado, que consome muito e é o vilão do verão, uma redução no consumo para economizar na tarifa depende da somatória de pequenas mudanças de hábitos. E, mesmo assim, a conta não vai ficar mais barata, devido à alta do custo.

- Para reduzir o consumo, é preciso voltar a usar panela e gás em vez de micro-ondas, pipoqueira, máquina de arroz, cafeteira. Mas isso não gera grande impacto. São ganhos marginais. Não há gordura. Isso vale para indústria e cliente residencial - destaca o especialista.

Mesmo consumo, conta maior

A pedagoga Marianne Muniz já sente a mudança. Em outubro, ela, o marido e o filho de 2 anos usaram 197 kWh/mês, pagando R$ 86,31. Em novembro, a família voltou a gastar exatos 197 kWh. Desta vez, a conta foi de R$ 97,36. Em janeiro, quando o consumo saltou para 403 kWh, a conta disparou: R$ 264,21

- Fiquei estarrecida. O luxo foi ligar o ar de 21h às 5h. E meu filho dorme no nosso quarto, no chão. Já uso lâmpadas fluorescentes e acumulo roupa para passar e lavar. O jeito é abrir a janela e ligar o ventilador. Mas vou perder qualidade vida. Uma noite mal dormida é terrível.

A consultora em energia e advogada Elena Landau, do escritório Sérgio Bermudes, afirma que nos últimos dois anos o governo adotou apenas medidas paliativas. Ela ressalta que o governo estimulou o consumidor a usar energia com o crédito para a compra de eletrodomésticos e a redução artificial das tarifas:

- O consumidor adotou novos hábitos e ficou com a sensação de que a energia é de graça. E terá que esperar o impacto da conta mais cara para rever isso - diz Elena, que foi diretora do BNDES durante o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso.

Para Elena, o setor está em situação pior do que em 2001. Se, há 14 anos, os reservatórios estavam em 34%, hoje as usinas estão na faixa dos 18% de capacidade mesmo com as termelétricas (ausentes da matriz em 2001) operando a pleno vapor:

- Há quem veja as termelétricas como algo positivo, mas é uma energia cara.