Nos últimos anos, o Produto Interno Bruto (PIB) não apenas cresceu pouco, mas cresceu de um jeito "ruim". Entre os anos de 2005 e 2006, quando um conjunto de preços na economia estava no lugar e o mundo ajudava com crescimento e demanda por commodities, os seis setores de maior produtividade da economia brasileira ganharam participação na composição do PIB em relação ao começo daquela década. A participação desse grupo no valor adicionado da economia brasileira passou de 27,6% no período 2000-2001, para 30,3%, enquanto segmentos menos produtivos perderam espaço.

A crise mundial e as políticas econômicas adotadas internamente impediram que segmentos mais eficientes mantivessem o lugar ocupado, e seu peso recuou para 27,3% entre 2010 e 2011, enquanto os setores de baixa produtividade - como comércio, alimentação e serviços pessoais - voltaram a responder por um terço da composição do PIB brasileiro, segundo estudo de Nelson Marconi, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV).

 

Para Marconi, o Brasil não está passando apenas por um processo de desindustrialização. O que ocorre no país vai além e pode ser classificado de "regressão produtiva". Há um duplo movimento por trás dessa regressão: perda de espaço da indústria é mais forte nos setores tecnológicos, enquanto os segmentos de serviços que mais crescem são os mais tradicionais e menos modernos. "Crescemos pouco e crescemos nos setores de baixa produtividade e que pagam menores salários", resume Marconi, cujo trabalho é um dos integrantes do livro "Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil", produzido pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, que reúne mais de 30 artigos e tem entre seus organizadores o atual ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e será lançado em abril.

Para Marconi, o modelo baseado na expansão do consumo levou o Brasil a essa situação. Esse modelo, diz, foi ancorado no aumento dos salários acima da produtividade, na valorização do câmbio, na expansão do crédito e na ampliação do gasto público. "A premissa é que a expansão do consumo levaria a uma expansão dos investimentos e assim o crescimento se tornaria sustentável", pondera Marconi. Isso, diz ele, foi "verdadeiro" até a crise externa, mas começou a sofrer um pouco antes.

A partir de 2007/2008, uma das premissas do modelo já se mostrava frágil, pois a expansão da demanda passou a ser atendida pelos importados (favorecidos pelo câmbio valorizado). A concorrência levou o produtor nacional a comprimir margens e ficar sem fôlego para investir. Além de favorecer o consumo importado, o modelo favoreceu o setor de serviços.

Marconi trabalhou com os dados detalhados do PIB, que permitem identificar o peso de cada setor e subsetor na composição do crescimento da economia, o chamado valor adicionado. E ele fez os cálculos a partir de uma metodologia que considera o valor adicionado por trabalhador. Para essa série ainda não existem os dados de 2012 em diante. Na próxima sexta-feira, o IBGE divulga a nova série do PIB para 2012 e 2013 e o dado de 2014, mas Marconi não vê sinais de reversão desse "crescimento pobre". Pelo contrário. Com base nos dados de emprego, ele acredita que os setores menos produtivos continuaram avançando mais.

Em sua análise, a desindustrialização brasileira começou na década de 80, mas se acentuou nos anos 2000. Ele lembra que nos países desenvolvidos (e seu estudo mostra essa evolução), a diminuição da participação relativa da manufatura no valor adicionado ocorreu quando a renda per capital se situava entre US$ 10 mil e US$ 15 mil. No caso do Brasil e outros países da América Latina, ela veio antes, com renda menor. No caso brasileiro, os dados apontam que a reversão começou em meados da década de 70 com uma renda per capita próxima a US$ 7,5 mil.

Para reverter o modelo que levou a essa situação, diz, é preciso mais que a desvalorização do real. Além desse elemento (importante para devolver rentabilidade ao exportador), ele vê outros sinais corretos de reversão da política anterior, como reajustes salariais mais contidos e política de crédito mais restritiva. O problema, diz, é que a mudança passa pela retomada do investimento, cujo cenário não é promissor. Essa retomada dependerá "da demanda externa ou de novas concessões de infraestrutura", pois para abastecer o mercado interno há capacidade ociosa.

Sair da armadilha atual, reforça, requer mudar a estrutura produtiva no sentido de maior sofisticação, com aumento da participação dos setores de média-alta e alta tecnologia e dos serviços mais modernos, caminho que passa pelo aumento da produtividade.

Nos países desenvolvidos, pondera, o setor de serviços foi capaz de ocupar o espaço da manufatura como protagonista do crescimento. Mas os segmentos de serviços que cresceram nesses países foram design, marketing, software e logística, intrinsicamente ligados à indústria. No Brasil, isso ainda não acontece - nem vai acontecer tão cedo, avalia Marconi - porque os serviços que crescem não são os que agregam valor à produção.

 

Sem alta dos administrados, IPCA estaria perto de 6%

 

Os preços administrados, principalmente o expressivo aumento da tarifa de energia elétrica no primeiro trimestre deste ano, devem responder por pouco mais de um terço da inflação de 8% projetada para 2015. Sem aumentos na mesma magnitude esperados para o ano que vem, economistas ouvidos pelo Valor avaliam que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pode ter forte desaceleração em 2016, para algo em torno de 5,5%.

É uma redução bastante significativa, mas trazer a inflação para 4,5% - centro da meta perseguida pelo Banco Central - exigiria política fiscal e monetária mais contracionistas, em um momento de atividade econômica já bastante fraca. Para analistas, há fatores relevantes que vão impedir convergência mais rápida do IPCA para 4,5% no ano que vem, como a elevada inércia deixada pelo choque de 2015, as expectativas desancoradas e alguma desvalorização adicional da taxa de câmbio, mesmo que menor do que neste ano.

 

 

Nos cálculos da Tendências Consultoria, o aumento de 14,2% de preços monitorados por contratos, como energia elétrica e transporte público, vão adicionar 3,4 pontos percentuais à inflação de 2015 - pouco menos da metade da alta de 7,9% projetada para este ano, comenta a economista Alessandra Ribeiro. Se esse conjunto de itens subisse em torno de 5% neste ano, mais em linha com o comportamento histórico, a inflação de 2015 provavelmente ficaria dentro do intervalo permitido pelo regime de metas, em cerca de 6%.

Para Alessandra, o cenário para os preços monitorados será mais favorável em 2016, ainda que permaneçam algumas pressões. A tarifa de energia elétrica residencial, por exemplo, deve passar de alta de 68,4% em 2015 para um aumento de 5,9% no ano que vem. Ainda que a variação seja expressivamente mais baixa, comenta Alessandra, a tarifa seguirá pressionada pela utilização das usinas térmicas, com manutenção da bandeira vermelha na conta de luz.

O cálculo da Tendências também contempla um reajuste de 7,2% de ônibus urbano - ainda que mais baixo do que o aumento estimado de 12,3% em 2015 - e alta de 2,6% do preço da gasolina. "Dificilmente haverá espaço para Petrobras reduzir preço na refinaria e o ministro da Fazenda continuará na berlinda para entregar meta de superávit primário, então estimamos alta adicional da Cide sobre combustíveis em 2016".

Por outro lado, diz a economista, com recessão e mercado de trabalho mais fraco, os preços livres devem desacelerar ao longo deste e do próximo ano, de 6,7% em 2014 para 6% em 2015 e 5,5% em 2016. Um movimento mais forte, diz, é pouco provável porque a inércia deixada pelo choque inflacionário desse ano será relevante. A desancoragem das expectativas também não contribui para reduzir a pressão sobre o IPCA, diz.

Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, avalia que sem os efeitos diretos e indiretos do tarifaço e da desvalorização cambial desse ano, a inflação poderia estar mais próxima de 5%. "Estamos cada vez mais confiantes em um cenário de inflação de 5% em 2016", diz o economista, que projeta IPCA de 5,3% ano que vem e de 8,1% em 2015. "Claro que para isso acontecer a taxa de câmbio precisa se estabilizar" diz.

Emerson Marçal, Coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada (Cemap) da Fundação Getulio Vargas (FGV), traça um cenário menos positivo. Em sua avaliação, a atividade econômica mais fraca pode contribuir para que os preços de serviços tenham variação mais modesta no próximo ano, mas essa descompressão pode ser menos intensa do que o esperado com a alta de custos neste trimestre, em função dos aumentos de luz e água. O Goldman Sachs estima que uma alta de 1% dos preços administrados tem impacto de 0,36 ponto nos preços livres no longo prazo.

No caso dos bens comercializáveis, mas sensíveis às oscilações cambiais, a desvalorização recente da moeda deve impedir descompressão mais forte no ano que vem. "Para a inflação convergir para o centro da meta, precisamos ter alguns preços com variação até inferior a 4,5% no ano que vem, e este não parece o cenário mais provável", diz Marçal.

O coordenador do Cemap estima que o IPCA deve ficar entre 8% e 8,5% em 2015 e cair para algo como 6,5% em 2016. Uma conjuntura muito favorável, com estabilidade do real em relação ao dólar no nível atual e queda mais acentuada do preço de serviços, além da ausência de choques de oferta de alimentos, podem trazer esse número para perto de 5,5%, em sua avaliação. "Mas para chegar na meta, tem que ter política monetária muito agressiva, e com cenário político atual e PIB em queda, seria uma combinação meio explosiva", avalia o economista.

Cristiano Oliveira, do Banco Fibra, avalia que justamente a fraqueza da economia - e a rápida deterioração do mercado de trabalho - podem acelerar o processo de desinflação em 2016, mas o cenário ainda é incerto. Por enquanto, o economista estima alta de 5,4% dos preços no ano que vem.