Tiros no pé

A redução da jornada de trabalho se tornou uma bandeira defendida por muitos sindicatos ao redor do mundo como alternativa capaz de gerar empregos. Na prática, essa iniciativa se mostrou um tiro no pré onde foi adotada. Na França, por exemplo, mesmo entre os sindicato já há quem defenda um recuo, pois a redução da jornada não criou os empregos imaginados, e até teve um efeito inverso, pois muitos negócios encolheram para se adaptar a essa exigência. Paris está entre as cidades mais visitadas do mundo e o que se vê lá, mesmo nas áreas turísticas, é o pequeno comércio retraído, abrindo as portas mais tarde e fechando mais cedo, pela impossibilidade de manter empregados em diferentes turnos.

É apenas um exemplo do que aconteceu em grande escala na economia europeia, que tem perdido competitividade no ambiente globalizado ao concorrer com países da Ásia, entre outros, que não têm restrição legal para o número de horas trabalhadas.

No Brasil, observa-se igualmente uma perda expressiva de competitividade de segmentos que no passado foram bons empregadores, remunerando o trabalho acima da média. Tal perda é mais significativa na indústria de transformação, que além de não conseguir exportar vem perdendo espaço para importações.

Desde o lançamento do real o Brasil tem valorizado o salário mínimo, com aumentos reais consecutivos. A política em vigor, prevê a reposição pela inflação do ano anterior e aumento para o mínimo equivalente à variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. É uma fórmula justificada pela necessidade de se diminuir as desigualdades sociais, e que só teve eficácia porque simultaneamente a economia brasileira passou por um processo acelerado de formalização, decorrente de outros fatores (acesso ao crédito, governança corporativa das empresas, abertura de capital, etc.). No entanto, ignora, como seria o correto, a evolução da produtividade do próprio trabalho.

Para ser sustentável ao longo do tempo, qualquer política de valorização salarial deve ter uma relação direta com a produtividade. E o que tem sido constatado no país é uma trajetória em que os salários avançam mais que os parcos ganhos de produtividade.

Assim, a redução da jornada do trabalho seria um duplo tiro no pé, sem correspondência com a produtividade. Em face das dificuldades que a economia tem enfrentado, com inflação alta e baixo crescimento, a redução da jornada de trabalho muito provavelmente debilitaria ainda mais a produtividade, inviabilizando de vez a política de valorização do salário mínimo e das faixas salariais pelas quais são remunerados os trabalhadores com menos qualificação.

Ganhos de produtividade são o caminho mais rápido para se pagar mais e melhores salários. Mas essa é uma bandeira que sindicatos não se dispõem a empunhar. Redução da jornada de trabalho parece ser mais apelativa, não importando as consequências negativas no futuro.

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Visão de futuro

 

Está na pauta do Congresso a redução da jornada de trabalho. Relatório de minha autoria favorável à mudança, sem redução de salários e hora extra de 100%, já foi aprovado em Comissão Especial.

Há diferentes pesquisas, na Europa, que mostram que uma jornada de trabalho de mais de 40 horas semanais causa danos físicos e emocionais à saúde, principalmente no caso das mulheres. Estudo de especialistas espanhóis indicou que o excesso de horas de trabalho tem consequências sérias para a saúde.

A Agência de Saúde Pública de Barcelona concluiu que as mulheres são as mais prejudicadas, porque acumulam mais funções entre casa e trabalho e “emocionalmente respondem pior à pressão". A longa jornada de trabalho, a partir de 40 horas por semana, afeta os homens principalmente por meio de distúrbios no sono. Já as mulheres mostram mais sintomas como hipertensão, ansiedade, aumento de probabilidade de fumar, restrição de outras atividades de ócio e de prática de exercício e uma insatisfação geral. Há também transtornos psíquicos e hormonais.

Esses dados demonstram as condições nocivas por que passa a classe trabalhadora quando submetida a jornadas excessivas de trabalho. No caso do Brasil, o quadro é agravado com a prática nociva das horas extras.

A redução da jornada terá pouco impacto nas empresas, pois a média da duração do trabalho no país já é inferior às 44 horas previstas na Constituição. Segundo o Dieese, a nova jornada, com a manutenção do patamar salarial, significará um crescimento de apenas 1,99% no custo da produção. Mas em contrapartida haverá geração de empregos, melhoria na qualidade de vida do trabalhador e aumento da produtividade. Lembre-se: a Constituição, quando reduziu a jornada de 48 para 44 horas semanais, não gerou desemprego.

Calcula-se que 2,5 milhões de novos postos de trabalho possam ser gerados com a mudança, considerando-se que mais de 22 milhões de trabalhadores com carteira assinada no Brasil têm jornadas de 44 horas semanais.

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A jornada de 44 horas é maior que a de países desenvolvidos e de outros latino-americanos, onde se trabalha semanalmente, em média, de 38 a 40 horas. O Brasil, mesmo com a crise mundial iniciada em 2008, tem conseguido atravessar a turbulência. Há muitos empresários de visão de futuro que já concordam e praticam a jornada de 40 horas, como vimos durante audiências públicas e reuniões da Comissão Especial. É do interesse de todos essa conquista.

A PEC 231/95, em tramitação há 14 anos, tem de ser votada. Geram-se mais empregos e melhores condições de vida aos trabalhadores. Estes podem ter mais tempo para se dedicar à família, aos estudos ou ao lazer, resultando em bem-estar social, meta de qualquer sociedade civilizada. Não resta nenhuma dúvida sobre os efeitos positivos da redução da jornada.