Uma combinação de fatores tem sido responsável pela explosão de casos de dengue este ano. Pelo menos um deles é conjuntural: a crise hídrica. Ela tem levado a muitas pessoas a armazenar água inadequadamente, favorecendo a proliferação do mosquito transmissor no verão, período de maior incidência da doença, explica Paulo Urbinatti, doutor em saúde pública, biólogo e pesquisador da Faculdade de Saúde Pública da USP.
As mudanças climáticas também têm favorecido a expansão do mosquito, diz o biólogo. O que agrava ainda mais o quadro é o fato de o a. aegypti estar muito bem adaptado ao ambiente urbano e aos criadouros artificiais - qualquer local ou recipiente passível de juntar água limpa, mesmo que em pouca quantidade. Mas o aspecto mais sério é a falta de políticas públicas nos municípios, afirma.
Depois de recuar em 2014, a dengue voltou com força este ano. Levantamento do Ministério da Saúde indica crescimento de 139% na notificação da doença nos dois primeiros meses de 2015 em relação a igual período de 2014. Os casos notificados passaram de 73,1 mil para 174,7 mil. Até o dia 7 deste mês já eram 224,1 mil casos.
A situação agravou-se em vários Estados, mas é pior em São Paulo, onde ocorreram 38,7 mil casos confirmados no primeiro bimestre, o que dá 92 casos por 100 mil habitantes.
Segundo o Ministério da Saúde, os 94,6 mil casos notificados no primeiro bimestre, se confirmados, elevariam a incidência em São Paulo para 214,9 casos por 100 mil moradores. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, ocorre epidemia a partir de 300 casos confirmados por 100 mil habitantes. Em 2014, São Paulo teve 193,6 mil casos confirmados de dengue.
O ministro da Saúde, Arthur Chioro, tem afirmado que não acredita que a incidência recorde de 2013 (425,1 mil casos) vá se repetir, mas lembra que há risco de aumento da incidência nas próximas semanas. "O período de março a maio é, historicamente, o de maior transmissão", diz.
Levantamento do Ministério da Saúde aponta queda no número de casos notificados só em oito das 27 unidades da Federação: Distrito Federal, Amazonas, Pará, Piauí, Paraíba, Mato Grosso, Minas Gerais e Espírito Santo. Nos demais Estados houve aumento. Em sete deles, o número de casos notificados no bimestre cresceu 100% ou mais: Amapá, Maranhão, Pernambuco, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Rio Grande o Sul.
Com 169 casos notificados de janeiro a fevereiro em território gaúcho, a Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde de Porto Alegre emitiu alerta epidemiológico no dia 2 de março, depois da confirmação do primeiro caso do ano de dengue autóctone, quando há contaminação na própria cidade.
Desde janeiro já foram registradas dez ocorrências da doença na capital gaúcha, sendo nove "importadas" - quando o paciente é morador ou visitante que contraiu o vírus em outra região. Há também uma suspeita de febre chikungunya - doença semelhante à dengue e transmitida pelos mosquitos aedes aegypti - o mesmo da dengue e da febre amarela - e pelo aedes albopictus, mas causada por outro vírus. O caso suspeito é de um morador que viajou ao Caribe.
Segundo a bióloga Maria Mercedes Bendati, da coordenadoria da Saúde de Porto Alegre, um alerta foi emitido para que os profissionais de saúde fiquem mais atentos aos sintomas da dengue e notifiquem todos os casos suspeitos. O monitoramento feito com armadilhas e por amostragem revelou que o mosquito transmissor está presente em toda a cidade. Porto Alegre registrou em 2014 seis casos autóctones e 17 importados, contra 150 e 69, respectivamente, em 2013. A cidade nunca registrou morte por dengue.
A Secretaria estadual de Saúde do Rio também está em alerta em relação ao vírus da febre chikungunya. Segundo o governo fluminense, este ano, até o momento, só um caso foi identificado. Em 2014, foram 12 registros, todos em pessoas que viajaram ao exterior.
"O vírus preocupa muito porque já temos evidência que o chikungunya se adapta bem ao aedes aegypti, tem capacidade de produzir epidemias muito grande", afirma Alexandre Chieppe, superintendente de Vigilância Epidemiológica e Ambiental do Rio.
"As evidências sugerem que vamos ter uma epidemia no Rio, quando exatamente vai acontecer e qual será o número de casos não tem como estimar, mas tudo indica que vamos ter", disse o infectologista José Cerbino. "Em todos os outros locais que reúnem as mesmas condições houve epidemia."
Os cientistas apostam na bactéria Wolbachia para controlar a transmissão da chikungunya e da dengue. Mosquitos infectados pela bactéria não conseguem transmitir o vírus. O objetivo é que esses mosquitos se reproduzam e acabem com o vetor. Outra alternativa, ainda em fase de estudo, é a vacina contra a dengue, em estudo em órgãos como Fiocruz, no Rio, e Instituto Butantan, de São Paulo.
Depois do pico de dengue, com 368,4 mil casos em 2013, Minas Gerais registrou redução brusca em 2014, com 49,3 mil casos. Este ano, porém, o número de casos voltou a preocupar, com 2.862 diagnósticos confirmados. Uma pessoa morreu em consequência da doença. No ano passado foram 49 mortes, contra 117 em 2013.
Para Geane Andrade, coordenadora do programa de combate à dengue em Minas, a oscilação no número de casos ocorre conforme a temperatura e o clima (mais chuva e calor ajudam na proliferação do mosquito). Está ligada também à capacidade de os serviços de saúde se organizarem para controlar a doença, diz Geane.
Minas também registrou um caso de febre chikungunya no primeiro bimestre deste ano e sete no ano passado - todos em pessoas que viajaram ao exterior. O país inteiro teve 2.258 casos de febre chikungunya confirmados em 2014.
O Ministério da Saúde considera positivo, apesar do crescimento da doença este ano, a queda de 28% nos casos de dengue "com sinais de alarme" - dor abdominal. Em janeiro e fevereiro, o Ministério computou 555 desses casos, contra 771 no período em 2014. Nos casos graves, houve queda de 17,2%. Eles baixaram de 93 no primeiro bimestre de 2014 para 77 no deste ano. Os mortos por dengue no bimestre diminuíram 37% (de 62 em 2014 para 39 este ano).
Malária é nova fonte de dor de cabeça no Estado do Rio
Em três meses a Secretaria de Saúde do Rio já registrou 17 casos de malária, mais que todos os diagnósticos da doença somados em 2014 e 2013. Os casos ocorreram na Região Serrana, em áreas de Mata Atlântica.
A transmissão da malária na região é identificada desde a década de 1980, mas há nos últimos meses um crescimento dos registros. Devido às férias escolares - quando a população aumenta - e ao verão, o primeiro semestre é o período com o maior registro da doença.
Os médicos ainda não conseguiram definir o motivo da escalada, mas há pelo menos duas hipóteses: aumento da densidade do vetor de transmissão (mosquito anopheles) por conta da urbanização de áreas verdes e aquecimento global ou a melhora no diagnóstico.
Os sintomas da malária fluminense são mais fracos que na Amazônia ou na África. A Secretaria de Saúde não registrou nenhuma morte neste ano. "São casos transmitidos pelo plasmodium vivax, com um quadro clínico bem brando", disse o superintendente estadual de Vigilância Epidemiológica e Ambiental, Alexandre Chieppe.
O plasmodium falciparum é o parasita que transmite a variedade mais perigosa da malária, mas não foi registrado neste ano no Rio. O Brasil já viveu uma epidemia de malária em todo o território nacional, que foi interrompida nas áreas urbanas na primeira metade do século 20.
Segundo José Cerbino, infectologista do Instituto Nacional de Infectologia, "a baixa quantidade de plasmodium identificado no paciente também dificulta o diagnóstico. O primeiro motivo é por estar fora da área de transmissão, como a [área] amazônica, e mesmo quando pensamos em malária, os testes mostram poucos parasitas [no sangue]".