Principal programa de combate e prevenção ao uso de drogas do governo Dilma Rousseff, o Crack, é Possível Vencer alcançou apenas três das 18 metas estabelecidas para seus primeiros três anos e só atende a 2,2% dos municípios. O levantamento foi feito pelo Observatório do Crack, ONG que reúne pesquisadores da Confederação Nacional dos Municípios, com base em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios, o Siafem.

Segundo o estudo, o programa federal priorizou as cidades com mais de 200 mil habitantes, deixando de lado as de pequeno e médio portes - as mais comuns no país. O trabalho também ressalta a interiorização da droga, o surgimento de cracolândias fora de metrópoles e um atendimento limitado na rede pública de saúde.

Dos R$ 4 bilhões anunciados por Dilma em 2011 para atender ao Crack, é possível vencer, só a metade foi efetivamente executada. Segundo a ONG, o governo empenhou R$ 3,5 bilhões no programa, mas pagou apenas R$ 1,9 bilhão. Dos 308 consultórios de rua previstos para estar funcionando até dezembro, só 123 entraram em atividade. Já dos 175 Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas 24 horas, só 59 existem. Por fim, dos 3.600 leitos especializados prometidos, 800 existem.

De acordo com a ONG, apenas 144 cidades do pais têm mais de 200 mil habitantes e estão aptas a usufruir de todas as ações do programa. Desse total, 121 assinaram parceria, mas pelo menos 21 ainda não receberam verbas. O Ceará é o estado com mais cidades à espera: 90. O Crack, é Possível Vencer foi lançado pela presidente como uma aposta contra a epidemia da droga. As três metas atingidas foram: capacitação de profissionais de psiquiatria, aumento do efetivo da Polícia Rodoviária Federal e criação de vagas em residencias em saúde, aponta o estudo.

ministério da justiça sai em defesa

Para a pesquisadora Mariana Barreto, que enviou questionários a 5.563 municípios e recolheu respostas de 3.950 deles, o programa mostra fragilidade ao não contemplar cidades menores. Um total de 98% dos municípios pesquisados tiveram ocorrências com crack:

- O governo impôs uma política pública sem que ela fosse discutida e sem conhecer a realidade das cidades. É como se o problema não existisse nesses locais.

Pelo levantamento da ONG, cidades como Paraty, Itatiaia, Duque de Caxias, Iguaba, Macaé e Santo Antônio de Pádua, no Estado do Rio, já estão na faixa de "alto índice de consumo", mas nem todas têm rede de acolhimento. Morando desde janeiro em um abrigo mantido por uma igreja evangélica em Saquarema, na Região dos Lagos, L., de 37 anos, tenta se livrar da droga pela segunda vez e diz que encontrou dificuldades para receber atendimento público de saúde. O garçom conta que passou quatro dias consumindo drogas nas cidades vizinhas a Saquarema, onde a oferta de entorpecentes e álcool seria farta. Só depois disso decidiu se internar:

- Apanhei muito na rua. E só encontrei abrigo aqui, na casa de recuperação.

No Ceará, os investimentos previstos pelo programa eram de R$ 111,8 milhões até dezembro. Dentre as ações que deveriam ter sido executadas, estavam a qualificação dos seis Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas de Fortaleza, que passariam a atender 24 horas, a criação de três novos consultórios de rua e a instalação de seis bases de monitoramento policial em ônibus. Por R$ 12 milhões, entre 2013 e 2014, o Ceará ganhou suas seis bases, mas, hoje em dia, três estão paradas, e três funcionam parcialmente, em Fortaleza. Em Caucaia, Maracanaú e Juazeiro do Norte, cidades com alto consumo de crack, as prefeituras aguardam que o Ministério da Justiça instale pontos com câmera de videomonitoramento para que as unidades móveis possam funcionar.

Em nota, o ministério defende o programa. Destaca que "existem diversas ações dentro das políticas públicas de Saúde, Assistência Social e Justiça (política sobre drogas e segurança pública) que contemplam todos os municípios brasileiros". Também informa que, "com redes de atenção e proteção básica, unidades de saúde e de assistência social, os ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social fazem investimentos em todo o Brasil". O texto ainda afirma que foram formados, por meio de cursos à distância, profissionais para a prevenção e o tratamento da dependência química em mais de 4.100 municípios. "Portanto, todos têm suporte do governo federal para a política sobre drogas." Por fim, o ministério nega atrasos nos repasses do Crack, é Possível Vencer. 

 

Bandos invadem Minha Casa Minha Vida no RS

 

Cidadãos que demoraram décadas para ter a casa própria estão sendo expulsos por traficantes em conjuntos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida no Rio Grande do Sul. Segundo informação do Ministério da Justiça, em cinco condomínios há denúncia sobre a ação de quadrilhas de traficantes contra a paz de moradores.

Todos os condomínios são da "Faixa 1" do programa federal, destinado a atender famílias com renda de até R$ 1,6 mil mensais. Quatro deles ficam no bairro Restinga, no extremo Sul de Porto Alegre: Jardim do Paraíso, Recanto do Guerreiro, Ana Paula e Camila. Neles, o objetivo dos traficantes é ter privacidade para fazer seus negócios.

Como os conjuntos habitacionais são fechados, o acesso da Polícia ao local só pode ser feito mediante denúncia, mas os moradores vivem em clima de terror.

Segundo a Polícia Civil, uma média de 15 ocorrências é registrada todos os meses nos condomínios da Restinga. São ameaças, roubos e furtos - todos ligados ao tráfico. A titular da 16ª Delegacia da capital, Shanna Hartz, reconhece que o combate aos traficantes é muito difícil.

- Já realizamos diversas operações nos condomínios, com prisões e apreensão de armas e drogas, mas os crimes voltam a ser praticados por outros bandidos que logo assumem o comando do tráfico. A polícia entra por um lado, e eles fogem pelo outro. É um combate complicado.

Shanna enxerga espaço para subnotificação e acha que o número de ocorrências real é pelo menos três vezes maior do que as denúncias que recebe. Há um ano- conta a delegada - uma moradora teve sua casa invadida e ainda não conseguiu recuperar o imóvel. A família precisou se mudar da região e está sob proteção policial. Até os dois cachorros da casa foram mortos - a facadas.

As áreas de lazer dos condomínios, como churrasqueiras e salões de festas, foram completamente destruídas pelos criminosos. Os vidros estão quebrados, e e esses espaços acabaram cobertos por pichação.

- Jogar bola, andar de skate... Nada disso pode aqui se você não quiser perder um filho para o tráfico. Eles invadem as casas. Tem tiroteio de dia, de noite. O tráfico é liberado na parte de dentro do condomínio. Essa é a realidade - contou um morador do condomínio Camila que também está sob proteção policial.

Quem ainda não foi expulso tem que conviver com toque de recolher e pagar imposto aos traficantes. Segundo a delegada, alguns dos condomínios se transformaram em "presídios" de onde os moradores só podem sair para trabalhar.

A Brigada Militar informou que, em 2014, fez 58 prisões nos quatro conjuntos da Restinga. O comandante do 21° Batalhão de Policiamento da Capital, coronel José Henrique Gomes Botelho, destaca que a segurança dentro dos condomínios não é de responsabilidade da brigada e que só pode atuar neles se for demandado.

- É uma área privada. Tem portão de acesso. Quando somos chamados, entramos. Mas não podemos fazer patrulhamento lá em hipótese nenhuma.

Segundo o Ministério da Justiça, há 108 denúncias formais em todo o país relatando pressão de traficantes contra moradores de conjuntos do programa Minha Casa Minha Vida. O governo alega que o problema é agravado porque os condomínios da "faixa 1" geralmente são construídos em áreas de vulnerabilidade social - escolhidas pelas prefeituras.

- Seria necessário acompanhar todo o processo para reduzir ou até evitar conflitos dessa natureza. Mas, apesar dos registros preocupantes, não há relação com o programa, que é um sucesso. Problemas de relacionamento existem até em condomínios de luxo - justificou a titular da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Regina Miki.