BRASÍLIA

O ajuste fiscal pegou em cheio o setor produtivo. O governo anunciou ontem um aumento de 150% nas alíquotas da contribuição previdenciária que incidem sobre o faturamento das empresas e praticamente anulou os benefícios do programa de desoneração da folha de pagamento, principal incentivo concedido na gestão de Dilma Rousseff para preservar empregos e estimular a economia. As alíquotas subiram de 1% para 2,5% e de 2% para 4,5%, dependendo do setor.

As mudanças entram em vigor em junho, e as empresas poderão escolher se querem recolher a contribuição sobre o faturamento ou voltar a pagá-la sobre a folha de salários. A medida desagradou Congresso e empresários, mas foi defendida pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Segundo ele, o programa - que hoje beneficia 56 segmentos da economia - precisava de ajustes, porque não deu os resultados esperados e se mostrou extremamente caro.

Arrocho para exportadores

- Essa brincadeira nos custa R$ 25 bilhões por ano e vários estudos demonstram que ela não tem protegido o emprego (...) É um passeio no parque para algumas empresas e ineficaz para outras - disse o ministro, que classificou a política de "grosseira" e disse que ela é cheia de regras complexas.

Levy anunciou ainda uma redução de 3% para 1% na alíquota do crédito a que o setor exportador tem direito no programa Reintegra. Juntas, as duas medidas vão significar uma ajuda adicional de mais de R$ 7 bilhões para a realização da meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros para a dívida pública) em 2015, que foi fixada em R$ 66,3 bilhões ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país). Para 2016, o reforço nas contas será de R$ 19,3 bilhões. O ministro acredita ter o suficiente para atingir a meta fiscal e sinalizou que o corte do Orçamento, que será anunciado em breve, ficará na casa de R$ 60 bilhões.

Pelos cálculos do governo, 70 mil das quase 127 mil empresas que aderiram à desoneração e hoje estão recolhendo a contribuição com base no faturamento devem sair do programa com a mudança das alíquotas. E 56 mil empresas, responsáveis por 7,8 milhões de empregos, continuariam a ter ganhos. Para o ministro, manter um incentivo a um custo muito elevado não vale a pena mesmo que seja para preservar empregos:

- Você descobre que um emprego protegido nos custa R$ 80 mil, R$ 100 mil por ano. E esses, geralmente, são empregos de baixos salários. Então, gastar isso para manter um emprego não vale a pena. Por isso, a gente está reduzindo esse tipo de desoneração, pela relativa ineficiência dela.

De acordo com estudos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), com base em dados da arrecadação de 2013, com a mudança da contribuição patronal de 20% sobre a folha para uma alíquota de 2% sobre o faturamento, o gasto tributário com a contribuição previdenciária para o grupo de empresas enquadrado nessa faixa caiu 49,2%. A elevação dessa alíquota para 3,94% já seria suficiente para eliminar o benefício. O governo elevou a alíquota para 4,5%. No caso das empresas enquadradas na alíquota de 1%, a queda nos custos foi de 37,7%, estimam os auditores. Caso o percentual fosse elevado para 1,61%, o benefício já seria zerado e o governo subiu para 2,5%.

Segundo o vice-presidente de Assuntos Fiscais da entidade, Vanderley Maçaneiro, com a mudança nas regras, a desoneração da folha somente será vantajosa para empresas intensivas em mão-de-obra, e com menor grau de informatização.

- Uma organização muito informatizada e com pessoal qualificado perde toda a vantagem da desoneração - disse Maçaneiro.

Ele criticou o fato de o governo ter mantido o sistema híbrido, que permite às indústrias recolherem a contribuição de duas maneiras (sobre a folha e sobre o faturamento), o que dificulta o trabalho dos fiscais. A entidade vai atuar no Congresso a fim de convencer os parlamentares a apresentar uma emenda para tornar o regime único. Hoje, se um ramo tiver sido incluído na desoneração, os empresários são obrigados a pagar o tributo sobre o faturamento.

Ao comentar as críticas do Congresso e do setor produtivo às mudanças no programa de desoneração da folha, Levy disse que essa e outras ações são necessárias para colocar as contas públicas em ordem. Ele lembrou que, quando foi instituída, a medida valia apenas para três setores e deveria ter um efeito neutro para as contas públicas. Mas não foi isso o que aconteceu, pois foram sendo incluídos cada vez mais setores e as regras foram ficando complexas.

O ministro disse ainda que o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já disse publicamente que a não aprovação do programa de ajuste fiscal seria "um desastre". E ressaltou que a nova regra foi adotada por uma medida provisória (MP) que vai ser apreciada pelos parlamentares:

- Trata-se de uma MP a ser avaliada pelo Congresso. Ele julgará à luz da situação atual, à luz da eficácia.

Sobre o setor empresarial, Levy disse que a ideia é que as empresas aprendam a ser mais competitivas sem tanta ajuda do governo:

- Eu tenho certeza de que o setor empresarial vai encontrar novos caminhos de continuar crescendo com menos transferências, menos renúncia (fiscal).

Grandes fortunas

Levy indicou que o governo não deve passar a taxar grandes fortunas, medida defendida pelo PT. Ao ser perguntado se essa é uma das ações que estão sendo consideradas pela equipe econômica para reforçar o programa de ajuste fiscal, ele afirmou:

- A taxação estática de grandes fortunas não arrecada muito e não tem muitas vantagens.

Levy foi nomeado ontem para o Conselho de Administração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que indica que influirá nas decisões do banco de fomento. O secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ivan João Guimarães Ramalho, foi nomeado membro e será o presidente do Conselho de Administração. Levy justificou que está ocupando um posto do Ministério da Fazenda no banco.