A presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, procuraram alinhar o discurso ontem para dissipar temores de que a relação entre ambos tenha ficado comprometida por comentários feitos por ele na semana passada, durante uma palestra fechada para estudantes estrangeiros, em São Paulo. Na reunião, o ministro afirmou que Dilma tem um "desejo genuíno" de acertar, mas às vezes não age "da maneira mais fácil e efetiva". Vazada durante o fim de semana, a declaração desagradou à presidente, provocou mal estar no Planalto e despertou preocupações no mercado em relação à permanência de Levy no governo e ao futuro do programa de ajuste da economia. Dilma, porém, afirmou que tudo não passou de um mal-entendido e considerou que não há motivos para criar complicações por conta do episódio.

"Tenho discernimento e clareza de que ele foi mal interpretado", disse a presidente, em Capanema, no interior do Pará, onde participou de uma solenidade de entrega de unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida. Foi a mesma explicação dada por Levy, na noite de sábado, e reiterada ontem, em evento com empresários, também na capital paulista. Ao responder a perguntas da plateia, o ministro procurou explicar o que quis dizer quando afirmou que nem sempre Dilma age da maneira mais eficaz. "Na vida real, na política e também nas empresas, trabalha-se sob pressão e nem tudo acontece como se deseja. As coisas são difíceis", esclareceu.

Levy foi além. Afirmou que há afinidade e "confiança mútua e muito sólida" entre ele e a presidente. "Vamos continuar trabalhando para concluir os ajustes na economia", assegurou. Apesar das demonstrações públicas de entendimento, Dilma ficou irritada com a avaliação feita pelo ministro da Fazenda no encontro a portas fechadas com professores e ex-alunos da Universidade de Chicago. O desagrado foi transmitido a Levy pelo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Em telefonema ao colega, no sábado, Mercadante avaliou que o episódio poderia municiar a oposição e criar dificuldades ainda maiores para a aprovação das medidas de ajuste fiscal no Congresso. Começou ali o esforço para tentar dissolver os sinais de atrito entre Fazenda e Planalto.

Os dois lados sabem que uma eventual saída de Levy do governo, nesse momento, colocaria a economia em situação muito mais delicada do que aquela em que já se encontra. Na reunião com os empresários, ontem, o ministro disse que o país não tem margem para errar, sob pena de perder o grau de investimento conferido pelas agências de classificação de risco, que avaliam se o país é ou não um bom pagador de dívidas. "Não podemos admitir o risco de não completar o ajuste fiscal", afirmou. Segundo ele, a situação fiscal do Brasil agravou-se a ponto de tornar-se insustentável, no ano passado, quando as contas públicas registraram um deficit R$ 32,5 bilhões antes mesmo do cálculo das despesas com juros, o primeiro resultado negativo nessa rubrica em 15 anos.

Desacerto

Essa não foi a primeira vez que declarações de Levy causam constrangimento a Dilma. Em janeiro, em entrevista ao jornal britânico Financial Times, ele classificou o programa brasileiro de seguro-desemprego como "ultrapassado", o que aumentou a onda de críticas de centrais sindicais ao ajuste fiscal avalizado pela presidente, que tem entre seus pontos uma série de exigências mais rígidas para que os trabalhadores possam ter acesso ao benefício. Em fevereiro, o ministro anunciou mudanças na política de desoneração da folha de pagamentos de vários setores econômicos observando que as regras definidas durante o primeiro mandato da presidente eram "grosseiras". Em nenhum desses casos, porém, houve uma crítica direta ao comportamento pessoal de Dilma, como transpareceu na fala da semana passada.

O governo espera que o novo desacerto não aumente ainda mais a desconfiança do setor produtivo nos rumos da economia. No Pará, Dilma reiterou que as dificuldades enfrentadas pelo país são passageiras e afirmou que o programa de ajuste permitirá a volta do crescimento econômico. "Nós fomos até onde pudemos absorvendo no orçamento fiscal do país todos os efeitos da crise", disse, em referência à situação da economia mundial. "Você tende a adequar a sua política econômica, toda a sua ação, à mudança da realidade. Eu tenho certeza que o Brasil voltará a crescer se agente fizer esta movimentação." A presidente afirmou ainda que, depois dos ajustes fará "várias reformas".

Levy, por sua vez, afirmou aos empresários que a economia brasileira precisa recuperar a produtividade perdida nos últimos anos e disse que o governo somente tomará medidas para elevar a arrecadação, que foi muito baixa em fevereiro, se elas forem muito necessárias. E garantiu que não haverá retorno na determinação de controlar os gastos públicos. Segundo ele, a intenção é cortar 30% das despesas discricionárias neste ano, de modo a fazê-las voltar ao nível em que estavam em 2003. Para isso, será preciso muita disciplina. "Vamos ter muita gente reclamando, mas é importante mostrar que o governo quer fazer isso e vai bancar", frisou. "Somos um time e estamos jogando juntos."

À espera do ministro

O que Joaquim Levy defenderá hoje em audiência da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado

» Direitos trabalhistas -- O ministro dirá que as mudanças não tiram direitos, mas sim corrigem distorções. A Medida Provisória nº 664 limita a concessão de auxílio-doença e das pensões por morte, que só são vitalícias, a partir de agora, se o cônjuge tiver mais de 44 anos. A MP nº 665 aumenta a carência do seguro-desemprego: é necessário o requerente ter sido empregado por 18 meses na primeira solicitação do benefício e não mais apenas seis. Essas medidas vão gerar economia de R$ 18 bilhões neste ano para os cofres públicos.

» Desonerações -- O argumento para limitar o regime especial de contribuição previdenciária de empresas que passaram a ter alíquotas sobre o faturamento e não sobre a folha salarial é que o custo fiscal disso é alto (R$ 25 bilhões) e não há demonstração de que a regra tenha criado empregos. Com a MP nº 669, as taxas de 1% e 2% sobre o faturamento mudariam para 2,5% e 4,5%, gerando economia de R$ 5,3 bilhões. O ministro deverá defender essa medida, mas há uma expectativa de negociação para uma alíquota intermediária, provavelmente, de 2% e 3%.

» Dívidas de estados e municípios -- A lei da renegociação dos débitos, aprovada em novembro, poderá reduzir o estoque do passivo desses entes federados com a União em 65%. Tramita um projeto no Congresso que obriga essa nova pactuação em 30 dias. Mas o governo quer deixar isso para 2016. O argumento é que a regra é justa, mas que não há dinheiro no momento para isso.

» Dólar -- A moeda norte-americana já se valorizou 21,55% em relação ao real desde o início do ano. O ministro dirá que isso pode trazer instabilidade momentânea para o país, mas a longo prazo ajudará a recuperação da economia ao tornar as exportações brasileiras mais competitivas.

Tropeços

Em três meses, quatro frases do comandante da economia causaram grande constrangimento ao Planalto 21 de janeiro -- No Forum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), ele afirmou: "A gente pode ter um trimestre de recessão e isso não quer dizer nada em relação ao crescimento". Depois de levar uma bronca privadamente, voltou atrás e disse que o termo correto seria "contração" em vez de "recessão".

23 de janeiro -- Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, criticou o sistema de seguro-desemprego do país, que chamou de "completamente ultrapassado". Desagradou de novo a presidente Dilma Rousseff. E explicou-se dizendo que a declaração tinha por objetivo "ampliar o debate para aperfeiçoar o programa".

28 de fevereiro -- Ao falar do programa de desoneração da folha de pagamento de empresas, adotado no primeiro mandato da presidente Dilma, Levy foi para o ataque: "Você aplicou um negócio que era muito grosseiro. Essa brincadeira nos custa R$ 25 bilhões por ano". Dilma procurou conter a raiva em público, mas contestou o ministros, defendendo a aplicação das medidas no passado e também sua revisão. Levy disse, então, que havia sido "coloquial demais".

24 de março -- Em uma conversa com ex-alunos da Universidade de Chicago, na qual fez o doutorado, afirmou: "Acho que há um desejo genuíno da presidente de acertar as coisas, às vezes não da maneira mais fácil, não da mais efetiva, mas há um desejo genuíno". Depois, em nota, disse que a frase foi retirada do contexto, e afirmou, em nota, que é preciso "humildade" para reconhecer que nem todas as medidas têm a efetividade esperada.

De costas para Tombini

Cerca de 50 técnicos do Banco Central viraram as costas para o presidente da entidade, Alexandre Tombini, e se retiram silenciosamente do auditório, ontem durante o discurso que ele fazia na solenidade de comemoração dos 50 anos da autoridade monetária. Todos vestiam camisas brancas com um selo com a frase: "Comemorar o quê?!". Os servidores entraram em greve ontem, num movimento que deve durar até sexta-feira. De acordo com o presidente do sindicato da categoria (SinTBacen), Igor Nóbrega de Oliveira, as principais reivindicações são reestruturação da carreira e reconhecimento, em lei, de nível superior.