O GLOBO: altos e baixos

A história secular da indústria naval brasileira é uma sucessão de percalços, porque não é fácil ser sempre competitivo num país com períodos de instabilidade econômica, e num setor dependente de insumos importados, influenciados de forma direta pelas oscilações cambiais. E não faltam oscilações cambiais selvagens em países como o Brasil. Na ditadura militar, em que parte do período transcorreu num ciclo de protecionismo econômico e de incentivos a indústrias, estaleiros passaram por uma fase de crescimento. Ainda existia o estatal Lloyd Brasileiro, que, junto com alguns armadores nacionais, constituía um mercado cativo para esta indústria.

Políticas voluntaristas sustentadas por fartos incentivos fiscais e creditícios administrados por uma burocracia estatal, tudo protegido por um sistema de reserva de mercado, não costumam dar certo. Todo aquele crescimento da indústria naval era uma bolha que estouraria assim que ficasse insolúvel o desencontro dos cronogramas de construção de navios: o físico sempre atrás do cronograma financeiro. Como sempre nesses casos, o rombo foi herdado pela Viúva.

Quatro décadas depois, esta indústria volta a ressurgir, desta vez atrelada ao crescimento da Petrobras, impulsionada pelo resultado do fim do monopólio estatal, responsável pela entrada no país de fortes empresas privadas, para ajudar a estatal a desenvolver a importante fronteira exploratória que ela abriu no litoral do Sudeste.

Mas o Brasil repete na indústria naval o dirigismo voluntarista. Faz todo o sentido aproveitar o crescimento da produção de petróleo no mar e usá-lo como vantagem competitiva para estimular estaleiros privados.

Porém, o modelo estatista desenvolvimentista que se tornou hegemônico nos governos do PT, a partir do segundo mandato de Lula, tinha pressa e, como sempre, caiu na armadilha da "autossuficiência": produzir navios e plataformas de petróleo com o máximo de componentes nacionais, a qualquer preço, literalmente.

O caso mais delirante, ainda em curso, é o da Sete Brasil, assentada no BNDES, Petrobras e fundos de pensão de estatais, claro, e até em bancos privados. Faltam estaleiros? A Sete Brasil financia. Se o risco de as 28 bilionárias plataformas não serem entregues a tempo é grande, não importa. Mesmo que seu preço fique muito acima do estimado no papel. Em resumo, esta é a lógica desses programas de substituição de importações.

Os governos do PT escalaram a Petrobras para bancar este jogo, junto com o BNDES de sempre. Faltou combinar com petistas que, junto com aliados, montaram uma bomba de sucção de dinheiro da estatal para suas legendas. Caso de polícia. Agora, a Petrobras é que está avariada, no estaleiro. E a nova equipe econômica cortará a linha de suprimento com que irresponsavelmente o primeiro governo Dilma conectou o Tesouro ao BNDES. Mais esta farra naval acabará em algum momento. Mesmo que não houvessem saqueado a Petrobras, a história de idas e vindas do setor não estimulava otimismo com a repetição do velho modelo dirigista em mais um "ressurgimento" da indústria naval.

"A nova farra naval acabará em algum momento, pois o dirigismo estatal nunca deu certo para valer"


LUIZ SÉRGIO: O Brasil é capaz

A indústria naval brasileira experimentou um período de grande crescimento entre as décadas de 1950 e 1980, chegando a empregar mais de 40 mil trabalhadores. A partir dos anos 1990, com o neoliberalismo do PSDB, houve um verdadeiro desmonte do setor. Milhares foram demitidos, entre os quais me incluo. Em 1997, depois de deixar o cargo de prefeito de Angra dos Reis, fui reintegrado ao Verolme (hoje BrasFels). Naquele mesmo ano fiz parte da lista dos últimos 800 funcionários do estaleiro demitidos.

A realidade que vivi de perto não ficou restrita a Angra. Praticamente todos os estaleiros brasileiros ficaram às moscas naquela época. O quadro só começou a mudar depois da posse do presidente Lula, em 2003. Lula estabeleceu a política de conteúdo local, conduzida e implementada pela então ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff.

O impacto dessa nova política é inequívoco: em 11 anos o número de trabalhadores empregados nos estaleiros brasileiros saltou de 7 mil para mais de 80 mil. Nos próximos quatro anos preveem-se investimentos de US$ 100 bilhões na construção de 38 plataformas, 88 petroleiros, 28 sondas de perfuração e 146 barcos de apoio. Poderão ser criados mais de 20 mil postos de trabalho. A política de conteúdo local de Lula e Dilma fez com que o Brasil gerasse empregos aqui, não no exterior. A primeira reação dos críticos foi dizer que plataformas feitas no Brasil seriam mais caras que as construídas no exterior. Esqueceram-se de colocar na conta o impacto positivo na vida de milhares de pais de família empregados; o valor gerado pelo consumo de bens e serviços; o surgimento de indústrias de apoio e empresas prestadoras de serviço; a qualificação contínua de mão de obra surgida com o impulso ao setor e a consequente consolidação da nossa indústria naval. Não é preciso muito esforço para concluirmos que a decisão de garantir conteúdo local nos projetos da Petrobras fez a balança pender positivamente para o Brasil e os brasileiros.

O debate evoluiu para a qualidade e não apenas quantidade do conteúdo local. Há quem afirme que o percentual mínimo exigido vem sendo cumprido com "casco e solda" e que boa parte dos equipamentos vitais para plataformas e embarcações ainda é importada. Critica-se também o fato de os estaleiros não repassarem os incentivos que recebem aos demais elos da cadeia produtiva, entrave para o desenvolvimento das indústrias de base.

Esses e outros pontos merecem atenção. Devem ser objeto de estudo e debate isentos. Nenhuma política é tão boa que não possa ser aprimorada. O que está fora de questão é recuar da decisão de fortalecer nossa indústria naval. A política de conteúdo local foi acertada e segue sendo vital para o setor. Qualquer tentativa de voltar aos tempos em que metalúrgicos brasileiros amargavam o desemprego enquanto fazíamos encomendas a Coreia, Cingapura e Japão deve ser rechaçada. É necessário fazer no Brasil o que pode ser feito aqui.

"A política de conteúdo local foi acertada e segue sendo vital para o crescimento do setor"

Publicado no Globo de hoje. Luiz Sérgio é deputado federal (PT-RJ)