O Produto Interno Bruto (PIB) per capita caiu 0,7% em 2014, o que significa que a população ficou mais pobre em reais, descontada a inflação, algo que não ocorria desde 2009. Consideradas as revisões feitas nas contas nacionais sob nova metodologia, no entanto, os "ganhos de bem-estar da sociedade" (que é a forma como o PIB per capita é encarado por especialistas) no governo de Dilma Rousseff ficam acima dos ganhos obtidos nos dois períodos governados por Fernando Henrique Cardoso (FHC), igualando-se aos ganhos auferidos nos anos Collor e Itamar.

As expectativas para o próximo mandato de Dilma, no entanto, não são positivas. Jorge Arbache, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), já previa um PIB per capita negativo em 2014 e avalia que novas quedas virão até 2018 ou 2019. "Não é necessariamente porque a presidente será a Dilma até lá. É uma questão de estrutura da economia", diz. Para ele, a queda esperada para o PIB per capita nos próximos anos responde ao desempenho ruim principalmente do saldo em conta corrente, da poupança doméstica e da inflação - indicadores que historicamente antecipam os longos ciclos de aceleração (ou queda) da economia brasileira.

 

Desde a redemocratização, o destaque fica para o governo Lula 2. Comparando as taxas de crescimento médio do PIB per capita em cada um dos governos com o avanço per capita mundial correspondente, Lula 2 cresceu 3,5%, ou 1,2 ponto acima do mundo. Para Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, os números devem ser vistos com parcimônia.

Enquanto no primeiro mandato de Lula o crescimento do mundo estava assentado em várias bolhas nas economias centrais, no Lula 2 foi a "bolha" brasileira, diz Borges, turbinada pela "montanha" de medidas anticíclicas colocadas em prática a partir de 2009 que inflou o resultado. "Tanto é que parte relevante da desaceleração vista no período de Dilma I pode ser creditada a um estouro dessa bolha, ou como uma espécie de herança maldita", afirma Borges.

Embora o mais usual na comparação entre governos seja olhar para o crescimento médio do PIB, analistas avaliam que olhar para o PIB per capita seria a mais correto para períodos mais longos, na medida em que quanto maior o crescimento populacional, mais fácil seria crescer - por conta da oferta mais abundante de mão-de-obra. O PIB per capita seria também uma medida mais próxima dos ganhos de bem-estar da sociedade, já que é usado no cálculo, por exemplo, do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), junto com a escolaridade e a expectativa de vida.

Para Arbache, o PIB per capita é o que de fato se tem em termos de possibilidade de riqueza e recursos na economia. "Se um PIB sobe 3% e a população cresce 6%, na verdade esse povo ficou mais pobre, independentemente de o país ter crescido", diz. Ele lembra que o crescimento da população desacelera rápido, o que é positivo porque não exige PIBs tão elevados para melhorar a capacidade de renda das pessoas. Ao mesmo tempo, pode ter impactos negativos em um país que ainda conta com baixa produtividade e renda média.

 

Aumento da renda individual ficará para depois de 2018, diz especialista

 

A leve alta do Produto Interno Bruto (PIB) de 2014 foi puxada por consumo, setor incapaz de bancar o dinamismo da economia, cujos ciclos de longo prazo respondem ao desempenho de outros indicadores, como o saldo em conta corrente, poupança doméstica e inflação. Por isso, diz Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB), a queda do PIB per capita em 2014 abre um ciclo que deve durar pelo menos até 2018.

Embora o governo diga que a "arrumação da casa" vá criar previsibilidade, Arbache ressalta que o PIB potencial per capita não passa de 2,2% enquanto não aprendermos a dar conta de nossas vantagens comparativas. "As nossas reformas estão uma geração atrás. Competir com foco nos custos é competir com Quênia, Paquistão ou a parte pobre da China". A seguir trechos da entrevista.

Valor: A leve alta de 0,1% do PIB surpreendeu?

Jorge Arbache: Duas coisas me chamaram a atenção: parte dessa alta está associada à nova metodologia de cálculo do PIB e isso salta aos olhos; e o PIB per capita, que foi negativo. Logo, 2014 não foi um ano neutro do ponto de vista da economia, foi ruim, pois houve queda de fato da renda real.

Valor: Qual o motivo da queda?

Arbache: Espero queda do PIB per capita até 2018 ou 2019, mas isso não é porque a presidente será a Dilma até lá. É uma questão de estrutura da economia. Em minhas contas, o Brasil teria entrado num ciclo longo de desaceleração em 2008/2009 e somente sairá dele em 2018 ou 2019. Nossos ciclos de longas desacelerações tendem a durar de seis a nove anos e o que está por trás disso são as taxas de crescimento da conta corrente, da poupança doméstica e a variação da inflação. Quando a taxa de crescimento da poupança doméstica é negativa, isso sugere não só baixo dinamismo, mas implicação direta no custo de capital.

Valor: O que chamou a atenção nos números mais recentes?

Arbache: A alta de 0,1% foi puxada por consumo, que é 70% do PIB. Mas esse setor não é capaz de bancar o dinamismo da economia. É celebrar algo ruim. A produtividade da indústria está estagnada, mas a de serviços é pior. Mas os serviços são necessariamente tóxicos.

Valor: Por quê?

Arbache: É o caso americano. Lá, a parte de serviços que puxa o setor como um todo não são serviços de consumo final, são soluções para a indústria. Aqui, a maior parte é formada por serviços como cabeleireiro ou mecânico, pouco capitalizados e com falta de investimentos em tecnologia, inovação, marketing ou P&D.

Valor: Com a queda do consumo, chegamos ao fim de uma era?

Arbache: Sim e o que confirma isso é que a economia entrou em desaceleração desde 2011. Na verdade, a mudança de tendência ocorreu na virada de 2008 para 2009, mas isso só foi sentido mais para frente, porque o Lula inflou de forma artificial 2010. E essa dificuldade de a economia crescer de forma sustentada indica a coisa mais importante: há uma mudança do PIB potencial do Brasil.

Valor: Ele é menor?

Arbache: Nossa capacidade de crescer está diminuindo por conta da demografia, mas não só. O setor de serviços segura de forma estrutural essa capacidade. Não há na história experiência que indique que os serviços fizeram uma economia crescer de modo estrutural. Nas minhas contas, o PIB potencial per capita não passa de 2,2%.

Valor: Mais infraestrutura não pode mudar esse quadro?

Arbache: Sim e não. É claro que logística mais eficiente vai facilitar a vida das empresas. Mas a economia mundial funciona hoje cada vez menos na competição por custos e mais na diferenciação de produtos. As nossas reformas estão uma geração atrás. Competir com custos é competir com Quênia, Paquistão ou a parte pobre da China. Custos importam, mas isso não vai nos levar para o futuro.

Valor: E a retomada virá como?

Arbache: Historicamente, crescemos colocando mais gente para trabalhar e fazendo formação bruta de capital fixo. Mas as coisas mudaram: temos menos gente disponível e uma capacidade de investir de uma maneira 'impune' muito menor hoje. Não se pode fazer investimentos com crédito farto e imprimindo moeda como Juscelino ou os militares fizeram. Para crescer, teremos que aprender a dar conta das nossas vantagens comparativas, como agricultura, extração mineral e o pré-sal. Por que em vez de colocar a Petrobras para explorar 30% dos campos, não se coloca a empresa para focar no desenvolvimento de tecnologia? Não estou defendendo fechar mercado, mas explorar vantagens como negócios competitivos com a economia aberta.

Valor: O que esperar para 2015?

Arbache: O me preocupa é que estamos construindo uma estratégia para dar conta do curtíssimo prazo. O discurso do governo é que essa arrumação de casa vai criar condições de mais previsibilidade. Não tenho certeza disso, em especial olhando a economia mundial em que muitos países se tornaram alternativa ao Brasil. Teremos uma queda de PIB per capita maior do que tivemos em 2014, não tenho a menor dúvida. Uma queda de 1,1% ou 1,2%, o que implicaria dizer que teríamos baixa de cerca de 2% do PIB. Será o fundo do poço, voltando a zerar em 2018.

 

Consumo do governo cresce 1,3% e dá um 'empurrão' na expansão da economia

 

O consumo da administração pública ajudou a evitar uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, de acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2014, a demanda do governo aumentou 1,3%, mais do que o consumo das famílias, que cresceu 0,9% no período. Foi a primeira vez desde 2003 que a alta dos gastos do setor público ocorreu em velocidade superior ao das famílias, quando esse componente do PIB caiu 0,7% e a demanda da administração pública subiu 1,6%.

Olhando o PIB pela ótica da demanda, esse foi o componente com maior crescimento no ano passado, já que os investimentos caíram 4,4% e as exportações tiveram queda de 1,1% em 2014.

O custo dessa "ajuda", porém, foi significativo, comenta Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. O esforço fiscal do governo diminuiu consideravelmente entre 2013 e 2014, quando o resultado primário do setor público passou de um superávit de 1,9% do PIB para um déficit de 0,6%.

Os dados não são diretamente comparáveis, afirma Zeina, já que o investimento público, por exemplo, é contabilizado como formação de capital fixo, entre outras diferenças metodológicas. "A correlação não é perfeita, mas o sinal sim. A expansão fiscal foi muito forte, mesmo em ano eleitoral."

Do ponto de vista contábil, afirma Zeina, esse aumento de gastos pode até ter evitado a queda do PIB, mas, olhando os impactos macroeconômicos da deterioração fiscal, a impressão que fica é que o aumento do gasto do governo atrapalhou o crescimento do setor privado.

"A inflação ficou mais alta, os subsídios distorceram incentivos, a eficiência da economia piorou", diz Zeina, para quem desfazer essa política é uma tarefa difícil, já que mexe com grupos de interesse. Por isso, é possível que os benefícios do ajuste fiscal demorem a aparecer.

Para Francisco Lopreato, professor do Instituto de Economia da Unicamp, os sinais, por enquanto, são de que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, está fazendo um "ajuste pelo ajuste", o que torna difícil imaginar de onde virá o crescimento nos próximos anos.

"O ajuste fiscal deve levar o consumo do governo a cair e já temos sinais de que a renda do trabalho está desacelerando, o que sugere redução do consumo", diz Lopreato, para quem apostar nas exportações parece temerário, já que o ritmo de expansão da economia global segue limitado.

 

Investimento mostra queda inédita de seis trimestres

 

A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe em máquinas e construção civil) fechou 2014 com seis trimestres em terreno negativo. Ao recuar 0,4% de outubro a dezembro passado em relação aos três meses anteriores, feitos ajustes sazonais, o investimento seguiu a trajetória mais longa de contração desde o início da série histórica do PIB, iniciada em 1996. O cenário ruim do investimento, dizem economistas, poderá piorar em 2015, com os reflexos do ajuste fiscal e da Operação Lava-Jato.

No ano, o recuo da FBCF foi significativo: - 4,4%, com o investimento na economia representando 19,7% do PIB, patamar considerado baixo pelos economistas. Eles alertam que isso ocorreu mesmo após a revisão metodológica das Contas Nacionais, que, entre outros aspectos, adicionou aos investimentos os gastos com pesquisa e desenvolvimento e software.

 

 

A mudança no cálculo da FBCF explica a diferença do resultado observado no período em relação às estimativas dos economistas - que esperam queda maior, de cerca de 7% a 8% nos investimentos - mas não alterou a tendência de deterioração dos investimentos para 2015.

Os dados da FBCF de 2014 são considerados "bastante preocupantes" pelo ex-diretor de Política Monetária do BC Luís Eduardo Assis. "A queda da FBCF em 2014 sinaliza que 2015 vai ser um ano difícil, com retração de 1% a 1,5% do PIB, o que significaria o pior ano em 25 anos." Para Assis, os empresários só vão voltar a investir a partir do momento em que a economia esboçar alguma recuperação. "Não vão investir só porque existe uma perspectiva de melhoria da relação dívida/PIB", diz. Em um ambiente com queda do salário, do crédito, aumento da inadimplência e crise política, afirma, será "muito difícil recuperar investimentos".

Além disso, economistas ressaltam os problemas com a Operação Lava-Jato. "O investimento público é muito importante para o investimento da economia como um todo e não vejo a Petrobras como uma grande investidora em 2015. Se piorar a fatia da FBCF no PIB em 2015, não vou me surpreender", disse Antonio Carlos Porto Gonçalves, professor da FGV. Em 2014, a FBCF ficou em 19,7% do PIB.

Assis diz que a Petrobras se tornou o núcleo de "uma onda de inadimplência" na economia. "A Petrobras não tem pago uma série de obras que foram contratadas e em torno dela há essas empreiteiras com dificuldades, várias delas em processo de solicitação de recuperação judicial, que, por sua vez, também não pagam seus respectivos fornecedores. Existem setores, como construção naval, que têm enfrentado problemas sérios."

Margarida Gutierrez, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, concorda que a Lava-Jato e a crise política são elementos adicionais para a piora do cenário em 2015. Na sua opinião, se de um lado o ajuste pode ajudar a melhorar a confiança, por outro lado, a crise política tira a confiança, e isso pode não deixar a economia retomar nem mesmo em 2016.

A economista Silvia Matos, do Ibre-FGV, afirma que a tendência é que em 2015 a FBCF seja pior do que os -4,4% de 2014. Segundo estimativas preliminares, diz, a queda chegará a 7%. "A tendência é ser pior, a construção vai desabar e a indústria também. " Para Silvia, a trajetória no governo Dilma é "impressionante", "algo histórico", já que a taxa de investimento foi negativa em 10 dos 16 trimestres. "Isso coincide com a desaceleração da construção, que antes ajudou a melhorar o investimento, mas não salva mais a pátria. Passou o 'boom'. Se houvesse algum motor... Mas não vemos nada."

Margarida destaca outro dado preocupante. A relação poupança/PIB ficou em 15,8%, patamar considerado muito baixo. Margarida diz que essa taxa refere-se à poupança interna e a queda é "grave", porque é a "contraface do déficit externo". O déficit externo sobe porque o país está usando uma poupança que não é dele, mas do resto do mundo para se financiar, afirma. Segundo ela, como o uso da poupança externa é feito via endividamento em dólar, isso aumenta a vulnerabilidade externa.

Segundo os economistas, um alívio para os investimentos em 2015 está restrito a concessões de infraestrutura - se forem retomadas pelo governo - e ao setor industrial exportador em razão do impulso que a desvalorização do real poderá dar. Mas eles ressaltam dificuldades estruturais da indústria, de forma que o câmbio mais favorável não é condição suficiente para que ela consiga recuperar mercados externos.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Petrobras informou que está em dia com as suas obrigações contratuais, e que "os pagamentos dos compromissos reconhecidos com as contratadas são realizados de acordo com a legislação vigente e os prazos contratuais". Eventualmente, informou a estatal, empresas contratadas apresentam pleitos de pagamentos adicionais, que são submetidos à avaliação. Mas destacou que "eventuais pleitos não representam a existência de dívida por parte da Petrobras". (Colaboraram Arícia Martins, Vanessa Jurgenfeld, Robson Sales, Alessandra Saraiva e Cristian Klein)