As 16 primeiras transmissões de cargo dos ministros que compõem o primeiro escalão do segundo governo da presidente Dilma Rousseff (PT), ontem, foram marcadas por discursos que escancararam as disputas políticas por espaços no governo em detrimento de critérios técnicos. Ministros empossados assumiram seus postos ressaltando que só estavam lá a pedido de seus partidos, enquanto outros externavam o fato de não terem qualquer afinidade com as áreas que comandarão.

Ninguém expôs mais o caráter fisiológico das escolhas quanto o novo ministro do Esporte, George Hilton. Deputado federal de pouca expressão pelo PRB e pastor da Igreja Universal, Hilton nunca apresentou projeto ou fez discurso sobre esporte e deve sua indicação ao crescimento de seu partido, que saltou de 10 para 21 deputados. No discurso, admitiu o desconhecimento da área e defendeu o diálogo como caminho para uma boa gestão.

- Posso não entender profundamente de esporte, mas entendo de gente. Eu entendo de gente. Eu sei ouvir, sei dialogar, sei criar convergências entre opostos e usarei a capacidade de gestão política em favor do esporte brasileiro, com toda a minha energia - disse, indo ao fim do discurso para uma sala reservada, como forma de evitar entrevistas.

Em seu pronunciamento defendeu a ampliação do esporte na escola, mas falou pouco sobre as Olimpíadas de 2016, evento no qual terá atuação reduzida. Disse que as críticas recebidas até agora são um estímulo:

- As críticas não me abatem, pelo contrário, elas me impulsionam cada vez mais a desafiar a mim mesmo e tornar possível realizar proezas.

'O PMDB me proporcionou estar aqui'

Indicado pela cúpula do PP, um dos principais partidos implicados até agora no escândalo da Petrobras, o novo ministro da Integração Nacional, Gilberto Occhi, tomou posse agradecendo aos dirigentes da legenda pela indicação para ocupar a pasta. Ao lado do púlpito onde discursou, estavam nomes destacados pelo ministro, como o presidente a sigla, senador Ciro Nogueira (PI), o senador Benedito de Lira (PP-AL), o líder do PP na Câmara, Eduardo da Fonte (PP-PE), o ex-ministro das Cidades Agnaldo Ribeiro (PP-PB). Os dois primeiros estão entre os parlamentares que teriam sido citados pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa como beneficiários do esquema de pagamento de propinas a parlamentares aliados a partir de contratos da estatal.

- Quero agradecer, em seu nome, Ciro, a oportunidade e a confiança. Talvez a confiança que a presidente Dilma deposita no PP é decorrente de sua liderança na presidência junto com esses membros que estão ai do partido - discursou Occhi, que antes da Integração era o titular do Ministério das Cidades, também por indicação do PP.

O deputado federal peemedebista Edinho Araújo (PMDB-SP) assumiu ontem o cargo de ministro-chefe da Secretaria Especial dos Portos (SEP) saudando o seu partido e a coalizão que o levou a assumir o posto no Executivo. Em seu discurso na cerimônia de posse, o ministro afirmou que promoverá a continuidade do trabalho de seu antecessor, Cesar Borges. Ele fez uma enfática defesa de seu partido.

- Sou político e me honra muito quando me chamam e me apontam pelo fato de sê-lo. O PMDB me proporcionou estar aqui. Sem partidos fortes como o PMDB é, não existem candidatos, nem candidaturas, e muito menos deputados eleitos. Devo muito ao partido e suas principais lideranças - disse Araújo.

Ex-prefeito de Ananindeua, no Pará, e filho do senador Jader Barbalho, o novo ministro da Pesca, Hélder Barbalho, Formado em Administração, ele afirma que, sabendo gerir, conseguirá tocar o Ministério. Ele ressaltou ainda que "o Pará é a segunda província pesqueira do país".

- Tenho a convicção que ela (a presidente Dilma) compreendeu que poderia congregar tanto a qualificação técnica por conta da minha formação profissional, minha experiência administrativa, como também tem o apoio político do meu partido, afinal, o PMDB tem a vice-presidência da República - disse Hélder Barbalho, completando mais tarde.

Garibaldi: 'Fui abandonado pelo partido'

A exceção que melhor confirmou o peso da indicação política foi o senador Garibaldi Alves (PMDB-RN). Na cerimônia em que repassou o comando do Ministério da Previdência para o petista Carlos Gabas, justificou a saída pela falta de apoio de seu partido. Em tom de desabafo, lembrou que já se referiu ao Ministério como um abacaxi, mas que deixava a pasta chorando.

- Fui abandonado pelo meu partido que não quis mais o Ministério da Previdência. Gabas, o Ministério é todo seu - disse o ex-ministro.


O Globo

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Ministros de partidos aliados admitem inexperiência nas áreas que vão gerir

Em dia de cerimônias de posses, pelo menos três novos integrantes do primeiro escalão afirmam que vão tentar compensar a falta de experiência técnica com ‘capacidade de gestão’ administrativa O segundo governo da presidente Dilma Rousseff começou a se estruturar ontem, quando 14 novos ministros assumiram suas cadeiras na Esplanada dos Ministérios. A admissão da falta de experiência para os cargos - uma das críticas que os setores fazem a boa parte da nova equipe - marcou alguns discursos de posse. Foi o caso de titulares de pastas como Esporte e Pesca. No caso dos Portos, a admissão foi feita em conversa com o Estado. Por sua vez, o agora ex-ministro da Previdência, Garibaldi Alves, reconheceu que ocupou a pasta nos últimos anos sem conhecimento.

Ao assumir a chefia do Ministério do Esporte, o deputado federal George Hilton, um dos nomes mais contestados do novo Ministério de Dilma, admitiu não entender “profundamente” do tema. A transmissão do cargo para o deputado federal do PRB, ligado à Igreja Universal, foi esvaziada de atletas e representantes do primeiro escalão do governo.

Hilton foi apresentado na cerimônia como radialista e apresentador de televisão. Seu perfil no site da Câmara traz outras duas profissões, nenhuma delas ligadas ao esporte: teólogo e animador.

“Gostaria de tranquilizá-los para dizer: posso não entender profundamente de esportes, mas entendo de gente. Eu sei ouvir as pessoas, sei dialogar”, disse o novo ministro, prometendo usar a habilidade política para gerir a pasta.

No Ministério da Pesca, o novo titular Helder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), se esquivou dos questionamentos sobre a sua experiência no setor. Disse apenas que o Pará é um grande produtor de peixes e que o importante é “ter capacidade de gestão”. “Mais importante do que qualquer atividade em si é ter capacidade de gerir a pasta.”

Derrotado na disputa pelo governo do Pará pelo tucano Simão Jatene, a indicação de Barbalho para comandar a pasta foi vista como um gesto da presidente Dilma para agradar ao PMDB.

O senador Jader Barbalho relativizou o fato de o filho não ter experiência na área e negou que as indicações de nomes do PMDB tenham tido como objetivo garantir a fidelidade da sigla ao governo. Aos 35 anos, o mais alto cargo que Helder havia exercido até agora era o de prefeito de Ananindeua, município do interior do Pará.

Corpo técnico. Também assumiu ontem o novo ministro de Portos, deputado federal Edinho Araújo, do PMDB de São Paulo, que chega ao comando da pasta pela mão do vice-presidente, Michel Temer. Ele disse que reconhece o “ceticismo” do setor em relação ao seu nome, mas pretende vencer a desconfiança do empresariado com a escalação de um corpo técnico competente.

A falta de conhecimento para lidar com um ministério foi levada com bom humor na Previdência Social, onde o senador Garibaldi Alves - que deixou o posto ontem para o petista Carlos Gabas - lembrou que há quatro anos disse que aceitou o convite para uma pasta que era um “abacaxi”.

Garibaldi relatou que, quando foi chamado para assumir a pasta, recebeu um “pedido entre aspas” do então ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. “‘Para o bem da sua permanência vai ter que levar o Gabas’. Manda quem pode e obedece quem tem juízo”, contou o ex-ministro, levando o público aos risos. De acordo com ele, Gabas - que ocupava o cargo de secretário executivo do ministério - recebeu a “nobre função” de vigiá-lo no cargo. “E terminei aprendendo alguma coisa.”

As confissões de inexperiência reforçam o coro dos críticos ao Ministério formado por Dilma. A lista dos escolhidos pela presidente contestados desde a indicação inclui os novos titulares da Agricultura (Kátia Abreu), da Cultura (Juca Ferreira), da Educação (Cid Gomes) e dos Direitos Humanos (Ideli Salvatti).

Anteontem, na solenidade de posse no Planalto, a peemedebista Kátia Abreu foi vaiada ao lado de Hilton. Considerada por movimentos sociais como uma inimiga da reforma agrária, a nova ministra da Agricultura chegou a dizer que “nem Jesus Cristo” agradou a todos. Os nomes de Juca Ferreira para o Ministério da Cultura e de Ideli para Direitos Humanos também geraram tensão, dessa vez dentro do próprio PT.

Cid Gomes não foi prestigiado pelas principais lideranças do próprio partido. O presidente nacional do PROS, Eurípedes Júnior, demonstrou descontentamento com o fato de não ter participado das negociações com o Planalto para a indicação do ex-governador do Ceará.