Título: Meu filho e meu refém
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 24/07/2011, Brasil, p. 11
Relatos de sequestro internacional de crianças cresceram 150% de 2003 a 2010. A maioria de casos é de brasileiras que terminam união no exterior e voltam com os filhos ilegalmente para o país
A globalização, os casamentos feitos e desfeitos rapidamente, a crise financeira mundial. Não importa o motivo, o fato é que casos de sequestro internacional de crianças estão crescendo no Brasil. De 2003, quando a Advocacia-Geral da União (AGU) começou a atuar em processos dessa natureza, a 2010, foram 218 ações judiciais, das quais 65 (30%) só no ano passado. O perfil mais comum é da mãe brasileira que, depois de dissolver uma união lá fora com um estrangeiro, retorna ao país trazendo os filhos, sem o consentimento do ex-cônjuge ou descumprindo decisão judicial referente à guarda. Embora haja uma convenção internacional ratificada por pelo menos 88 países que determina a resolução dos imbróglios em seis semanas (leia quadro), a morosidade da Justiça brasileira ainda é um entrave, redundando em prejuízos para a criança.
"A legislação internacional e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, uma lei nacional, determinam que os processos judiciais envolvendo crianças e adolescentes têm prioridade na tramitação, mas os casos levam no mínimo dois anos. Tenho um caso de 2006 ainda sem decisão. Enquanto isso, as três crianças envolvidas ficam no limbo", reclama o advogado Marcos Duarte, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família no Ceará e autor da única obra jurídica no Brasil sobre o tema, lançada em maio. A AGU informa que a inexistência de um procedimento próprio para os casos faz com que eles caiam no rito ordinário da Justiça. "Há algum tempo discute-se a possibilidade de apresentação de um projeto de lei que melhor discipline a questão", destaca o órgão, em nota.
Entre os países com mais ações de sequestro internacional de crianças resolvidas pelas autoridades brasileiras estão a Itália, a Argentina e os EUA. Para a AGU, além das diferenças culturais e das dificuldades de adaptação em países estrangeiros, "o aumento no número de casos pode levar a crer que a crise econômica seja fator que influencie na decisão de retorno".
Especialista em direitos humanos, Bernardo de Lucena Guerra ressalta que todos os países signatários do instrumento internacional podem agir, independentemente da nacionalidade das partes. "Desconfiando que uma criança foi transferida ou retida no país ilicitamente, qualquer pessoa, instituição ou governo pode comunicar às autoridades competentes", diz.
Para Guerra, uma das principais contribuições da convenção internacional, além do retorno da criança ao país de residência habitual, se assim for decidido, é disciplinar a guarda e resguardar o direito de visita do cônjuge que não puder viver em companhia da criança. Em uma primeira análise, pode-se chegar a um consenso em âmbito administrativo. Mas, quando não há acordo, as ações são encaminhadas à Justiça para uma decisão final. Depois, é a Justiça de onde a criança residirá em definitivo que estabelecerá questões como pensão alimentícia e dia de visita. Para Gladys Maluf Chamma, especialista em direito de família, o problema só tende a crescer. "O mundo ficou pequeno. As pessoas se casam mais com gente de outras nacionalidades e, quando as uniões acabam, elas querem simplesmente voltar ao país de origem", afirma a advogada.
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