Em mais uma tentativa de apaziguar as críticas da população ao governo, com cobranças de mais ética na política, a presidente Dilma Rousseff apresenta hoje no Palácio do Planalto o pacote anticorrupção prometido há seis meses, durante a campanha eleitoral, e que até agora não havia saído do papel. Muitas dessas propostas, como a que transforma em crime a prática de caixa dois — hoje é tipificado apenas como contravenção —, já tramitam no Congresso, mas estão emperradas nas diversas comissões legislativas.
Além da tipificação de caixa dois como crime — se isso estivesse valendo há mais tempo derrubaria o argumento de defesa dos condenados no processo do mensalão —, no pacote anticorrupção do governo deve constar mais celeridade para julgar os processos de pessoas com foro privilegiado; punição a agentes públicos por enriquecimento incompatível com os próprios ganhos e perda de bens adquiridos por meio de atividade ilícita.
Para tentar resolver outro problema do governo — a truncada comunicação com o Congresso, onde tramitarão as propostas —, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi escalado para apresentar, em primeira mão, as linhas gerais do pacote anticorrupção a deputados e senadores. O ministro da Justiça prometeu buscar também um entendimento com a oposição para assegurar a votação do projeto. “Neste momento, é muito importante que façamos o diálogo com as forças políticas do Congresso Nacional, sejam elas governistas, sejam oposicionistas, e com as forças vivas da sociedade”, defendeu o ministro.
Renan, que há três semanas tem reclamado das dificuldades do Planalto em se comunicar, enalteceu a atitude do ministro da Justiça. “Você não deve recusar o diálogo”, afirmou ele, acrescentando que, após as manifestações de junho de 2013, o Congresso aprovou várias medidas anticorrupção.
Antes de Cardozo ir ao Congresso, a presidente Dilma Rousseff esteve reunida com o presidente nacional da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho. A entidade também defende a criminalização do caixa dois, o pagamento de contas públicas em ordem cronológica e a fixação de teto para gastos públicos. “Temos que ter limite para gastos eleitorais. Campanhas milionárias, hollywoodianas, não contribuem para o aperfeiçoamento da democracia. (Tem que) reduzir custos, pensar num sistema que não gere milhares de candidatos, milhões de despesas que serão depois fruto de uma devolução por desvios de condutas impróprias”, disse.
Avaliação
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, o pacote não atende às demandas das ruas. “O governo pensa que está respondendo às manifestações, mas isso é só uma parte do problema. Se por um lado é positivo o endurecimento da legislação, a resposta está muito centrada em um só ponto”, afirma o cientista político João Paulo Peixoto. Ele defende uma mudança mais ampla, com reformas estruturais das instituições e da economia. Segundo o especialista, a discussão da reforma política que tramita na Câmara é essencial, mas não deve se restringir ao financiamento público de campanhas, uma das bandeiras do PT.
Para o cientista político Paulo Kramer, a postura é similar à adotada em junho de 2013, quando a presidente propôs uma consulta popular para uma reforma política, o que acabou vetada pelo Congresso. “Esse pacote é claramente mais uma tentativa de jogar areia nos olhos da população, que está indignada com a corrupção e com o estado lastimável da economia”, afirma. “O governo perdeu completamente a credibilidade”, completa.
Há o risco ainda de as mudanças não serem cumpridas, mesmo após passarem pelo Legislativo. “(Tem que ver) se na hora da regulamentação não vão abrir brechas”, alerta Peixoto. Kramer cita como exemplo a Lei Anticorrupção Empresarial, em vigor desde janeiro de 2014, mas com poucos resultados efetivos. A norma prevê que empresas respondam civil e administrativamente quando seus empregados forem acusados de envolvimento com a corrupção, fraude em licitações ou de dificultar investigações.
Enquanto o governo encaminha ao Congresso o pacote anticorrupção, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, assegura que não existem razões para o afastamento do tesoureiro do partido, João Vaccari Neto, denunciado pelo Ministério Público Federalpor envolvimento na Operação Lava-Jato. “Não existem provas do envolvimento dele ou razões para que ele seja afastado das funções”, disse Falcão.
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Trocas no primeiro escalão
Durante jantar no Palácio da Alvorada, na noite de segundafeira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou à presidente Dilma Rousseff de que ela precisa dar mais espaço para o PMDB no núcleo decisório do governo. Menos de 12 horas depois, o vice-presidente Michel Temer conduzia uma reunião, ao lado do chefe da Casa Civil, Aloízio Mercadante, com líderes da base aliada, para discutir o ajuste fiscal, o pacote anticorrupção e a reforma política.
Lula e alguns aliados diagnosticaram a Dilma que o modelo pensado por ela para o ministério, escolhendo nomes considerados politicamente fortes para dialogar com os partidos, falhou. “Dilma tem que fazer uma mudança profunda neste ministério”, defendeu um petista graduado.
Vários nomes do primeiro escalão caíram em desgraça. O chefe da Casa Civil, Aloízio Mercadante, foi alijado da articulação política após as sucessivas derrotas e os equívocos cometidos pelo governo. Não concede sequer entrevistas para avaliar as manifestações contra o governo. “Enquanto isso, o JaquesWagner, que é muito mais habilidoso, está esquecido no Ministério da Defesa cuidando de submarinos nucleares”, ironizou outro petista.
Outro que perdeu prestígio é o ministro da Educação, Cid Gomes. Além dos descompassos na pasta, ele terá uma tarde difícil hoje na Câmara, onde precisará explicar quem são os “300 ou 400 achacadores” do governo. Ele recebeu instruções do Planalto para se retratar. Mas também foi avisado: “Você vai sangrar naquele plenário”.
Livre da lista do procurador da República, Rodrigo Janot, o ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves deve ser incluído no primeiro escalão. Setores do PMDB defendem que ele substitua Pepe Vargas na Secretaria de Relações Institucionais (SRI) — vaga que também poderia ser ocupada pelo atual ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha. Mas Henrique tem sinalizado que gostaria de ir para a Integração Nacional, já que o PP de Gilberto Occhi está desgastado graças à Operação Lava-Jato.
Caso Alves vá para o Ministério do Turismo, o atual titular Vinicius Lages, apadrinhado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), poderia ser deslocado para a secretaria executiva do Ministério da Agricultura. “Ele é novo, tem uma longa carreira política pela frente, não seria um rebaixamento”, defendeu um interlocutor palaciano.