A proposta do distritão na reforma eleitoral que a Câmara começará a debater depois do Carnaval, ao mesmo tempo em que parece ter a preferência de uma maioria que vai se consolidando entre os parlamentares, tem adversários, especialmente entre os estudiosos de sistemas eleitorais como o cientista político Jairo Nicolau, professo da UFRJ.

Ele caracteriza a substituição do atual modelo de representação proporcional, no qual os votos dos candidatos de um mesmo partido ou coligação são somados, por um em que os mais votados são eleitos por seus votos individuais como sendo um modelo em que “todos concorreriam contra todos”. Nicolau teme que este modelo, que ele considera o pior de todos existentes, radicalize dois problemas do sistema representativo brasileiro: o hiper-individualismo, e a hiper-fragmentação.

“Os partidos terão o papel apenas de escolher os candidatos, particularmente os bons de voto, para concorrer. As campanhas serão um território sem nenhuma solidariedade e coordenação entre os partidos, no qual cada nome pede voto para si, sabendo que terá que ultrapassar os milhares de concorrentes”, prevê.

A probabilidade de atrair quadros não formados nas legendas é bem maior que no atual sistema, avalia o cientista político. “Sem contar que este sistema tenderá a sobre-representar candidatos das áreas mais populosas e provavelmente elevará os gastos; quanto mais competitiva, mais os candidatos tendem a gastar.

Jairo Nicolau diz que o sistema atual já é tão personalizado que é difícil os eleitores entenderem que votam na verdade em uma lista. “Por isso, a transferência de votos de um puxador (seja ele o Jean Willis ou Enéas) para outros nomes espanta tanto”. No distritão haveria um problema contrário, na visão de Nicolau: a incapacidade de os partidos coordenarem seus votos. “Imagina um líder sindical popular simplesmente “sugando” os votos de outros sindicalistas menos conhecidos da chapa. O partido não pode pedir para os eleitores não concentrarem seus votos neste nome. Isto acontecia no Japão e era uma dor de cabeça para os dirigentes.”

Jairo ressalta que atualmente o distritão não é usado em nenhuma democracia tradicional. Os únicos países que o utilizam são a Jordânia e o Afeganistão, cita depreciativamente. O sistema, usado no Japão pós-guerra, foi abandonado após os escândalos no começo da década de 1990. “Diversos estudiosos apontaram o distritão japonês (e lá o país era recortados em pequenos distritos de até 5 representantes) com um dos principais responsáveis pelo clientelismo, pela corrupção eleitoral e pela fragilidade dos partidos.

O modelo de representação proporcional utilizado no Brasil, definido na Constituição, este ano faz 70 anos, foi usado pela primeira vez na disputa de 1945. O ex-deputado Alfredo Sirkis, que participou da comissão que fez a proposta de reforma eleitoral que será a base das discussões, acha que o distritão “ liquida definitivamente os partidos como instrumento ideológico-programático e consagra-os como são na política brasileira: ferramentas de participação em eleições e na ocupação de "espaços" de poder nas quais o personagem central é o político, e a política vista como uma carreira profissional”.

Ele diz que, embora sempre tenha se colocado contra essa visão da política, admite que hoje “os partidos programáticos/ideológicos dos anos 80 como o PT e o PV (e outros da esquerda) foram fagocitados pela cultura política brasileira (o PT como tragédia e o PV como farsa). Então reconheço que o distritão é pelo menos uma forma de assumir a política brasileira como ela é: altamente personalizada”.

Sirkis acha, porém, que “não é evidente” que o "distritão", embora seja o sistema que a opinião pública melhor absorva, por entrarem os mais votados e descartar as "caronas de legenda", consiga prevalecer. “Ele necessita de emenda constitucional e ferra o "baixo clero".”

De fato, estudos feitos pelo DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), com números das eleições de 2010 e 2014, mostram que os principais beneficiários, com o distritão e com o fim das coligações proporcionais, nas duas alternativas são os três maiores partidos: PT, PMDB e PSDB. Entre os partidos médios, PP, PR, PSB e PDT perderiam nos dois cenários;

O DEM ganharia com o Distritão e perderia com o fim das coligações, e o PTB empataria no Distritão e perderia com o fim das coligações. O PSOL ganharia com o Distritão. E perderiam nas duas hipóteses o PT do B, o PHS, o PRB, o PRB e o PSL.