Brasília - O vazamento da informação segundo a qual Renan Calheiros, presidente do Senado, e Eduardo Cunha, presidente da Câmara, integram a lista de políticos citados pelos delatores da Operação Lava Jato, que apura um esquema de corrupção na Petrobrás, agravou a crise entre o Congresso e o Palácio do Planalto. Os nomes, que estão sob sigilo de Justiça, vieram à tona na terça-feira, 3, dia em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entregou a lista com pedidos de abertura de inquéritos ao Supremo Tribunal Federal. 

 

O PMDB de Renan e Cunha já caminhava para uma posição de independência e passou a dar apoio total ao presidente do Senado, que, também anteontem, devolveu ao Executivo uma das medidas provisórias do ajuste fiscal, prioridade de Dilma Rousseff. 

 

Nesta quarta, outras medidas do Legislativo fustigaram o governo. Na Câmara, o plenário aprovou a convocação do ministro da Educação, Cid Gomes, em retaliação à afirmação dele de que a Casa teria mais de “400 achacadores”. A reação a Cid foi comandada por Cunha, que ainda retirou da pauta projeto do Ministério da Educação que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (Insaes), entidade destinada a avaliar e regular as faculdades no País. O presidente da Câmara avisou que só levará o projeto para a pauta novamente se Dilma solicitar a urgência, prerrogativa constitucional de que o Executivo dispõe. 

 

Antes, um dos principais aliados de Cunha, o pastor Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ), lançou candidatura avulsa à presidência da Comissão de Direitos Humanos, prometida por acordo ao PT. Além disso, houve intensa articulação para a sessão da CPI da Petrobrás de hoje, com o objetivo de acuar o governo e os petistas. 

 

Cunha também colocou em votação a chamada PEC da Bengala, que estende de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória para ministros de tribunais superiores, que foi aprovada em primeiro turno. Com isso, Dilma perde a possibilidade de nomear seis ministros do STF até o fim do seu mandato. 

 

O impeachment também rondou a presidente. Após um almoço com Cunha, o presidente do oposicionista Solidariedade, deputado Paulinho da Força (SP), afirmou que o partido vai encomendar a juristas estudos para basear um pedido de impeachment da presidente por ela ter autorizado, como chefe do Conselho de Administração da Petrobrás, a compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, em 2006. 

 

Dilma fez ontem reuniões em separado com os líderes dos partidos aliados na Câmara e no Senado, sempre na tentativa de reduzir a crise. Mas o efeito foi contrário. As cobranças por maior diálogo e interlocução antes de decisões continuaram e o clima de tensão não arrefeceu. Dilma exigiu fidelidade dos partidos da base aliada, lembrando que eles foram contemplados com ministérios e outros cargos importantes. 

 

Ela ainda desencadeou uma série de costuras. Primeiro, mandou o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, conversar com Cunha para restabelecer a ponte com os deputados, já que no Senado o clima estava hostil.

 

À tarde, Dilma despachou para o gabinete de Renan seu ministro de Relações Institucionais, Pepe Vargas. Mas o presidente do Senado deu um “chá de cadeira” de mais de uma hora no ministro. Ao deixar o gabinete de Renan, Vargas disse que a visita visou “distensionar” as relações entre o Congresso e o Planalto e reconheceu que, se o governo quiser melhorar a relação com o PMDB, tem de ouvir mais o partido antes de tomar suas decisões. 

 

Trâmite. Relator da Lava Jato no Supremo, o ministro Teori Zavascki deve concluir até amanhã a análise do material enviado anteontem por Janot. Zavascki recebeu 28 pedidos de abertura de inquérito contra 54 pessoas, além de sete pedidos de arquivamento. Além de decidir se aceita os pedidos do procurador-geral, o ministro determinará o grau de sigilo que terão as peças ligadas à Lava Jato.

 

Membros do gabinete de Zavascki já estão trabalhando na análise do material e a expectativa é de que até o fim da semana estejam redigidas as decisões sobre a retirada de segredo de cada um dos inquéritos e dos pedidos de arquivamento. O ministro poderá, contudo, manter em sigilo casos em que a publicidade possa prejudicar as investigações.

 

As peças só se tornarão públicas quando houver análise de todos os casos enviados ao Supremo. / COLABORARAM ANDREZA MATAIS, BEATRIZ BULLA, FÁBIO BRANDT, TALITA FERNANDES e DANIEL CARVALHO

 

PRESIDENTE EXIGE FIDELIDADE E CITA INDICAÇÕES DE ALIADOS A MINISTÉRIOS

 

Depois de o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), devolver a medida provisória que reduz o benefício fiscal de desoneração da folha de pagamento, a presidente Dilma Rousseff se reuniu ontem, 4, com líderes da base aliada no Congresso Nacional para defender a necessidade da aprovação de medidas que garantam o ajuste fiscal.

Depois das reuniões com os líderes da Câmara e do Senado, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Pepe Vargas, disse que o governo fará corte de “outros gastos” se o Congresso não aprovar na totalidade as medidas encaminhadas pelo Palácio do Planalto. Segundo Pepe, não há risco de a meta de superávit primário de 1,2% do PIB não ser cumprida.

“Se eventualmente o Congresso Nacional fizer algum ajuste nas medidas que encaminhamos, alguma emenda, num processo de negociação que não é exatamente aquilo que o governo encaminhou na proposta original, isso obviamente será ajustado no corte de outros gastos”, disse o ministro a jornalistas, sem detalhar quais seriam esses cortes. “Não há risco nenhum do governo não cumprir o superávit primário de 1,2%, nenhum.”

Na reunião com os senadores, Dilma destacou a importância das medidas que já foram encaminhadas ao Congresso serem aprovadas o quanto antes. “A presidente disse que mandou o projeto de lei das desonerações para ser discutido e debatido, mas que o ajuste é necessário e é importante para o País”, disse o senador Acir Gurgacz (PDT-RO).

Dilma foi advertida pelos senadores sobre a pressão que os parlamentares estão sofrendo das ruas. O senador Blairo Maggi (PR-MT) foi quem mais bateu nessa tecla, ressaltando que o governo precisa estar mais atento à comunicação.

Depois da presidente, foi a vez de o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, defender as MPs que tornam mais rigoroso o acesso a direitos trabalhistas, sob a alegação de que o governo não está mexendo neles, e sim corrigindo excessos.

Os senadores citaram que talvez o prazo de 18 meses para o início da concessão do seguro-desemprego seria longo demais, sugerindo que ele fosse reduzido. O governo discute o endurecimento das regras desde setembro de 2012, quando foi criado um grupo de trabalho interministerial para elaborar propostas de flexibilização na legislação.

Cid diz que Câmara tem achacadores e deputados reagem

Brasília - Em mais um episódio de atrito entre o governo e o Parlamento, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou ontem um requerimento de convocação do ministro da Educação, Cid Gomes. Os deputados querem que o ministro esclareça sua declaração, dada na Universidade Federal do Paraná na sexta-feira passada, sobre a existência de “300 a 400 achacadores” na Casa.

 

O requerimento, proposto pelo DEM, foi aprovado por 280 deputados, 102 contra e quatro abstenções. A oposição avisou que pedirá a Procuradoria da Câmara para que entre com interpelação judicial contra Cid. 

 

 

Só PT, PC doB, PDT e PROS (partido do ministro) orientaram voto contra a proposta e tentaram, durante toda a sessão, converter o requerimento de convocação em convite. A liderança do governo liberou a base aliada para votarem livremente. “Não é necessário ser desta forma”, apelou o líder do PROS, Domingos Neto (CE). 

 

 

O líder governista José Guimarães (PT-CE) reconheceu que a frase do ministro foi “infeliz”. Mas argumentou que não seria necessário tensionar mais a relação com o Parlamento. “Foi uma palavra que saiu e que não volta mais, como uma flecha”, disse o líder do PT, Sibá Machado (AC). 

 

 

A oposição se aliou ao PMDB na alegação de que o ministro foi “mal educado e desrespeitoso”. “Temos que mostrar que esse Parlamento se respeita”, disse o líder do PSC, André Moura (SE). 
 
Declaração. No evento da semana passada, Cid criticou a eleição do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara e disse que os 300 ou 400 parlamentares querem um governo mais frágil para achacá-lo. A frase de Cid lembra a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dita em 1993: “Há uma maioria de 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”, afirmou o petista à época, referindo-se ao Congresso.

 

 

“Ele (Cid) vai ter que vir aqui explicar quem são os achacadores. Um governo que tem como lema ‘Pátria Educadora’ não pode ter um ministro da Educação mal educado”, disse Cunha. 

 

 

Em retaliação, o peemedebista retirou de pauta o projeto do MEC que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (Insaes). O projeto visa criar uma entidade para avaliar e regular as faculdades no País. Cunha avisou que o tema só retornará à pauta se a presidente Dilma Rousseff solicitar a urgência formalmente. A votação era um pedido do ministro.