Países que até pouco tempo atrás permaneciam fechados à flexibilização das respectivas legislações sobre drogas começam a se abrir para a adoção de políticas mais realistas sobre a questão. Casos mais notórios são o Uruguai — da restrição policial passou à liberalização do uso de substâncias mais leves, como a maconha — e os Estados Unidos, onde, prevalecendo o espírito federativo, estados entraram em desacordo com a política federal e também, com nuances em cada unidade da Federação, na prática enterraram o viés policial-militar do combate aos entorpecentes.

O Brasil teve avanços, principalmente com a Lei Antidrogas de 2006, mas hoje parece mais próximo de retroceder (ou no mínimo estacionar, o que daria no mesmo) do que de avançar no tratamento da questão. Os recentes movimentos do Planalto, de distribuição de cargos ministeriais a aliados, como os evangélicos, historica e explicitamente contrários a qualquer flexibilização, constituem preocupantes indícios de que a timidez da atual abordagem do problema, via política de drogas, tende a se acentuar.

Sinal disso são as declarações do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ao GLOBO de sábado, de que a liberação das drogas “não está na pauta” do governo. Embora tratem de graus diferentes de abordagem do problema — a “liberação” a que se refere o ministro não está propriamente em discussão, e sim a descriminalização do uso de drogas —, as palavras de Cardozo podem estar embutindo, por meios enviesados, um recado para acalmar a base aliada. A ver.

Seria condenável atrelar uma discussão tão séria como essa a interesses partidários. Até porque a questão não se esgota nas drogas. Ela envolve problemas adjacentes, tão ou mais graves, como a política penitenciária. O Brasil mantém inalterado um perfil de encarceramento que se agrava, por impulsionar a curva, sempre ascendente, da população que lota os presídios, e por consolidar, no mau sentido, o lado mais deletério da política carcerária do país. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o número de presos já tangencia a marca de 570 mil pessoas, com um excedente de 230 mil presos. Ocupamos a terceira ou quarta colocação carcerária mundial, em termos absolutos — isso sem levar em conta que há nas delegacias 430 mil mandados de prisão não cumpridos.

Boa parte dessa população é formada por autores de delitos menos graves, presos em flagrante no consumo ou venda de pequenas quantidades de drogas, enquadrados como “traficantes”. Como esses, há outros que, em vez de contribuírem para a superlotação das cadeias, poderiam estar cumprindo penas alternativas, abrindo vagas para quem de fato deveria estar preso. O Brasil prende muito e mal, uma equação complicada. Mas, no âmbito de um dos mais substanciais veios de alimentação da população carcerária, já seria uma grande contribuição aperfeiçoar a política de drogas. Isso implica compromisso com os interesses da sociedade, nunca com barganhas políticas.