Com a queda do petróleo e os escândalos de corrupção na Petrobras, o governo estuda adiar para o fim do ano a 13ª rodada de licitações, prevista para este semestre. Crise já leva mercado a discutir política de conteúdo nacional. O governo estuda adiar para o fim deste ano a realização da 13ª rodada de licitações de áreas no pós-sal (acima da camada de sal no oceano) para exploração de petróleo e gás. Inicialmente, o leilão estava previsto para o primeiro semestre. Segundo fontes do governo, a queda do preço do petróleo no mercado internacional, cotado abaixo de US$ 50 - que levou petroleiras a reduzirem investimentos -,e a crise da Petrobras são os principais motivos para o adiamento. Com os escândalos de corrupção, a estatal ainda não conseguiu publicar o balanço do terceiro trimestre de 2014. Entre as empresas do setor, a postergação da rodada é dada como certa. 
A realização do leilão é vital para que as empresas mantenham o fluxo de investimento no país, já que o Brasil ficou sem realizar licitações de 2008 a 2013. Além disso, as licitações impulsionam o desenvolvimento da cadeia de fornecedores. Do ponto de vista do governo, ampliam a arrecadação, com o pagamento de bônus. A médio e longo prazos, trazem benefícios aos cofres de estados e municípios com pagamento de royalties. 
A previsão é que a 13ª rodada oferte blocos em terra e no mar. Estão incluídos, por exemplo, os chamados campos marginais (antigos) em terra, voltados para pequenas e médias empresas. Além disso, serão oferecidas áreas pouco exploradas no país, como a Bacia de Pelotas (RS e SC), na divisa com o Uruguai, além de bacias em todo o litoral, do Sul ao Nordeste. Também devem ser incluídas áreas na Bacia de Campos, principal região produtora do país. 
PETROBRAS RECORRE A ESTRANGEIRAS 
A rede de fornecedores é outro entrave ao leilão. Devido a indícios de formação de cartel para obter contratos, apurados na Operação Lava-Jato, 23 empresas estão proibidas de serem contratadas pela Petrobras. Com isso, reduziu-se a oferta de construtoras e prestadores de serviços para as empresas vencedoras. Tradicionalmente, a Petrobras é a que mais adquire áreas nas rodadas de licitações. 
A Lava-Jato atingiu até mesmo entidades de classe. A Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval (Abenav) tinha como presidente Augusto Mendonça Neto, um dos executivos da Toyo Setal, que fez acordo de delação premiada no âmbito da operação da Polícia Federal. Procurada, a Abenav não quis comentar. Mendonça era também vice-presidente na chapa que venceu a eleição para o Sinaval, instituição que representa os estaleiros brasileiros instalados em diversas regiões do país. Segundo o Sinaval, ele renunciou ao cargo. 
Diante desse quadro, a crise da Petrobras intensificou a discussão no mercado em relação ao critério de conteúdo local, que define o percentual mínimo de participação da indústria nacional nos projetos. Há dúvidas sobre como ele poderia ser aplicado numa nova rodada. 
- Estuda-se levar a 13ª rodada para o segundo semestre. O cenário é incerto, com a situação das construtoras envolvidas em casos de corrupção. Essas construtoras, que passam por dificuldades financeiras, são donas de estaleiros e têm empresas de exploração de petróleo. E grandes petroleiras estão revendo planos de investimento por causa do preço do petróleo - disse uma fonte do governo. 
As dificuldades com a política de conteúdo local já eram visíveis: de 2011 a 2013, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) aplicou multas no valor de R$ 36 milhões às petroleiras - estrangeiras, em sua maioria - pelo não cumprimento das regras de contratação de fornecedores locais. Deste total, foram pagos R$ 25 milhões. Especialistas lembram que a política de conteúdo nacional pode sofrer forte retrocesso a partir de agora, já que a Petrobras começou o ano fazendo licitações internacionais. 
Para levar adiante o cronograma de seu plano de investimentos, fontes afirmam que a Petrobras decidiu convidar empresas estrangeiras para a construção de módulos de compressão de gás para seis navios-plataforma (P-66 a P-71), após encerrar o contrato com a Iesa, que está em recuperação judicial e faz parte do grupo de 23 empresas que não podem ser contratadas. A Petrobras não divulga a lista das companhias convidadas. 
A expectativa do setor, agora, é para a licitação das unidades P-72 e P-73, que estava prevista para o ano passado, mas foi adiada. Segundo a Petrobras, a concorrência foi postergada devido à necessidade de ajustes no projeto, que serão finalizados até abril. A previsão é que o processo licitatório esteja concluído até o fim deste ano. Além disso, a Petrobras também decidiu fazer uma nova licitação para construir em Três Lagoas (MS) a Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III, com o cancelamento do contrato com a Sinopec e a Galvão Engenharia, a qual está proibida de ser contratada pela estatal. Segundo a Petrobras, a nova licitação foi feita para concluir a obra no menor prazo possível. "Atualmente, estamos reavaliando o cronograma de implantação do empreendimento", disse em nota. 
Gisela Mac Laren, do grupo naval Mac Laren, procurou a Petrobras este mês: 
- Esperamos contribuir para que a Petrobras mantenha seu cronograma. Temos duas bases na Baía de Guanabara. 
MINISTÉRIO DIZ QUE DATA ESTÁ MANTIDA 
A companhia decidiu rescindir contratos de afretamento com a Astromarítima de duas embarcações de apoio (PSVs), já que a empresa, que encomendou a construção ao Estaleiro Eisa, "não apresentou plano para a recuperação de atrasos e entrega das embarcações". Omar Peres, conselheiro do Synergy Shipyard, controlador do Eisa, disse que os problemas ocorreram por atrasos nos pagamentos. 
Com a principal cliente recorrendo a empresas no exterior e a perspectiva de adiamento do leilão, empresários avaliam que o governo será obrigado a rever a política de conteúdo local e alterar os percentuais mínimos exigidos, principalmente nas licitações da ANP. Nas últimas rodadas, o percentual ficou entre 60% e 70% na fase exploratória e de 75% a 85% na de desenvolvimento. 
- As empresas do setor já sabem que o leilão não ocorrerá neste semestre. A Petrobras está replanejando seus objetivos, é temeroso falar em nova rodada a curto prazo - destacou o presidente de uma empresa do setor de petróleo, que não quis ser identificado. 
Procurado, o Ministério de Minas e Energia (MME) diz que, "a princípio", o leilão está mantido para o primeiro semestre. A ANP informou que não fixa as datas dos leilões, determinados pelo governo federal por meio do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Em relação à política de conteúdo local, o MME diz que ela sofre aprimoramento permanente e que não fará alterações em decorrência do descredenciamento temporário de fornecedores por parte de uma das empresas operadoras. 
O presidente da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), Eloi Fernandez, afirma que o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), executado pelo governo, não é suficiente para permitir a capacitação tecnológica das empresas e a formação de mão de obra qualificada: 
- Fixar percentuais de conteúdo local não resolve. Estamos no meio de uma tempestade. É hora de ter uma política industrial para desenvolver o fornecedor nacional, gerar emprego e riqueza no país. Deve-se capacitar essas empresas para competir aqui no país e no exterior, não dependendo apenas de um cliente único. 
Para Márcio Monteiro Reis, do escritório Barroso, Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados, os índices de conteúdo local não são atingidos porque a indústria nacional não tem sido capaz de suprir os volumes exigidos. 
- A política de conteúdo local já era ruim. Agora, vai piorar. Independentemente da crise atual, não se pode esquecer que o pré-sal é uma riqueza que pode gerar dividendos para o país. É importante que o país absorva parte das encomendas que serão demandadas, tanto de materiais como de mão de obra. 
Algumas empresas temem alterações na política de conteúdo local. 
- Não se pode colocar todas as empresas nacionais no mesmo balaio das companhias que estão impedidas de serem contratadas pela Petrobras - disse Miro Arantes, presidente do Vard Promar, que tem dois estaleiros, um em Niterói, onde são construídas quatro embarcações, e outro em Recife, que tem encomendas de oito unidades.