O sociólogo Michel Wieviorka não é muito otimista em relação ao futuro imediato da França após os recentes atentados, mesmo com a ampla mobilização ocorrida no país. Na sua opinião, o maior beneficiado com os ataques será a extrema-direita da Frente Nacional (FN), partido liderado por Marine Le Pen. Wieviorka - autor de livros como como "Sociedade e terrorismo", "Racismo e xenofobia na Europa" e "Antissemitismo explicado aos jovens", acusa a falência do modelo republicano francês, e acredita que as manifestações que sacudiram o país não terão força para renovar o debate político sobre antigos e conhecidos problemas.

Qual é a natureza do terrorismo que atacou a França nestes dias?

Vejo três lógicas. A primeira é geopolítica, mundial, a jihad, a guerra do islamismo mais radical contra o Ocidente. A segunda está no interior da sociedade francesa. Não se pode compreender este fenômeno se não tivermos em mente o que se passou há 40 anos em matéria de imigração. No início, houve uma imigração de trabalho, os homens vinham sós. Com o reagrupamento familiar, tornou-se uma imigração de povoamento, as famílias permaneciam na França e faziam suas vidas aqui. A partir de meados dos anos 1960, com as transformações econômicas, grandes empresas deixaram de ter necessidade de enormes quantidades de trabalhadores não qualificados. Emergiu a questão dos subúrbios, e a tomada de consciência de que boa parte da população francesa era muçulmana. Surgiu a Frente Nacional, o racismo, a discriminação. Todos essas questões foram maltratadas por sucessivos governos. As políticas urbanas fracassaram, a integração não é perfeita, sem falar da crise econômica e do desemprego. A terceira lógica é que os atiradores são casos sociais. Na maioria, são perfis de pequenos delinquentes, a prisão lhes transformou em criminosos e, muitas vezes, em islamistas radicais. Para afrontar estas questões, deve haver políticas específicas - de educação, urbanas, econômicas - e uma visão geral sobre que França se quer construir.

Qual o significado das manifestações?

Não foi toda a França que se mobilizou, mas uma parte dela. Pessoas em sua maioria de classe social urbana, privilegiada, educada. Não foi a extrema-direita nem a direita pura. Muitas pessoas de origem imigrante não quiseram se manifestar. Nem todos querem dizer "Eu sou Charlie". Tudo isso significa a crise e a falência do modelo francês de integração republicana. A única resposta que se tem é "Viva a República". Mas não se pode dizer para as pessoas: no espaço público você não pode aparecer, mas peço que se manifestem como comunidade para dizer que não estão de acordo com os atentados, como exigem dos muçulmanos moderados, por exemplo. Isso é insuportável, e contraditório.

Como você vê o crescimento de atos antissemitas na França?

Há menos antissemitismo hoje na França do que há 50 anos. Mas hoje ele tem uma forma muito mais brutal e mortífera. Antes da Segunda Guerra, o antissemitismo era uma opinião, não um crime. Metade da população era de educação cristã, que tendia a um certo nacionalismo de direita. Isto quase acabou. A Frente Nacional começou como muito antissemita, mas a atual presidente, Marine Le Pen, faz tudo o que pode para mostrar o contrário. Em diferentes camadas da população ainda podem se ouvir discursos de ódio aos judeus.

O premier israelense Benjamin Netanyahu esteve em Paris...

Ele não só veio a Paris para as manifestações, mas declarou que os judeus da França deviam ir para Israel, porque sua segurança não estava garantida. Dizer isso diante das autoridades francesas, no dia em que o país se mobiliza para denunciar os horrores dos atentados, foi insuportável.

O número de judeus que partem tem realmente aumentado.

O modelo republicano francês diz a todas as minorias: façam o que quiserem em privado, mas não existam como minorias em público. A partir dos anos 1970, os judeus franceses se tornaram bastante visíveis em público. Fizeram grandes manifestações para apoiar Israel, saíram às ruas contra o antissemitismo. A partir dos anos 1980, a imagem de Israel se deteriorou bastante. E o modelo francês republicano já não funcionava.

A extrema-direita sai reforçada na França neste contexto pós-atentados?

Estou convencido disto. Ainda mais porque os problemas atuais não foram resolvidos nem pela direita nem pela esquerda. Eles não souberam encontrar as boas respostas para questão dos subúrbios, da educação, da laicidade etc. E a FN vai chegar e dizer: "Nós vamos propor outra coisa". E muitos franceses se dizem: "Vamos tentar outra coisa". E a FN fará ainda uma instrumentalização: pedirá ainda mais repressão, vigilância e controle policial, o que vai agradar boa parte da opinião pública, sobretudo se ocorrerem novos atentados. Hoje se tem o sentimento de que o governo age com firmeza e está à altura da situação, mas os problemas vão ressurgir, a situação econômica não vai melhorar, e os debates vão se tornar mais acirrados. A FN que irá capitalizar tudo isso.

A união nacional que se viu nestes últimos dias será efêmera?

A união já é frágil hoje. Minha grande tristeza é que, logo após este momento, a tendência é cair em debates politiqueiros, com os mesmos atores de sempre. A única razão que se pode ter para ser um pouco otimista, mas só um pouco, é se dizer que talvez a sociedade tenha acordado. Gostaria que ocorresse na França um pouco o equivalente ao que a Espanha vive hoje com o movimento Podemos, uma renovação da reflexão sobre a vida política. Mas não sou muito otimista, acho que isso não ocorrerá.

E a volta do debate sobre liberdade de expressão?

Já existem leis que dizem o que temos ou não direito de fazer em termos de liberdade de expressão. O problema está em outro lugar, no sentido da responsabilidade de cada um. Eu não teria publicado as caricaturas de Maomé, mas trata-se da minha opinião pessoal. Acho que o "Charlie Hebdo" foi irresponsável, mas defendo o direito deles de sê-lo. Não me identifico, mas o "Charlie Hebdo" tem o direito de existir.

A questão da imigração voltou a ser evocada após os ataques.

É um falso debate na França. Dizem que os imigrantes custam dinheiro, mas os estudos dizem que eles contribuem de forma positiva para o crescimento econômico. Acho incrível que se busque um bode expiatório, pois não é este o problema. Ele está no tipo de política de integração. No portão de uma escola pública está inscrito "RF", de República Francesa, e abaixo "Liberdade, igualdade, fraternidade". Mas isto não é o mesmo para todos.