A forte alta do dólar ante o real já tem provocado alteração nas previsões para o crescimento econômico, taxa de juros e inflação. Nesta segunda-feira, 9, a moeda americana avançou 2,39% e encerrou a sessão cotada a R$ 3,123, nível mais alto desde 28 de junho de 2004. Em 2015, o dólar já acumula uma alta de 17,63%. A aceleração da moeda americana tem sido mais forte do que os analistas esperavam e pode ser explicada pelas incertezas econômicas e políticas do atual cenário.

Os especialistas têm tido dificuldade de prever qual será o caminho do dólar: há quatro semanas, a taxa de câmbio esperada pelos analistas consultados pelo Boletim Focus, do Banco Central, para o fim de 2015 era de R$ 2,80; no relatório divulgado hoje, a estimativa passou a R$ 2,95 para o mesmo período. O avanço da moeda americana provoca uma piora das previsões para a inflação, o que induz a esperar um aperto monetário um pouco mais intenso promovido pelo Banco Central, com impactos diretos sobre o Produto Interno Bruto (PIB). O economista Felipe Salles, do Itaú Unibanco, avalia que a variação cambial é um dos fatores que estimularam a instituição a revisar o cenário macroeconômico para 2015.

Os novos números devem ser divulgados até sexta-feira. Desde o início de fevereiro, o banco estimava que, este ano, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiria 7,4%, o PIB cairia 0,5% e o dólar atingiria R$ 2,90 em dezembro. Agora, Salles aponta que esses indicadores devem ter mudanças: a inflação deve subir, com uma retração maior da economia e um novo nível para a cotação da moeda americana ante a brasileira para o fim do ano. Nas contas da consultoria GO Associados, uma alta de 15% na cotação do dólar resulta num impacto em 12 meses de 0,95 ponto porcentual no IPCA.

“Se o câmbio continuar se depreciando, esse impacto na inflação vai ser maior. Ele tende a surgir lá na frente, em 2016, mas com efeitos s consideráveis na inflação deste ano”, afirma Alexandre Andrade, economista da GO Associados. A consultoria trabalha com uma projeção para o câmbio de R$ 2,80 e de 7,8% para o IPCA, mas, segundo Andrade, “se o dólar continuar subindo, a projeção para inflação pode subir também”.

O IPCA está bastante pressionado este ano por causa da recomposição dos preços administrados (combustível, energia elétrica e tarifas de transporte público). O avanço do dólar - se mantido - pode impactar os preços livres. A alta nos preços desse grupo pode ser atenuada dependendo do tamanho da contração da economia brasileira em 2015. “A tendência é que a taxa de câmbio, depreciando como está, impedirá que a taxa de inflação de preços livres caia muito, o que seria algo a se esperar no caso de uma recessão como teremos este ano”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

A consultoria estima um IPCA de 8% para 2015. $Juros$ O choque de câmbio é um elemento que leva especialistas a avaliar que o BC provavelmente vai ampliar a magnitude do ciclo de alta de juros iniciado em outubro. Na reunião realizada na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica de juro (Selic) em 0,5 ponto porcentual, para 12,75% ao ano. A equipe econômica tem sinalizado que deve intervir menos na cotação do câmbio. O BC mantém o programa de “ração diária” - oferta feita por meio de leilões de swap cambial, instrumentos que equivalem à venda futura de dólar -, mas decidiu diminuir o tamanho do programa desde do ano passado.

A economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, aguarda a divulgação da ata da reunião do Copom na quinta-feira, mas acredita que há boas chances de que sua previsão de alta da taxa básica de juros (Selic) de 13% para este ano subirá para 13,5%. “É preciso verificar como o Banco Central vai atuar em relação à variação do câmbio. Caso a taxa alcance um patamar entre R$ 3,20 e R$ 3,30, é viável esperar que a Selic suba para 14%”, disse Solange.

 

Governo parece ter firmado posição de deixar real depreciar

 

CENÁRIO: Fernando Dantas

 

 

Há poucos dias, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, deu declarações indicando que a equipe econômica enxerga com naturalidade o forte movimento recente de desvalorização do real. Já o Banco Central, desde a semana passada, deixou de rolar 100% dos swaps cambiais que vencem. Um experiente analista nota que esses sinais de que o governo está aceitando mais a alta do dólar foram mantidos mesmo em um momento de tensão nos mercados. Porque, ele lembra, desde que a nova equipe foi anunciada, algumas vezes aconteceram sinalizações de que a intervenção poderia diminuir - em declarações do presidente do BC, Alexandre Tombini, e do ministro da Fazenda, Joaquim Levy -, mas estas foram seguidas ou por retificações ou por novas colocações, no sentido contrário, por parte da equipe econômica.

 

Embora o grande teste seja o anúncio a ser feito sobre o futuro do programa de swaps cambiais, no fim de março, as indicações agora parecem pender fortemente na direção de um câmbio menos administrado. Uma possível explicação para isso, continua a fonte, é que, diante do aparentemente inexorável rompimento do teto de tolerância da meta de inflação (6,5%) em 2015, o governo simplesmente relaxou quanto ao IPCA deste ano. Nessa ótica, melhor que a inflação suba tudo o que puder em 2015, e o menos possível em 2016. Assim, segurar a depreciação agora poderia apenas postergá-la, distribuindo seus efeitos inflacionários mais na direção do próximo ano.

 

Uma outra discussão é sobre o desajuste de preços relativos no Brasil. Apesar da grande depreciação nominal desde 2011, a inflação dos bens não negociáveis internacionalmente (non tradables) ainda corre bem acima da inflação dos bens negociáveis (tradables), como observado pelo economista José Júlio Senna em entrevista publicada ontem pelo 'Estado'.

 

O governo, compartilhando a inquietação de muitos analistas, deve estar preocupado com o fato de a economia estar parada (este ano deve até recuar), com um déficit em conta corrente acima de 4% do PIB. É uma situação que poderia levar a uma parada súbita de financiamento externo, na qual o trauma em termos de depreciação, inflação, juros, desemprego e queda da renda poderia ser bem superior ao de um ajuste administrado. É evidente que segurar a depreciação cambial só aumenta esse risco.

 

O economista José Oreiro, da UFRJ, vê a depreciação como necessária e acha que ela ainda não chegou no ponto que restaura a competitividade industrial - a seu ver, entre R$ 3,20 e R$ 3,40. Além disso, Oreiro nota que depreciações puxadas pelo mercado tendem ao "overshooting", isto é, vão além do nível de equilíbrio antes de voltar. "Ainda tem muita desvalorização pela frente", diz. Para o economista, a melhor forma de minimizar o overshooting seria que o governo conseguisse mais rapidamente a aprovação das medidas fiscais no Congresso. "Algum tipo de entendimento entre a presidente e a liderança da Câmara de Deputados iria ajudar", disse.