Renan dá o troco no Planalto

No mesmo dia em que o procurador-geral da RepúblicaRodrigo Janot, entregou no Supremo Tribunal Federal a lista dos investigados na Operação Lava-Jato — na qual deve constar o nome do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) —, o peemedebista afrontou mais uma vez o Palácio do Planalto e devolveu a medida provisória, editada na semana passada, que altera as alíquotas de desoneração da folha de pagamentos. Renan já havia surpreendido o governo ao se recusar a participar, na segundafeira, de um jantar com a presidente Dilma Rousseff. 
É a terceira vez, desde 1989, que o Congresso devolve uma medida provisória enviada pelo Executivo. Para não demonstrar ainda mais fraqueza política, a presidente Dilma assinou, na noite de ontem, um projeto de lei com urgência constitucional retomando os termos da MP devolvida por Renan. “O projeto de lei prevê a mudança nas alíquotas das desonerações 90 dias a partir da publicação, a chamada noventena. Isso significa que a substituição da MP pelo projeto de lei não trará prejuízo para o ajuste fiscal pretendido pelo governo federal”, afirmou a nota encaminhada pela Secretaria de Imprensa do Planalto. 
Na verdade, o projeto altera o prazo para implantação das medidas, já que a proposta prevê mudanças nas alíquotas de desonerações em 90 dias a partir da sanção e publicação do projeto, em caso de aprovação. Pela MP, o prazo seria de 90 dias a partir da última sextafeira, quando havia sido publicada. Se a recusa de Renan em jantar com a presidente Dilma surpreendera o Planalto e até correligionários, o gesto de ontem provocou revolta. “Isso é chantagem pura”, disse um petista. Aliados de Dilma não sabem até onde o presidente do Senado quer chegar. “Ele está revoltado porque não vai recuperar o comando da Transpetro, encerrando a blindagem que ele tem na subsidiária da Petrobras que considerava sua”, afirmou um parlamentar do PT.
O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), apelou para o bom senso do presidente do Senado, afirmando que o momento é difícil e que, tanto na política quanto na economia, os sinais emitidos pelos governantes são importantes. “Não ajuda a emissão de sinais e expectativas negativas”, ponderou. 
Renan disse que telefonou para o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para justificar a decisão. Além da irritação pela MP ter sido editada sem consulta ao Congresso, o presidente do Senado afirma que assuntos tributários não devem ser tratados por medida provisória. “Eu disse a ele que ajustes fiscais são feitos dentro de um processo de concertação nacional. E que, como não é o caso atual, o Congresso não pode compactuar com isso.”

“Viés autoritário”

O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), classificou a decisão acertada e pedagógica, que “coloca o Congresso no lugar que deve estar, como parceiro nas decisões econômicas”. O tucano afirmou que “uma das causas do caos na economia é exatamente o viés autoritário do governo de tomar decisões unilaterais. Triste o país que tem um Poder Executivo que manda sozinho, como foi nos últimos anos”, atacou Aécio. 
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) tentou fazer com que Renan voltasse atrás. “Não é porque o presidente do Senado está com ressentimento da presidente Dilma que deve devolver a MP. Se um partido está com problemas com o governo, deve resolver isso politicamente.” Renan retrucou. “O senhor não está lendo minhas motivações de forma correta, criar impostos é prerrogativa do Congresso”, devolveu. 
Os petistas se revezavam nos apelos, em vão. “O senhor mesmo disse, em 2005, que o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), não poderia devolver uma MP”, lembrou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). “Disse que não podia porque ele não era integrante da Mesa Diretora do Congresso. Qualquer integrante da Mesa Diretora do Congresso pode”, rebateu o peemedebista. 
A devolução da MP, às vésperas das visitas dos representantes das agências de classificação de risco Standard & Poor’s e Fitch Ratings ao Brasil, aumenta as preocupações em relação ao possível rebaixamento da nota do país, porque dificulta a execução do ajuste fiscal e o cumprimento da meta de superavit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) prometida pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Na avaliação da economista Monica Baumgarten de Bolle, diretora da consultoria Galanto/MBB, de Washington, devolução da MP é, no mínimo, inoportuna. “Contudo, reflete as dificuldades que o governo tem enfrentado na articulação política com o PMDB.”

ENCONTRO COM LÍDERES
» DANIELA GARCIA 
Em um esforço para sinalizar maior disposição de articulação com o Congresso, a presidente Dilma Rousseff deve receber os líderes da base aliada na Câmara e no Senado na manhã de hoje em uma reunião para discutir a relação e avaliar os cenários econômico e político. 
Na próxima semana, Dilma e sua equipe econômica devem reabrir as discussões com os aliados sobre o índice de correção da tabela do Imposto de Renda. No fim de janeiro, a presidente vetou o projeto do Congresso de fixar em 6,5% o Imposto de Renda. “A proposta levaria à renúncia fiscal na ordem de R$ 7 bilhões, sem vir acompanhada da devida estimativa de impacto orçamentário- financeiro, violando o disposto no artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal”, justificou o governo, no texto publicado no Diário Oficial. 
A orientação dada pela equipe econômica foi que a presidente vetasse o artigo e depois editasse outra medida voltando à correção original, de 4,5%. O percentual corrige as faixas de salário sobre as quais incidem o imposto. Assim, quanto maior a correção, menor o IR pago pelo trabalhador. Sem a decisão, o imposto que será retido na fonte em janeiro ainda será pela antiga tabela, a que vigorou em 2014, o que obrigará os empregadores a compensarem o imposto nos próximos salários de seus funcionários. O Planalto já havia sinalizado que enviaria uma medida provisória estabelecendo o índice em 4,5% , mas agora vai ouvir as demandas dos parlamentares. O veto começa a trancar a pauta a partir desta semana. 
Segundo o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), a presidente Dilma vai manter um maior diálogo com a base neste segundo mandato. O parlamentar afirmou que a partir de agora os líderes serão consultados antes de o Executivo enviar medidas provisórias ou propostas ao Congresso. 

FREIO NAS FUSÕES PARTIDÁRIAS
» JOÃO BOSCO LACERDA 
O Senado aprovou na noite de ontem o Projeto de Lei Complementar nº 4/2015, que dificulta a fusão entre partidos políticos. A proposição teve forte apoio do PMDB, uma vez que impede manobra do ministro das Cidades, Gilberto Kassab, que poderia esvaziar a bancada do partido. O projeto segue agora para sanção presidencial. O projeto foi apreciada em regime de urgência no plenário do Senado, como primeira votação da pauta. 
De acordo com o texto, os partidos agora têm que esperar cinco anos a partir do momento do registro de seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para se unirem a outras legendas. Parlamentares de partidos não envolvidos nas fusões terão 30 dias para se mudarem à nova legenda. No entanto, essa movimentação não contará para o calculo do Fundo Partidário e do tempo gratuito de rádio e tevê, como já acontece em casos de mudanças para partidos recémcriados desde outubro de 2013. 
A medida dificulta os planos de Gilberto Kassab, que pretendia recriar o Partido Liberal e usá-lo para atrair parlamentares de outras legendas, com o objetivo de fundilo ao PSD. O projeto também torna mais complexa a Rede Sustentabilidade de Marina Silva, pois não permite a contabilização de assinaturas de filiados a outros partidos nos cálculos para registro no TSE, apesar de manter a exigência de apoio de 0,5% dos votos válidos na última eleição para a Câmara dos Deputados, em um total de 485 mil assinaturas.