"Maioria revolucionária, maioria qualificada. Por acaso, aprovada!" Às 14h41 de ontem (16h11 em Brasília), o líder da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, gritou a frase com entusiasmo. Era a senha para que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, recebesse os superpoderes para governar por decreto até 31 de dezembro, sem a necessidade de consultar o Legislativo. A chamada Lei Habilitante Anti-Imperialista foi aprovada pelos membros do Partido Socialista Unido da Venezuela (Psuv), após pedido do mandatário para "legislar pela paz e pela soberania". 

Maduro defendeu a medida em resposta a uma ordem executiva assinada pelo homólogo norte-americano, na qual Barack Obama classifica a Venezuela de ameaça incomum e extraordinária à segurança dos Estados Unidos e impõe sanções a sete autoridades do regime bolivariano. Após ser oficialmente notificado por Cabello da aprovação da lei, Maduro anunciou que publicará uma carta a Obama no jornal The New York Times, na qual promete exigir, em nome da moral do povo de Bolívar, que o americano derrogue o decreto. 

Na tarde de ontem, Maduro visitou a Assembleia Nacional e recebeu de Cabello um folheto com o detalhamento da concessão de poderes em matéria de defesa e de assuntos externos. Pouco depois, uniu-se à multidão, do lado de fora da sede do Legislativo, em uma marcha contra os EUA. Parlamentares da oposição e cientistas políticos temem que a Lei Habilitante Anti-Imperialista possa aprofundar a repressão e ameaçar os pilares da democracia. 

Para José Vicente Carrasquero Aumaitre, cientista político da Universidad Simón Bolívar (em Caracas), esse tipo de legislação se converteu numa forma de governo para o chavismo. Pouco acostumados às técnicas democráticas, preferem delegar a autoridade legislativa ao presidente. A ação de Obama se converte em simples desculpa para fazer o uso do poder de governar por decreto. Outro objetivo é criar temas de agenda pública para esconder os problemas enfrentados pelos venezuelanos, afirmou ao Correio. Ele alertou que a polarização política atingiu o ponto máximo. Isso se explica pelas demonstrações de força feitas pelo governo, por meio de programas de televisão e da mobilização das Forças Armadas, acrescentou Aumaitre.

Sem equilíbrio
Cientista política da Universidad de Carabobo (em Valência) e investigadora da área de democracia, María Isabel Puerta prevê o aprofundamento da confrontação interna, não somente com os EUA, mas também com a oposição, acusada pelo governo de cúmplice do império. Um cenário, segundo ela, muito perigoso para a ordem constitucional. A situação é crítica, ante a ausência de equilíbrio de poderes. Com a Lei Habilitante Anti-Imperialista, teremos o Executivo legislando para seu próprio projeto político, explicou à reportagem. Não tenho dúvidas de que a repressão vai se agudizar. Tudo vai depender da maturidade dos atores políticos para a crise ser superada sem necessidade de mais violência.

Por meio do perfil no Twitter, Henrique Capriles um dos principais nomes da oposição na Venezuela, ao lado de Leopoldo López (leia abaixo) reagiu com ironia à aprovação da medida pela Assembleia Nacional. Essa nova (lei) habilitante vai resolver os problemas? Fará com que a inflação diminua? Acabará com a escassez? Alimentará os venezuelanos?, questionou. É muito pedir que Nicolás se levante cedo e trabalhe um domingo para resolver a escassez e a insegurança, e promover a produção nacional?

Deputados da bancada da oposição demonstraram indignação e preocupação com o futuro, ante o respaldo do parlamento a Maduro. Essa lei é um perigo para a democracia e para as liberdades, desabafou Walter Márquez, do partido Movimento ao Socialismo. Ele lembrou que a Lei Habilitante Especial de 2013 não resolveu a chamada guerra econômica. A legislação não vai resolver a questão da confrontação e da violência, prevê. Ele acusa o Psuv de lançar mão de uma artimanha para ocultar os graves problemas do país, incluindo a crise da escassez de alimentos, a insegurança jurídica, a desvalorização da moeda e a alta da inflação. Eduardo Marín, do partido Primero Justicia, crê que Maduro usará a obtenção de superpoderes para suspender as eleições parlamentares, no segundo semestre. 

Ferramenta chavista
Esta é a segunda vez que a Assembleia Nacional permite a Nicolás Maduro governar por decreto. Em 19 de novembro de 2013, a maioria chavista do Legislativo concedeu amplos poderes ao presidente, que apresentou o projeto para combater a corrupção e a sabotagem da burguesia. Na época, Maduro justificou a necessidade de ter superpoderes para enfrentar o que chamou de guerra econômica imposta por empresários opositores, que seriam os responsáveis pela escassez de produtos básicos e pela disparada da inflação. O expediente foi usado quatro vezes, entre 1999 e 2010, por seu antecessor e mentor, Hugo Chávez. 

O que pensam deputados da oposição

 

 (Reprodução)

 

Walter Márquez,
deputado pelo partido Movimento ao Socialismo


"A Lei Habilitante Especial é um jogo do governo, além de ser atentatória à democracia. Isso porque o presidente passa a ter faculdades de reformar qualquer lei, de maneira genérica. Não se especifica qual legislação. Essa lei é desnecessária, pois não estamos enfrentando uma guerra diplomática, não existe ameaça militar. O presidente Nicolás Maduro vai reformar a lei penal, criar novos delitos e aumentar a repressão."
 

 (Reprodução)


Eduardo José Marín,
deputado pelo partido Primero Justicia
 
"Essa lei vai causar maior repressão nos setores que se opõem ao governo. A Venezuela não tem nenhuma capacidade militar para afrontar uma guerra com algum país. O que temos é um governo opressivo, que vai utilizar essa lei para tratar de assumir posições mais estritas em relação a investigações e para acusar pessoas de traição à pátria. Essa lei pode trazer mais instabilidade social e mais conflitos políticos." 
 

 (Reprodução)


Angel Medina Devis,
deputado pelo Primero Justicia

"A Lei Habilitante oferece competências absolutamente gerais ao presidente da República, sejam elas administrativas ou não. O presidente poderá legislar em matéria penal, o que é absolutamente perigoso. Maduro poderá definir sobre delitos e sobre punições. Ele também poderá decretar um estado de exceção. No marco da polarização, essa lei outorga superpoderes ao presidente e é algo muito perigoso. Vai contra o processo democrático."