O Estado do Rio apreende a cada 60 minutos uma criança ou adolescente por infração criminal. Ano passado, o número de jovens infratores levados ao Ministério Público ou ao Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Novo Degase), quase 8,4 mil, triplicou em relação a 2010. Levantamento do Novo Degase mostra que a ligação com o tráfico de drogas é responsável por 41% desses recolhimentos; a prática de roubos e furtos, por outros 41%. Com variações de indicadores e de perfil das infrações, essa é uma realidade que, seguramente, se repete em outros estados.

Em si, são dados assustadores. E eles se agravam ainda mais num país em que vigora uma legislação promulgada com objetivos distintos do que a realidade revela. Na verdade, está no próprio escopo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o conjunto de regras que estabelece as relações do Estado e da sociedade com os menores de idade, uma chave, das mais emblemáticas, para desvendar a razão de a curva que registra o envolvimento dos jovens com o crime permanecer em alta exponencial.

Em vigor desde meados de 1990, o ECA foi legado ao país com o ambicioso propósito de ser um instrumento para a proteção integral de crianças e adolescentes. Mas, quase 25 anos depois de criada, a lei revelou-se incapaz de fazer o poder público cumprir obrigações no resguardo de jovens infratores. E, pelo excesso de paternalismo, tornou-se anteparo para um cada vez maior número de menores de idade que se bandeiam em direção ao crime.

A inócua garantia de proteção e recuperação de menores infratores se reflete no tamanho da leniência do poder público. O artigo 88 do ECA garante a integração operacional de órgãos do Judiciário, do MP, da Defensoria Pública e da Segurança em centros que agilizem o atendimento inicial ao infrator, passo imprescindível para a reinserção social. Pelo menos no Rio, um quarto de século não foi tempo suficiente para que esse organismo de um mundo ideal saísse do papel.

Já a liberalidade do ECA se mede pelas preocupantes estatísticas de apreensões. O Estatuto é pródigo em listar direitos de menores de idade, mas parco em lhes cobrar responsabilidades. Em razão disso, é cada vez maior o número de jovens menores de 18 anos — mas em idade suficiente para ter consciência de seus atos — que, envolvidos em crimes violentos, ficam inalcançáveis pela Justiça.

Quando muito, recebem pequenas punições, cumpridas as quais ficam livres para reincidir em crimes, cada vez mais graves pelo estímulo de uma legislação que destoa da vida real. O país precisa ter a coragem de contemplar mudanças cruciais, como a redução do limite de inimputabilidade, de modo a adequar o ECA aos novos tempos. É debate que exclui paixão e ideologias, à luz dos interesses de toda a sociedade.