SÃO PAULO E CURITIBA

A polêmica em torno da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, ganhou novo capítulo ontem com mais um depoimento do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. À Justiça Federal do Paraná, Costa confirmou ter recebido suborno e insinuou que todos os diretores da estatal também levaram vantagem indevida para aprovar a negociação. Numa sala em que também estava Nestor Cerveró, ex-diretor da área Internacional da estatal e responsável pelo contrato em questão, Costa não mediu palavras ao ser questionado pelo juiz Sérgio Moro sobre se havia sido o único dos diretores da Petrobras a receber dinheiro por fora para fechar o contrato da refinaria americana.

- Se eu recebi, outros receberam. Por que só eu receberia (propina)? - devolveu Costa.

Em seu depoimento, o ex-diretor de Abastecimento também confirmou o papel de Fernando Soares, o Fernando Baiano, no esquema de corrupção. Segundo Costa, ele e Baiano, apontado como lobista do PMDB, encontraram-se diversas vezes, mas sempre para negociar o recebimento de propinas. O ex-diretor destacou que nunca teve discussões técnicas sobre contratos, questões de engenharia ou qualquer outra situação que justificasse a atuação de Baiano como consultor. E ainda disse que, depois de ter sido apresentado ao lobista por Cerveró, na sede da Petrobras, foi a Liechtenstein, na Europa, na companhia de Baiano, para abrir uma conta em que seriam depositadas as propinas. De acordo com Costa, os dois estiveram no Vilartes Bank e foram auxiliados por representantes da instituição.

O delator destacou que recebeu vantagens indevidas encaminhadas por Baiano para ajudar na aprovação da compra de Pasadena, mas não deu detalhes sobre quem estaria por trás das negociações que levaram o governo brasileiro a pagar US$ 1,3 bilhão pela refinaria - três vezes a mais do que seu valor de mercado.

- Eu fui procurado, possivelmente no final de 2005, pelo Fernando Soares, e ele falou que era importante que essa refinaria fosse adquirida. Que, na realidade, para a Petrobras, era importante. Na minha visão como técnico, independente de qualquer desvio de dinheiro, no momento, foi um bom negócio. Ele me procurou e disse: "Paulo, era bom que isso fosse aprovado. E, se você não criar nenhum problema aí na diretoria colegiada, você vai receber um determinado valor", que foi US$ 1,5 milhão - contou Costa.

Advogados de Cerveró rebatem

Em outro trecho de seu depoimento, o ex-diretor de Abastecimento voltou a dizer que a propina era dividida entre operadores, diretores e partidos políticos, e afirmou que 2% do valor dos contratos de sua área eram desviados para o PT.

- Essas empresas do cartel que formaram esses consórcios pagavam valores para serem distribuídos a partidos políticos, para serem distribuídos aos operadores e para serem distribuídos para alguns dos diretores da Petrobras. Normalmente, a área de Abastecimento ficava com 1% do valor do contrato, e 2% ficavam para a área de Serviços e eram indicados (encaminhados) para o PT - disse Costa.

O ex-diretor também contou que debateu com Baiano projetos futuros que poderiam ser feitos pela Petrobras e que beneficiariam uma empresa espanhola que era representada por ele. Costa disse, porém, que nunca contratou essa empresa na área de Abastecimento.

Por fim, o ex-diretor falou ainda sobre a contratação de dois navios-sonda da Samsung pela Petrobras e disse que era praxe que o grupo técnico da área Internacional apresentasse o projeto à diretoria executiva. Segundo Costa, foi essa instância que aprovou as contratações, pois a Petrobras precisava dos equipamentos. Nesse momento, seguindo uma tradição, foram indicados preços máximos e mínimos de mercado e, inclusive, a possibilidade de compra de um equipamento novo, construído exclusivamente para a empresa.

Ontem foi o último dia de depoimentos das testemunhas de acusação na Lava-Jato, num processo específico sobre operações na área Internacional. Por duas semanas, em processos diferentes, Moro ouviu empreiteiros, consultores, ex-funcionários da estatal e agentes públicos, além do doleiro Alberto Youssef, um dos pivôs do esquema.

Na condição de réu, acusado de ter recebido US$ 30 milhões em propinas pela compra de dois navios-sonda, entre 2005 e 2006, Cerveró acompanhou ontem os depoimentos ao lado de seus advogados e recebeu do juiz Sérgio Moro uma autorização para ter tratamento psiquiátrico dentro da carceragem da Polícia Federal. Nas últimas semanas, segundo seus médicos, Cerveró apresentou um quadro de depressão.

No momento em que Costa sugeriu que todos os diretores da estatal teriam recebido propina para aprovar a compra de Pasadena, os advogados de Cerveró protestaram, afirmando que a pergunta não se limitava ao conteúdo do processo, que tratava sobre o pagamento de propina para Cerveró na aquisição de navios-sonda para a Petrobras.

- Quem decide sobre a pertinência é o juízo. O juízo entende que a verdade deve ser buscada dentro do processo - respondeu Moro.

A defesa de Baiano tentou, na noite de anteontem, anular a audiência da Justiça Federal, recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF). Antes da audiência, defensores do lobista e representantes do Ministério Público Federal bateram boca. Um dos procuradores chegou a afirmar que os advogados de Baiano faziam "chicana" para atrapalhar o andamento do processo.

Na terça-feira, O GLOBO publicou uma reportagem afirmando que Costa havia se reunido com um representante da empresa Arxo, de Santa Catarina, um dia antes de ser preso. A empresa é acusada pelo Ministério Público Federal de pagar propina para obter contratos na BR Distribuidora. Ontem os advogados de Costa negaram que ele tivesse feito isso, afirmando que não houve encontro com a Arxo.

_________________________________________________________________________________________________________________________

O funcionário que virou chefe

O advogado Hélio Madalena, do escritório Tessele y Madalena, foi assessor do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu quando ele era deputado federal. Ontem, na condição de novo chefe do petista, Madalena emitiu uma nota afirmando que as novas denúncias feitas contra Dirceu não vão prejudicar o emprego do funcionário- já condenado pelo mensalão. Nos depoimentos que prestou à Justiça Federal como parte das investigações da Operação Lava-Jato, o doleiro Alberto Youssef acusou o ex-ministro de ter participado do esquema de corrupção da Petrobras. Segundo Youssef, Dirceu era um dos responsáveis por receber dinheiro desviado de contratos da estatal para abastecer o caixa do PT. Anteontem, o ex-ministro negou qualquer envolvimento no caso.

"Como advogados, entendemos que o vazamento seletivo de informações sigilosas em uma investigação em andamento para citar uma ou outra personalidade, sem a devida contextualização, não pode e não deve ser parâmetro para avaliação pessoal ou profissional, seja de quem for", destacou, por meio de uma nota, o advogado Hélio Madalena, que aparece sentado, atrás de Dirceu, nas imagens do depoimento que o petista prestou no Conselho de Ética da Câmara em 2005, por conta do mensalão.

Segundo lembrou Madalena, o Estado democrático de Direito reserva a qualquer pessoa o direito de resposta, o direito ao contraditório e o direito à presunção de inocência. De acordo com os depoimentos de Youssef, Dirceu sabia que o PT recebia propinas oriundas de empreiteiras.

O ex-ministro começou no novo emprego no último dia 26. Sua jornada de trabalho é de 44 horas semanais, e seu salário, de R$ 4 mil por mês. Na função de assistente administrativo do escritório, ele executará serviços de apoio, atenderá a fornecedores e também a clientes. O contrato de experiência firmado por ele tem validade de 45 dias.

Dirceu estava no regime semiaberto e passou à prisão domiciliar no fim do ano passado, depois de cumprir um sexto da pena. Ontem, ele saiu da casa onde mora no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, por volta das 9h40m. Vinte minutos depois, já estava no escritório de advocacia, que funciona num edifício situado a menos de 500 metros da sede da Polícia Federal na capital.

Depois que passou ao regime de prisão domiciliar, Dirceu deveria informar à Justiça que estava exercendo "trabalho honesto no prazo de três meses ou justificar suas atividades", segundo despacho da Vara de Execuções Penais (VEP) da capital. No dia 29, a defesa de Dirceu comunicou à VEP que ele tinha um novo emprego e remeteu ao órgão uma cópia da carteira de trabalho e do contrato. Antes do Tessele y Madalena, Dirceu esteve lotado no escritório do também advogado José Gerardo Grossi, também como assistente.