BRASÍLIA

Menos de uma semana após a posse do novo primeiro escalão do governo Dilma Rousseff, surgem as primeiras divergências na equipe: os ministros Patrus Ananias, do Desenvolvimento Agrário, e Kátia Abreu, da Agricultura, defenderam publicamente posições conflitantes sobre a questão agrária. Patrus destacou ontem, em seu discurso inaugural, o uso social da terra e condenou a existência de latifúndios. Na véspera, Kátia deixara claro que sua prioridade são os produtores rurais. Em entrevista, ela chegou a dizer que latifúndio não existe. Patrus foi à posse de Kátia, que não retribuiu o gesto.

Em seu discurso, o ministro citou cinco vezes a expressão função social da terra e mencionou a necessidade de ampliar a reforma agrária. E afirmou que o latifúndio persiste no país:

- O tema função social da terra desperta polêmica e enfrenta resistências. Ignorar ou negar a permanência da desigualdade e da injustiça é uma forma de perpetuá-las. Por isso, não basta derrubar as cercas do latifúndio. É preciso derrubar também as cercas que nos limitam a uma visão individualista e excludente do processo social - disse Patrus, aplaudido na sequência.

Essa declaração foi entendida como resposta ao que disse Kátia, em entrevista à "Folha de S. Paulo": "Latifúndio não existe mais. Mas isso não acaba com a reforma. Há projetos de colonização maravilhosos que podem ser implementados. Agora, usar discurso velho, antigo, irreal, para justificar reforma agrária? ", disse ela.

Na posse de Patrus, líderes de movimentos sociais levaram faixas de apoio. Vários eram do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que aprovou a indicação do mineiro para o cargo. Na cerimônia de Kátia, representantes do agronegócio marcaram presença.

direito à propriedade no centro da polêmica

Kátia foi uma porta-voz do setor produtivo. Ela definiu os produtores rurais como a mais importante peça da mais eficiente agropecuária tropical do planeta. Já Patrus defendeu a entrega de terras aos acampados e a atenção aos pobres que estão às margens de bens e direitos.

O ministro associou à Constituição o acesso à terra e afirmou que o direito de propriedade não é algo inquestionável:

- Não se trata de negar o direito de propriedade, uma conquista histórica e civilizatória. Trata-se de adequar o direito de propriedade a outros direitos fundamentais, o interesse público e o desenvolvimento sustentável. O direito de propriedade não pode ser, em nosso tempo, um direito incontrastável, inquestionável e que prevalece sobre todos os demais e sobre o projeto de realização das possibilidades nacionais.

O artigo 5 da Constituição, sobre os direitos fundamentais, prevê a "inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". E define que o direito à propriedade deve ser respeitado e, em seguida, que "a propriedade atenderá sua função social". No capítulo que trata da reforma agrária, prevê a desapropriação de terras para esse fim, desde que o imóvel rural não esteja cumprindo sua função social, mediante pagamento de indenização.

Em entrevista, Patrus foi questionado sobre a declaração de Katia, de que não há latifúndios:

- É uma questão técnica. Prefiro trabalhar dizendo que temos no Brasil grandes propriedades, talvez a maioria até esteja sendo corretamente explorada pelo grande produtor, produzindo alimento, produto agropecuário que tem a ver com o agronegócio. Mas tem também as terras improdutivas e sobre as quais devemos estabelecer o princípio da função social da terra, para, nelas implementar corretamente, e de acordo com a lei, as famílias que não têm terra.

Ao assumir a Agricultura, Kátia citou sua relação afetiva com o setor produtivo:

- Quero declarar meu eterno amor a essa categoria que ajudou a formar meu caráter.

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Declaração sobre a Petrobras derrubou Moreira  

BRASÍLIA

Até o dia 1º de janeiro, o ministro da Aviação Civil, o ex-governador do Rio Moreira Franco, havia recebido sinalização da presidente Dilma Rousseff de que permaneceria à frente da pasta no segundo mandato. Ela mudou de opinião, no entanto, após ler declarações do peemedebista defendendo mudanças na direção da Petrobras. Depois de participar de um seminário do PMDB sobre reforma política, dia 16 de dezembro, no Rio, Moreira afirmou que a Operação Lava-Jato trará "profundas consequências na governança e na gestão da empresa". Em seguida, disse que acreditava numa "mudança de tudo".

As declarações de Moreira ocorreram na semana em que foi revelado que a ex-gerente da Petrobras Venina Velosa da Fonseca havia alertado a atual presidente da companhia, Graça Foster, sobre irregularidades na estatal. Dilma ordenou então aos integrantes do governo que defendessem publicamente Graça e sua manutenção no cargo.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi um dos que cumpriu a tarefa. Moreira, porém, foi de encontro à determinação. Dias depois, o vice-presidente Michel Temer foi chamado ao gabinete presidencial, onde Dilma avisou que Moreira não ficaria no cargo.

temer tentou evitar substituição

O xadrez da participação do PMDB no governo estava praticamente montado por Temer e pelo núcleo político do partido. Moreira ficaria na Secretaria de Aviação Civil, como indicação do vice, e Eliseu Padilha iria para os Portos ou Turismo, indicado pela bancada da Câmara. Essa vaga estava em negociação com a bancada do Senado. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), preferia manter Vinicius Lages no Turismo, mas, naquele momento, o mais provável era que Lages virasse secretário-executivo de Kátia Abreu no Ministério da Agricultura.

Segundo o relato de peemedebistas, Temer tentou argumentar com Dilma para manter Moreira, mas ela disse que não toleraria desrespeito ao acordo de defender Graça. A garantia de que Moreira ficaria era tão certa que ele estava com a agenda organizada para a posse de Dilma e ministros, no dia 1º.

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Coral desafinado 

A foto de Dilma com seus 39 ministros, no dia da posse, mostra cara e não coração. E muito menos convicções.

Em menos de uma semana de novo governo, as vozes ministeriais soam desafinadas. Nelson Barbosa, do Planejamento, declarou que o salário-mínimo seria, em breve, submetido a novas regras. A presidente o enquadrou e, no mesmo dia, ele veio a público desdizer o que disse.

Kátia Abreu, ministra da Agricultura, visando a agradar ao segmento que ela representa no governo (o agronegócio, e não o PMDB), declarou que, no Brasil, não existe latifúndio, e que a reforma agrária em massa "não é necessária".

No dia seguinte, ao tomar posse, Patrus Ananias, ministro do Desenvolvimento Agrário, disse que "não basta derrubar a cerca do latifúndio, é preciso derrubar as cercas que nos limitam a uma visão individualista e excludente do processo social". E acrescentou que "o direito de propriedade não pode, em nosso tempo, ser um direito incontrastável, inquestionável e que prevalece sobre todos os demais direitos".

O ministro do Esporte, George Hilton, não teve vergonha de admitir ao tomar posse: "Vou tranquilizá-los: posso não entender profundamente de esporte, mas entendo de gente". Pena que não tenha sido escalado para o setor de Psicologia do Ministério da Saúde. Ou para o cerimonial do Itamaraty. E, tendo em vista as Olimpíadas de 2016, causou intranquilidade geral.

As únicas vozes afinadas, até agora, são as dos ministros Aloizio Mercadante, da Casa Civil, e Joaquim Levy, da Fazenda. O primeiro comunicou à Nação, antes que 2014 findasse, cortes no seguro-desemprego, no abono salarial, na pensão por morte (incluídos os militares?), no auxílio-doença e no seguro a pescadores.

Quase todos direitos de interesse direto dos pobres. Joaquim Levy, ao ser empossado, prometeu cortar gastos e promover "ajustes em alguns tributos".

Teremos uma reforma tributária na qual quem ganha mais paga mais ou cortes e ajustes afetarão a vida da maioria da população?