Questões para refletir

A experiência do ministro do Supremo José Antônio Dias Toffoli de, no Tribunal Superior Eleitoral, presidir as últimas eleições o fez defender algumas mudanças nas campanhas que merecem ser discutidas.

Há mesmo aspectos a serem aperfeiçoados, entre eles a extensão da campanha, muito longa com os seus 90 dias, possível de ser reduzida, segundo proposta de Toffoli, para 45, um mês e meio. O custo para políticos, partidos e contribuinte — que paga o chamado “horário gratuito” e banca o fundo partidário — seria menor. Sem prejuízo da difusão das mensagens dos candidatos.

O ano de eleições gerais termina sendo muito curto, mais ainda quando algum candidato à reeleição em cargo majoritário resolve usar suas prerrogativas para antecipar a campanha. Lula e Dilma fizeram isso. O Congresso, aponta Toffoli, fica seis meses paralisado, e a própria máquina pública nos governos estaduais e federal entra em marcha lenta à espera da definição de quem será o próximo chefe do Executivo. Uma campanha mais curta minimiza a distorção.

A própria forma dos programas de TV seria alterada. O ministro, com razão, mira nas trucagens, nos efeitos especiais que se tornaram a marca da propaganda eleitoral eletrônica.

Com a evolução tecnológica dos meios digitais, na prática deixou de haver limites para a criatividade dos marqueteiros. A última eleição que o diga. E foi assim que a realidade e a verdade se tornaram vítimas do dito moderno marketing político-eleitoral.

Tanto melhor se o tempo que for suprimido para marqueteiros venderem fantasias vier a ser preenchido pela defesa de propostas e debates, de preferência ao vivo. A eliminação de artifícios digitais nos programas também ajudará a cortar custos de campanha. Por sinal, o “programa gratuito” é o mais elevado item de gastos nas eleições.

É sempre preciso cuidado quando se aborda essa questão, porque existe uma intervenção excessiva da Justiça eleitoral na forma como a imprensa acompanha as eleições, em especial os meios eletrônicos concedidos pelo poder público. Existe a concessão devido a motivos técnicos, para que as ondas de transmissão de imagem e som não interfiram entre si. Mas essa tecnicalidade costuma ser entendida na Justiça como licença para que juízes tentem interferir no conteúdo do que é veiculado. Essa peculiaridade técnica não pode justificar avanços sobre a liberdade de imprensa e de manifestação, direito garantido pela Carta. Por isso, a ideia, já defendida por Toffoli, de a Justiça eleitoral coibir “ataques” entre candidatos entra numa zona cinzenta.

A depender de como seja estabelecida essa proibição, a liberdade de expressão poderá ser suprimida, um ato inconstitucional. Por óbvio, os aperfeiçoamentos não podem limitar o choque entre candidatos. Os que se sentirem ofendidos têm à disposição os mecanismos usuais do estado de direito para se defender e cobrar reparos. Essa agenda aborda pontos delicados, mas precisa ser enfrentada.

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Outra opinião

Síndrome de Pollyanna

Rodrigo Meyer Bornholdt*

No mundo de Pollyanna, todas as pessoas são boas e o mundo é o melhor possível. Basta que se saiba cativá-las, dialogar com elas e descobrir o melhor de cada uma. Quando se vê numa situação vexatória ou humilhante, joga o “jogo do contente”, que procura tirar o melhor de cada situação: trancafiada num sótão, fica feliz por poder ver os passarinhos. Adotar essa atitude em face de problemas e de casos concretos pode ser sinônimo de fuga da realidade, de visão imatura ou distorcida — a síndrome de Pollyanna.

A nova orientação do Tribunal Superior Eleitoral parece caminhar nesse sentido. Desde que os partidos apresentem apenas suas propostas e a propaganda seja propositiva, a campanha seria mais elevada e ganharia a democracia. Porém, para que uma democracia seja vitoriosa, não é importante que uma campanha seja verdadeira, que vá na profundeza das coisas, que investigue os perfis de quem se apresenta para dirigir os destinos da nação? Ora, propaganda eleitoral nada mais é do que o amplo exercício da liberdade de expressão pelos partidos e candidatos. Como já pacificado na Suprema Corte americana, no Tribunal Constitucional Federal alemão e no próprio Supremo Tribunal Federal, a liberdade de expressão é constitutiva da democracia e goza de especial preferência quando trata de manifestar uma dissidência ou de expor uma crítica áspera ao trato da coisa pública. Quando do conflito com o direito à honra em questões eleitorais, referem os alemães existir uma “superpresunção” em favor da liberdade de expressão.

O argumento do TSE não convence. O fato de a propaganda ser custeada com os impostos dos brasileiros não é motivo para que retrate apenas propostas. Longe disso, o compromisso da propaganda deve ser também com a busca da verdade, inclusive sobre aspectos pessoais dos candidatos. Havendo prevalência do direito à honra, concede-se o direito de resposta e cassa-se a propaganda específica.

Dizem que não caberia ao eleitor conhecer características pessoais do candidato. Será? Não é importante saber como a(o) presidente reagiria num momento de pressão, por exemplo, diante de manifestações populares, de uma tentativa de golpe de Estado, da chantagem de um congressista ou de uma invasão estrangeira? Como se comporta em face de uma imprensa crítica? Mandará a PF invadir a Redação de um jornal, como fez Collor em seu mandato?

Quando o eleitor tem previamente filtrado por um tribunal aquilo a que ele deve assistir, esmaece o sentido da democracia. Oxalá o TSE, com o alto grau de formação e conhecimento de seus ministros, reveja com urgência essa insólita jurisprudência sobre propaganda eleitoral. Sob pena de os eleitores, tal como Pollyanna para fugir da realidade, terem que jogar o “jogo do contente”, numa democracia e num estado de direito de fachada.

*Rodrigo Meyer Bornholdt é advogado