Não há mais o que fazer para salvar a economia brasileira em 2015. Este ano ficará marcado por ter acabado muito antes da hora. A folhinha do calendário ainda está em março, mas os temores acumulados ao longo de 2014 já se confirmaram. Bastaram os três primeiros meses para os brasileiros constatarem que não escaparão de vasta lista de desalentos: terão de conviver com um cenário de inflação subindo, juros altos, crédito caro e emprego ameaçado.

A presidente Dilma Rousseff (PT), reeleita em outubro do ano passado com um discurso contrário às medidas que agora tenta implementar, insiste em assegurar que a economia se sustenta em “fundamentos sólidos”. Sem assumir erros, diz que o momento de dificuldade é “passageiro e conjuntural”, passível de ser superado a curto prazo. Todos os indicadores econômicos divulgados no primeiro trimestre mostram exatamente o contrário.

As projeções são muitas — e cada vez piores para este ano —, mas ninguém arrisca dizer até quando vai perdurar a atual crise, marcada por uma profunda desconfiança no governo. Economistas e representantes do setor produtivo passaram 2014 antecipando os fatos de agora. A confirmação das previsões econômicas negativas, antes subestimadas e desprezadas pela equipe de Dilma, contribuiu para que a presidente, uma vez reeleita, tivesse a mais rápida queda de popularidade da história.

Não bastasse o desastre na área econômica, os embates políticos logo no início do segundo mandato da petista e os desdobramentos do escândalo de corrupção na Petrobras — longe de estar totalmente desvendado — azedam ainda mais 2015. Dezembro vai chegar sem grandes investimentos realizados pelo governo ou pela iniciativa privada. As crises hídrica e energética são entraves à parte, que ajudam a manter a economia estagnada.

Aperto

O propósito do arrocho fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é criar condições para que o país retome o crescimento. Mas, de imediato, as medidas vão tirar o fôlego que resta das famílias e dos investidores. Para o segundo semestre, o governo ensaia retomar o programa de concessões de portos, rodovias e aeroportos. O setor privado não se anima. Falta, de novo, confiança e a percepção clara quanto às regras do jogo, para garantir o mínimo de segurança jurídica aos projetos.

Os brasileiros terão pela frente mais três trimestres de muito aperto. A inflação oficial deve superar os 8% em 2015. Há quem projete um alta de preços em torno de 9%, o dobro da meta estipulada pelo governo, de 4,5%. Ao longo do ano, só o aumento médio da energia elétrica pode chegar aos 50%. A recessão já chegou aos lares brasileiros. “2015 é um ano para bravos e fortes”, resume o presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Honório Pinheiro.

Com a desconfiança espalhada pelos setores produtivos, 2015 virou um ano para suportar e, ao mesmo tempo, torcer para que o pior passe o quanto antes. Quando sustenta que no ano que vem a inflação convergirá para o centro da meta, o Banco Central (BC) não convence analistas, muito menos os brasileiros que têm ido ao supermercado. “É um discurso mal percebido, porque fica claro que se trata de uma torcida”, diz a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif.

A conjunção de fatores é bastante desfavorável, formando um ciclo vicioso e de difícil saída. Endividados e se deparando com os juros altos e o crédito caro e escasso, consumidores não compram. O modelo baseado só no consumo se esgotou de vez. Lojistas, com estoques abarrotados, não vendem. A indústria produz menos, para de investir e demite. “Não vai adiantar tapar o sol com peneira. O ano já acabou”, afirma o economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Fábio Bentes.

Cicatrizes

Há um consenso de que o Produto Interno Bruto (PIB) cairá em 2015, ou seja, a economia brasileira vai encolher. Resta saber quanto. O mercado, na última semana, esperava recuo de 0,83%. O Banco Central aposta em retração de 0,5%. A esta altura, o esforço (e a torcida) é para que o tombo seja o menor possível, abrindo caminho para uma retomada que deixe cicatrizes mínimas. A indústria, por exemplo, terá de desovar os altos estoques antes de voltar a respirar.

Enquanto o BC e o governo tentam unificar o discurso de que 2015 é um ano de “ajustes importantes e necessários”, os indicadores deixam claro que as dificuldades de agora nada mais são do que reflexo de uma política econômica equivocada, no entender do economista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno. “Tudo o que foi represado nos últimos anos estourou. Estamos tendo de pagar a conta dos erros de um passado recente: essa é a grande questão”, sublinha.

O cenário recessivo representa o caminho natural de um país que acumula baixo crescimento e inflação alta. O agravante de 2015 será o mercado de trabalho entrando em uma fase de deterioração, como confirmam os dados de emprego e desemprego no país. “A situação política nebulosa aumenta ainda mais a insegurança, o que refreia investimentos e contratações”, reforça o professor de finanças do Ibmec Marcos Melo, sócio da Valorum Gestão Empresarial.

O desarranjo das contas públicas potencializa o clima de fim de festa ainda no primeiro trimestre. A dívida bruta do governo atingiu nível de nação em crise e a conta de juros do setor público bateu recorde. “O ambiente para negócios está péssimo, e não conseguimos ver melhora. Há um desconforto generalizado. Infelizmente, 2015 não tem mais jeito”, resume o presidente da Federação das Indústria de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf.

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Nova derrota no horizonte

Palácio do Planalto tem dois dias para evitar a aprovação do projeto que obriga o governo federal a redefinir a dívida de estados e municípios com a União e tem impacto anual de R$ 1 bilhão. Medida é

PAULO DE TARSO LYRA e AMANDA ALMEIDA

Depois do ultimato dado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), durante conversa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em São Paulo, o Planalto correu para tentar acalmar o peemedebista e reabrir as negociações em torno da mudança no indexador da dívida de estados e municípios. “Eu vou colocar esse assunto na pauta na terça-feira, independente do resultado da audiência do Levy (Joaquim Levy) na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE)”, ameaçou Renan, na quinta. Na sexta, o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, enviou uma mensagem de que Levy terá uma conversa reservada com Renan no início desta semana.

O governo está com a corda na pescoço mas não tem conseguido livrar-se da pressão do PMDB para que este assunto seja resolvido. Para dificultar ainda mais as coisas, o presidente do Senado misturou o tema com as indefinições sobre o espaço da legenda na minirreforma ministerial (veja matéria ao lado).

Aprovado a toque de caixa na semana passada na Câmara, o projeto definindo que, em 30 dias, o governo precisa regulamentar a mudança no indexador das dívidas de estados e municípios, só não foi votado no Senado porque Renan resolveu atender aos apelos da equipe econômica. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy — que tem audiência marcada na terça de manhã na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado — pediu um tempo para apresentar um plano alternativo. Renan deu-lhe exatamente uma semana, prazo que se expira daqui a dois dias.

Renan tem interesse direto na troca do indexador, já que o governador de Alagoas, Renan Calheiros Filho, está asfixiado com uma dívida quase impagável. Não é só ele. Ciente de que o projeto interessa a todos, o presidente do Senado aproveitou uma passagem por São Paulo para um encontro com mulheres políticas para uma conversa a sós com Lula. O petista também tem um pupilo enforcado com uma dívida monstruosa — o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad — e tenta fazer o meio-de-campo para encontrar uma saída que seja boa para todos.

O Planalto corre contra o tempo. No mesmo dia em que Lula conversava com Renan, Levy tomava um café da manhã com líderes aliados e insistia na tese de que não há margem fiscal para promover, agora, um debate sobre a mudança do indexador das dívidas de IGPD-I para Selic. Terá, agora, de rever esta posição. A preocupação da equipe econômica é ter que incluir, como passivo, um montante que estava previsto para entrar nos cofres públicos e que supera os R$ 40 bilhões, se for levada em conta apenas a dívida da cidade de São Paulo. Anualmente, o impacto nas contas federais é de R$ 1 bilhão.

Na sexta-feira, a Justiça manteve a decisão favorável ao prefeito do Rio, Eduardo Paes, que apresentou uma ação exigindo que o governo federal cumpra a lei, aprovada no fim do ano passado. A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu da liminar obtida pelo prefeito carioca, mas a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região manteve o direito do prefeito de depositar apenas os R$ 29 milhões da parcela de março da dívida, já com o indexador corrigido.

Fernando Haddad, que também foi atropelado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) definindo que os precatórios municipais — R$ 20 bilhões — devem ser quitados até 2020, avisou que, se a dívida municipal retomar o padrão anterior, ele terá de paralisar uma série de obras na cidade, inclusive algumas selecionadas na carteira do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Provável adversária de Haddad na disputa pela prefeitura em 2016, a futura pessebista Marta Suplicy apareceu ontem, de surpresa, em um evento promovido pelo vereador Antonio Donato (PT) para espicaçar o governo federal. “O Congresso vai colocar em votação, nesta semana, o projeto que obriga o governo a mudar o indexador em 30 dias. E ele vai passar”, disse Marta, segundo relato dos presentes.