Em tempos de crise hídrica no Brasil e na antevéspera do Dia Mundial da Água, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) fez, em relatório divulgado ontem, um alerta preocupante sobre o uso do recurso no mundo. De acordo com instituição, se forem mantidos os padrões atuais de consumo, haverá um deficit de 40% na oferta do insumo até 2030.

Os dados constam no Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos 2015, que apresenta uma série de projeções sobre o aumento no consumo da água até 2050 e sugestões para que o mundo enfrente a situação de maneira sustentável. As formas de equilibrar crescimento econômico e a consequente pressão na demanda estão no centro da discussão da publicação, que dá destaque à situação dos países em desenvolvimento, entre eles, o Brasil.

De acordo com o relatório, o consumo de água nos Briics (Brasil, Rússia, Índia, Indonésia, China e África do Sul) deverá praticamente dobrar, considerando o período de 2000 até 2050. A demanda por recursos hídricos na indústria deve ser o fator de maior impacto no mundo, com acréscimo de 400% no consumo nesse período, em especial nos países em desenvolvimento. O crescimento do consumo pela indústria representa o desenvolvimento econômico, processo esperado para os países dos Briics nos próximos anos. Cada nação deverá traçar sua própria estratégia, mas é necessário melhorar a governança para que não falte água nesse processo, afirmou o coordenador de Ciências Naturais do escritório da Unesco no Brasil, Ary Mergulhão.

Outra grande fonte de aumento no consumo deve ser o uso para abastecimento energético, previsto para ocupar cada vez mais espaço entre os setores com gasto expressivo de recursos hídricos. Uma das soluções apontadas pelo relatório é a maior utilização de fontes autossustentáveis de energia, como solar e eólica, em substituição às usinas térmicas, que utiliza grande quantidade de água no processo de resfriamento das caldeiras. No Brasil, a maior parte da matriz energética é considerada limpa, com geração feita por meio de hidrelétricas. No entanto, por conta da seca, as geradores térmicos tomaram um espaço maior na produção de energia do país.

Para Mergulhão, uma forma de se precaver contra as sazonalidades climáticas sem prejudicar o meio ambiente seria o investimento em fontes alternativas. O Brasil tem grande potencial para explorar outras formas de energia. A forte incidência solar e de ventos permite, por exemplo, investir em parques de geração eólica e solar. Além disso, o país já tem experiência nuclear que pode ajudar na ampliação da oferta, avaliou.

Agricultura
Se o consumo pela indústria e a geração de energia elétrica são fatores de preocupação, a agricultura deve ser um setor no qual haverá alívio na pressão sobre o gasto de água. Hoje, cerca de dois terços de toda a água usada no planeta é destinada à área. Mas a projeção da Unesco aponta para a diminuição no uso dos recursos hídricos para irrigação, tanto em termos absolutos quanto proporcionalmente se comparado a outros setores.

De acordo com a Unesco, essa situação deve ocorrer mesmo com a necessidade de se aumentar em 60% a oferta de alimentos agrícolas no mundo 100% nos países em desenvolvimento até 2050. Questões como o melhoramento genético das sementes, que deem origem a espécies mais produtivas e menos demandantes de água, além do aumento no uso de tecnologia de monitoramento e maximização na eficiência no uso da água podem tornar essa realidade factível, afirma Lineu Neiva, pesquisador da Embrapa. A distância de produtividade entre as melhores culturas de grãos e a média nacional ainda é muito grande, o que mostra que há amplo espaço para melhora.

O Brasil atingiu, em 2012, com três anos de antecedência, a chamada meta do milênio da ONU no que se refere ao acesso da população à água potável, cujo objetivo era reduzir pela metade a quantidade de pessoas que não tinham condições de usar fontes limpas do recurso entre 1990 e 2015. O país aumentou o nível de disponibilidade de água limpa de 70,1% da população, em 1990, para 85,5% em 2012. Para os especialistas, resta saber se conseguirá responder aos novos desafios que o crescimento econômico apresenta.