BRASÍLIA
A devolução do dinheiro desviado pelo ex-gerente de Engenharia da Petrobras Pedro José Barusco Filho pode demorar mais do que acreditavam autoridades da Operação Lava-Jato, por dificuldades de ordem jurídica. Uma delas é a investigação criminal que Barusco enfrenta na Suíça. O motivo: o pagamento de propina pela SBM, empresa holandesa de afretamento de navios, a agentes públicos em diversos países, entre eles o Brasil.
Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, a investigação criminal não inviabiliza completamente a repatriação do dinheiro, mas pode dificultá-la. Autoridades suíças poderiam manter o bloqueio do dinheiro até a conclusão das investigações criminais, mesmo que Barusco já tenha autorizado por escrito a devolução do dinheiro aos cofres públicos no Brasil.
No acordo de delação premiada, Barusco se comprometeu a restituir US$ 67 milhões (cerca de R$ 187 milhões pelo câmbio de hoje) que recebeu de propina no escândalo na Petrobras. Mas, pelos cálculos dos procuradores, o valor a ser restituído pelo ex-gerente da estatal podem superar os US$ 100 milhões (R$ 280 milhões).
A informação sobre as investigações contra Barusco na Suíça consta de um dos depoimentos que ele prestou à Polícia Federal. Barusco confessou ter recebido aproximadamente US$ 22 milhões de propina da SBM, conforme revelou O GLOBO em novembro. Depois de descrever um pagamento de propina de US$ 15 milhões ao ex-diretor de Serviços Renato Duque, Barusco falou sobre o dinheiro que enviou para bancos suíços.
Ao todo, 19 contas na Suíça
No interrogatório, Barusco também confessou que mantém 19 contas em bancos suíços, algumas já bloqueadas pela Justiça do país, mas outras ainda ativas. E mencionou o processo que responde na Suíça por ter recebido propina da holandesa SBM.
Ele disse ainda que o pagamento de propina na Petrobras era "endêmico". Pela cultura de corrupção que teria sido institucionalizada na empresa, segundo ele, o suborno corresponderia, de forma sistemática, de 1% a 2% do valor dos contratos.
O documento assinado por Barusco diz que ele se comprometeu a apresentar "uma planilha detalhando as combinações e divisões de propina para si e para Renato Duque, dentre outros envolvidos".
O ex-gerente apontou o pagamento de propina em 90 contratos da Petrobras com empreiteiras e empresas de afretamento de navios. Segundo ele, parte desse dinheiro - um valor entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões - teria sido destinada ao PT.
Desse total, ainda segundo o ex-gerente, US$ 50 milhões teriam passado pelas mãos do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. O tesoureiro e a direção do partido negaram envolvimento com o esquema de propina denunciado por Barusco. O ex-gerente de Engenharia é considerado pelos procuradores da força-tarefa da Lava-Jato como uma das grandes surpresas da investigação.
Com receio de ser descoberto e preso, Barusco se apresentou aos procuradores, confessou uma série de crimes e se dispôs a devolver a fortuna de mais de US$ 67 milhões.
As revelações do ex-gerente, consideradas tão impactantes quanto as do ex-diretor Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, levaram a Polícia Federal e o Ministério Publico Federal a abrir uma nova frente de investigação. Semana passada, só com base em parte das informações de Barusco, a PF promoveu a Operação My Way, nona etapa da Lava-Jato, numa tentativa de fechar o cerco sobre os chamados operadores da propina, pessoas acusadas de movimentar o dinheiro da corrupção.
Lava-Jato terá novas etapas
A operação deverá ter novos desdobramentos. Para um dos investigadores, os "operadores" da propina vão, mais cedo ou mais tarde, indicar nomes de outras pessoas que receberam propina e que, até o momento, não foram mencionadas na investigação.
Os procuradores também estão tentando repatriar parte do dinheiro que Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, assumiu ter recebido a partir de fraudes em contratos de empreiteiras com a Petrobras. Só da Odebrecht, ele disse ter recebido US$ 23 milhões (R$ 64 milhões). A Odebrecht nega ter oferecido qualquer vantagem ao ex-diretor.
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Delator diz que cartel começou nos anos 1990, mas ganhou força em 2004
SÃO PAULO
O delator Augusto Ribeiro de Mendonça, da Setal Engenharia, reforçou em depoimento à Justiça que o "Clube das Empreiteiras" foi formado nos anos 1990, mas ganhou força com a chegada dos ex-diretores Paulo Roberto Costa (Abastecimento) e Renato Duque (Engenharia) ao topo da hierarquia da Petrobras, já em 2004. Mendonça disse ainda que, com a saída dos dois, o cartel perdeu a "interlocução" dentro da estatal.
Em depoimento na segunda-feira no processo da Galvão Engenharia, Mendonça disse que o cartel foi criado inicialmente para proteger nove empresas do setor. Ele explicou que o acordo inicial era para evitar a concorrência entre elas em disputas de contratos da Petrobras.
"Na ocasião (nos anos 1990) eram nove companhias que tinham o compromisso de não competir, cada uma escolhia uma determinada obra e, quando chegasse a vez daquela companhia, as outras se comprometiam a submeter preços superiores", explicou ele.
Com a chegada de Duque e Costa à diretoria da Petrobras, segundo Mendonça, a relação mudou. Os dois diretores teriam exigido a ampliação do clube com empreiteiras indicadas por eles mesmos. Assim, em 2004 o clube passou a ter 16 empreiteiras. Além de Mendonça, prestaram depoimento no processo da Galvão Engenharia o também delator Julio Camargo, consultor de Toyo-Setal e Camargo Corrêa; Meire Poza, ex-contadora do doleiro Alberto Youssef; o laranja Leonardo Meirelles; e o delegado da PF Marcio Anselmo.
"A partir do fim de 2003, começo de 2004, esse grupo (de empreiteiras) conseguiu fazer um acordo com os diretores da Petrobras na área de Abastecimento e de Serviços, Paulo Roberto Costa e Renato Duque", afirmou Mendonça ao juiz federal Sérgio Moro.
O embrião do cartel, que pode ter desviado R$ 10 bilhões da Petrobras, segundo estimativas do Ministério Público Federal, surgiu em meio a uma crise do setor. Os empresários se reuniram por meio da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) e realizaram grupos de trabalho para criar métodos de se proteger e conseguir ganhar contratos na estatal.
Ex-gerente denunciou Abemi
Na última segunda-feira, foi divulgado um vídeo em que o ex-gerente jurídico da estatal Fernando de Castro Sá detalha como a Abemi influenciava nos contratos da empresa.
Segundo ele, a Abemi determinava alterações de normas contratuais da estatal, gerando a elevação de custos da obra, já constatada por órgãos oficiais e pela própria estatal.
"A minuta que tinha que ser elaborada pelo jurídico e aprovada pela diretora passou a ter que ter o crivo da Abemi", afirmou Castro Sá, que, assim como a ex-gerente Venina da Fonseca, foi afastado da Diretoria de Abastecimento após apontar irregularidades.
Augusto Mendonça disse ainda que, com a saída de Duque e Costa entre 2011 e 2012, o cartel deixou de funcionar. O delator afirmou que com a nova diretoria, à época comandada por Graça Foster, "não houve mais interlocução".
O executivo Julio Camargo também voltou a repetir declarações já prestadas à Justiça. Disse que o pagamento de propinas na Petrobras "era a regra do jogo, um compromisso de confiança entre as partes, um compromisso institucionalizado". Camargo disse que repassou propinas para duas diretorias da Petrobras, Abastecimento, então sob comando de Paulo Roberto Costa, e Engenharia e Serviços, dirigida por Renato Duque, por meio de empresas offshore.
"Era sempre em nome de offshores, cujo beneficiário eu não sabia quem era. Identifiquei uma conta só, do sr. Renato Duque, porque eu auxiliei na abertura da conta no mesmo banco onde eu tinha conta. Houve uma transferência da minha conta para a conta dele", disse em referência a uma conta criada na Itália para o ex-diretor da Petrobras.