Ano de eleição. Curando a ressaca da Copa do Mundo, o brasiliense esquece o futebol e volta os olhos para a política. Enquanto a população elege governador e presidente, os criminosos aproveitam a desatenção do poder público, engajado na campanha, para invadir área pública. O cenário é tão vantajoso para os grileiros que, de outubro do ano passado para cá, pelo menos 10 invasões foram identificadas pela Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis). Algumas nasceram por agora e outras tiveram as construções ilegais retomadas com toda a força. Para especialista, o cenário atual é irreversível. 

 

Não há um levantamento do número total de invasões no DF, segundo a Agefis, mas, desde o início do governo de Rodrigo Rollemberg (PSB), foram identificadas ocupações em todas as regiões administrativas. Elas começaram no fim do ano passado ou já em 2015 e estão instaladas em pontos públicos e de preservação ambiental. Algumas foram mapeadas pelo órgão como mais recentes (veja quadro), entre elas uma na DF-280, outras em São Sebastião, Sobradinho e Ceilândia. O Correio esteve em alguns desses endereços e flagrou o crescimento das construções irregulares. Em alguns lugares, há, inclusive, placas com telefones de grileiros que vendem os lotes (leia na página 20). 

 

A Agefis afirma que acompanha as ocupações ilegais. Faz visitas, fotos de satélite e mapeamento, garantindo que, “assim que constatada um nova invasão ou o aumento da antiga, ela seja o quanto antes demolida para que não venha a ter maior crescimento no local”. O novo governo garante que as ações não ficarão restritas às zonas mais pobres: está prevista, para dentro de dois meses, a derrubada de construções ilegais na orla do Lago Paranoá.

 

Na avaliação do professor Frederico Flósculo Pinheiro Barreto, do Departamento de Projeto, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), o fim das invasões no DF é praticamente impossível. “A história do DF, aos 55 anos, mostra claramente que o governo é um perdedor eterno. Até agora, todos mostraram que não têm condição, disciplina e competência para controlar o próprio território. Vamos perder a guerra até o dia que não teremos mais terra no DF”, critica. O professor acredita que a grilagem só vai acabar quando os governantes investirem menos na política de combate. “O controle do território sendo feito de forma policial está fadado ao fracasso. É preciso controlar por meio do trabalho agrícola e da preservação ambiental, com crescimento controlado.”

 

Frederico Flósculo lembra que o início das invasões e das grilagens ocorreu com a criação da cidade e nunca foi combatido de forma eficiente. “Nem o Exército Brasileiro conseguiu controlar as pessoas que queriam terra no DF. Nenhum governo teve o decoro e a seriedade de enfrentar o problema. Todo dia perdemos um pedaço do território”, critica. Além das invasões em locais que deveriam ser considerados de proteção ambiental, o especialista alerta para o lucro ilegal dos grileiros. “É um grupo que se aproveita da liberdade democrática. O negócio mais lucrativo no DF se chama grilagem de terras. Se pegar condomínios irregulares e calcular a renúncia fiscal representada pela ausência de projeto e de escritura, são mais de R$ 3 bilhões.”

 

Liderança

Uma das mais recentes ocupações reúne cerca de 10 mil famílias. Fica entre Recanto das Emas e Santo Antônio do Descoberto (GO) e começou no início do mês. É ocupada por moradores do DF e de Goiás e liderada por integrantes da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), encabeçada por José Rainha Júnior, que promete assentar 100 mil em todo o DF. Rainha encabeçou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por vários anos. 

 

Na semana passada, o Correio publicou que, quando surgiu a ocupação Nova Jerusalém, o major Carlone Batista, atual subcomandante do 11º Batalhão da PM, era gerente de condomínio na Administração de Ceilândia. Aos que queriam um lote no local, eram cobrados R$ 3 mil iniciais e, caso as construções não fossem derrubadas, os compradores pagariam R$ 20 mil parcelados. O policial é mencionado em uma investigação da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública (Decap), que apura as invasões na cidade. Ele negou envolvimento com grilagem e disse que foi um dos maiores combatentes das invasões.