Como já é evidente, a desorganização da economia nos últimos quarto anos é responsável pela drástica queda do crescimento, pela alta da inflação e pela crise em alguns dos principais setores industriais. Para tentar controlar os prejuízos para o País a presidente Dilma Rousseff, numa manobra tática pensando no futuro do PT em 2018, e sem alternativa, decidiu recorrer a um economista ortodoxo, que está aplicando de forma mais radical políticas que a oposição propôs durante a campanha eleitoral, e com isso recuperar a estabilidade econômica nos próximos anos.

No discurso de posse no Ministério da Fazenda, Joaquim Levy fez abertas críticas ao patrimonialismo de Estado, indicando a intenção de acabar com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal (CEF) a empresas estatais com problemas e a empresas privadas próximas do governo. Nas primeiras manifestações públicas, o novo ministro da economia deixou claro que, entre outras medidas, um forte ajuste fiscal deveria ser feito para reduzir os gastos públicos e para pôr fim à permanente presença dos bancos públicos em suporte aos grandes projetos de infraestrutura do governo, com problemas de gestão e com despesas desproporcionais, inclusive algumas suspeitas de "malfeitos", no dizer presidencial.

O dano sistêmico, consequência das necessárias medidas de ajuste, combinado com a crise financeira da Petrobrás, derivada da má gestão e da corrupção desenfreada, está chegando com grande força aos setores de infraestrutura, indústria automobilística, petróleo e gás e defesa, contagiando a economia como um todo.

Na área de óleo e gás, as consequências em cadeia são maiores pelo peso da Petrobrás na economia e pelo efeito multiplicador em outros setores. A empresa representa cerca de 2% do produto interno bruto (PIB) e 10% do investimento total. O corte de quase 30% do orçamento de US$ 220 bilhões no período 2014-2018, pelas restrições de crédito, poderá implicar uma queda de 15% nos investimentos em infraestrutura no País e já está tendo forte impacto econômico, social e político. A suspensão de projetos, que representam 2,3% do PIB, vai afetar um terço dos investimentos da indústria, incluída a naval. O não pagamento de contratos em andamento - muitos sendo renegociados - e a suspensão de obras estão gerando desemprego em massa e problemas de sobrevivência de muitas empresas em toda a cadeia produtiva.

A Petrobrás é a empresa privada mais endividada no mundo, mais de R$ 330 bilhões, sendo os bancos brasileiros credores de R$ 31 bilhões. As metas de produção de petróleo nos próximos anos, a exploração do pré-sal e o regime de exploração (partilha) estão ameaçadas. O impacto sistêmico poderá acarretar uma queda de 1,5% no PIB, segundo cálculos feitos por consultorias nacionais. Tudo isso sem falar nos prejuízos para a empresa com as multas que certamente a SEC americana (Securities and Exchange Commission) vai impor e os efeitos da suspensão do investment grade e com linhas de crédito mais caras e difíceis, além das demandas de indenizações feitas por escritórios de advocacia representando milhares de acionistas da companhia.

Na infraestrutura, as empresas construtoras envolvidas na Operação Lava Jato estão com crescentes problemas de liquidez e foram responsáveis por 10% do desemprego em janeiro. A paralisação de obras públicas contratadas e o não pagamento pelo governo já provocaram demissões em massa. Segundo estimativas de especialistas, dezenas de milhares de empregos foram perdidos e outro tanto ocorrerá no corrente ano na área de construção pesada - 5% da população está ligada direta ou indiretamente a esses projetos. A isso se acrescentem os reflexos no mercado financeiro. Como não conseguem rolar suas dívidas e com problemas de liquidez, as empresas estão demitindo e começam a suspender ou mesmo a devolver as obras por causa do não pagamento pelo governo. Estima-se que as dez maiores empresas construtoras tenham pelo menos R$ 130 bilhões de dívidas no mercado financeiro e de capitais.

No setor automotriz, a forte queda das vendas no mercado interno (27%) e a redução das exportações para a Argentina fizeram as montadoras sofrer um aperto financeiro e demitir 12.400 trabalhadores em 2014, além de gerar prejuízos e problemas em toda a cadeia produtiva. Com a indústria em queda as demissões devem aumentar, como já está ocorrendo nas fábricas de caminhões. Com projeções de queda entre 5% e 10% no mercado de veículos, pela restrição de crédito, maior endividamento das famílias, com a taxa de juros e inflação mais elevadas, a turbulência no setor deverá estender-se até 2016.

Na área de defesa, a paralisação de projetos que envolvem a indústria nacional está provocando prejuízos e demissões. A Avibrás, com uma carteira de encomendas de US$ 2,4 bilhões, não tem recursos para comprar matéria-prima e sem aumentar seu limite de endividamento no Banco do Brasil se verá em sérias dificuldades. A Helibras anunciou um plano de demissão voluntária e a Embraer teve prejuízo porque seu cash flow ficou afetado por compromissos que o governo não honrou. Os principais programas estratégicos foram incluídos no PAC, o que não impediu que os pagamentos da Base Industrial de Defesa tenham sido suspensos. O cancelamento do PAC agrava ainda mais o problema.

O duro programa de ajuste é essencial para reorganizar e estabilizar a economia e deve ser apoiado. O custo, contudo, não deve recair apenas sobre a sociedade. Deve ser compartilhado pelo governo com a redução significativa dos gastos públicos. Nesse contexto, é muito importante não se perder a dimensão do crescimento econômico. O risco que corremos hoje é de a dose para combater a doença matar o paciente.