BRASÍLIA

Com apenas um dia no cargo, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, levou ontem uma bronca da presidente da República, e, por ordem de Dilma Rousseff, divulgou nota em que afirma que "a proposta de valorização do salário mínimo, a partir de 2016, seguirá a regra de reajuste atualmente vigente". Pela manhã, depois de ler os jornais na praia, na base naval de Aratu, na Bahia, onde descansa, a presidente ficou bastante irritada com a repercussão das declarações de Barbosa do dia anterior, sobre a mudança na regra de reajuste do salário mínimo, e mandou o ministro divulgar uma nota desmentindo as afirmações, conforme antecipou o site do GLOBO. Antes, Dilma conversou por telefone com o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil), e os dois avaliaram que Barbosa se precipitou.

Na sexta-feira, em entrevista durante a solenidade de sua posse, perguntado sobre como ficaria a regra de correção do salário mínimo, já que a atual expirou este ano, afirmou:

- Vamos propor uma nova regra para 2016 a 2019 ao Congresso Nacional nos próximos meses. Continuará a haver aumento real do salário mínimo - destacou, sem adiantar a fórmula.

Confusão inviabiliza mudança

A declaração do ministro foi considerada um desastre político pelo Palácio do Planalto. Segundo interlocutores de Dilma, houve falta de "sincronismo político". A equipe econômica vinha estudando uma nova fórmula de correção dos rendimentos, com o aval do Planalto, mas o núcleo político do governo queria que esse assunto viesse à tona somente no segundo semestre. Com a ordem de Dilma para Barbosa desmentir as declarações, o governo, na prática, se comprometeu em manter a fórmula vigente, na contramão do que a equipe econômica pretendia.

A nota assinada por Nelson Barbosa foi divulgada no começo da tarde de ontem: "O ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Nelson Barbosa, esclarece que a proposta de valorização do salário mínimo, a partir de 2016, seguirá a regra de reajuste atualmente vigente. Essa proposta requer um novo projeto de lei, que deverá ser enviado ao Congresso Nacional ao longo deste ano".

Atualmente, o piso nacional é definido com base na inflação do ano anterior (medida pelo INPC), acrescida da variação do PIB de dois anos antes. A regra expira neste ano e, portanto, precisa ser modificada ou renovada. Para 2015, o valor do salário mínimo foi fixado em R$ 788.

A nova equipe econômica avalia que não há mais condições de manter a regra atual, pela necessidade de uma política fiscal mais austera. Economistas ouvidos pelo GLOBO na sexta-feira, no entanto, acreditam que uma mudança na regra teria pouco impacto nas contas públicas em anos de pouco crescimento do PIB, como deve ser 2015.

O aumento do salário mínimo tem forte impacto sobre as contas públicas, porque indexa a grande maioria dos benefícios da Previdência Social. Antes de retornar ao governo, Barbosa já defendia uma revisão da regra de reajuste do mínimo para desacelerar os ganhos. Em março de 2014, ele explicitou a proposta que considerava ideal: a vinculação do salário mínimo à média salarial do país.

O problema, segundo interlocutores de Dilma, é que o momento não é adequado para abordar o tema. O Palácio do Planalto avalia que o desafio atual é enfrentar no Congresso as discussões da Medida Provisória 665, que restringiu o acesso a benefícios como seguro-desemprego, pensão por morte e abono salarial. Trazer o salário-mínimo agora para o debate seria ampliar os problemas no Congresso e junto à opinião pública.

OPOSIÇÃO CRITICA INGERÊNCIA

O deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), da Força Sindical, disse que a presidente deu margem à sua equipe para fazer mudanças que afetam os trabalhadores quando resolveu restringir benefícios previdenciários. Segundo ele, o episódio de ontem mostra que a área econômica não terá autonomia para trabalhar e terá que "pedir bênção para a presidente todos os dias".

- Tem um misto da índole autoritária e imprevisível da presidente Dilma: em um primeiro momento ela assina uma MP que reduz direitos trabalhistas, e no segundo momento desautoriza um dos principais ministros do governo dela. Vai ser muito difícil a vida do ministro banqueiro Joaquim Levy, não apenas com a presidente, mas com as cercanias do gabinete - ironizou o líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA).

Para o líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), a presidente só recuou porque viu que politicamente a mudança seria um desastre junto à opinião pública:

- Ela desistiu agora de mudar a correção do salário mínimo, mas, com certeza, voltará com esse assunto daqui a alguns meses. Não dá para confiar neste governo. Na primeira semana depois da eleição, aumentou juros. Semana passada, dificultou a obtenção do seguro-desemprego. Acabar com o ganho do mínimo é questão de tempo.

O líder do PT na Câmara, deputado Vicentinho (SP), confessou que ficou "apreensivo" ao ver as declarações de Barbosa e "aliviado" ao saber da decisão da presidente:

- Tínhamos convicção de que a regra seria mantida, é uma fórmula que deu certo, um crescimento gradativo, mas seguro e partilhado com todos.

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Aperto é obstáculo a direitos de domésticos  

 

BRASÍLIA

A PEC dos empregados domésticos completa dois anos em abril deste ano sem que esses trabalhadores tenham acesso a novos direitos como FGTS obrigatório, seguro-desemprego e salário-família. O projeto de regulamentação já passou pelo Senado, mas depende da aprovação da Câmara e de sinal verde do governo para avançar no Congresso. O aperto nas contas públicas é um dos principais obstáculos à regulamentação, pois o projeto trará aumento de gastos para os cofres públicos. Para o Ministério do Trabalho, o impacto no seguro-desemprego será de R$ 1,648 bilhão por ano, mantidas as regras atuais, de três parcelas. Caso se adote o sistema que vigora para os demais trabalhadores, de até cinco parcelas, o custo seria de R$ 4,785 bilhões. Hoje, só tem seguro-desemprego o trabalhador doméstico com FGTS, que é opcional para o patrão.

Em dezembro, Dilma vetou a redução da contribuição previdenciária para os domésticos de 12% para 6%. Ainda que haja um esforço no sentido de aprovar a regulamentação nos primeiros meses do ano, haverá um prazo de carência de 120 dias para que os novos direitos comecem a vigorar. Se houver emendas, a proposta retornará ao Senado, atrasando o processo. Existem 6,473 milhões de empregados domésticos no país e só 2,122 milhões têm carteira assinada, diz o IBGE.

Quando a PEC foi aprovada, os empregados domésticos passaram a ter direito à jornada diária de oito horas e horas extras.