SÃO PAULO e RIO

O mau humor dos investidores em relação ao Brasil contribuiu para que o dólar comercial atingisse ontem a maior cotação em mais de dez anos e o risco-país voltasse a subir. A moeda americana fechou em alta de 2,08% frente ao real, a R$ 2,836. Esse é o maior valor de fechamento desde os R$ 2,837 registrados em 8 de novembro de 2004. Segundo especialistas, a falta de maior atuação do Banco Central (BC) reforça a tendência de alta para a divisa. Já o Ibovespa, principal índice do mercado acionário local, caiu 1,77%, aos 48.510 pontos.

O dólar comercial é referência nas operações de comércio exterior. Para quem vai viajar, o que importa é o dólar turismo, que já ultrapassa os R$ 3 em algumas casas de câmbio. Na Cotação, que atua em diversos estados, a moeda era vendida a R$ 3,05968. Na Western Union, em Copacabana, era cotada a R$ 3,01, e na Ultramar, no Centro do Rio, a R$ 2,96.

- A tendência é de alta. E isso espanta muito o cliente - disse Adelino Gonçalves, supervisor da Western Union.

MAIOR PERCEPÇÃO DE RISCO

O avanço da moeda americana está relacionado tanto a fatores externos, como a crise na Grécia e a expectativa sobre a alta de juros nos Estados Unidos, quanto a internos. Ontem, no entanto, pesaram mais os problemas locais: a incerteza sobre o ajuste fiscal, que deve encontrar resistência no Congresso, a desaceleração da economia e a inflação em alta. Além disso, o governo sinalizou que não irá mais intervir no câmbio, deixando a moeda flutuar.

- O Banco Central está deixando nas mãos do mercado a procura de um novo nível para a taxa de câmbio. Os investidores estão bem pessimistas. Agora o mercado acha que o céu é o limite - disse Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da Treviso Corretora.

No fim de janeiro, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou que o governo não deixaria o câmbio artificialmente valorizado. Foi o primeiro passo para o dólar subir. A cada semana, segundo operadores, são testados novos patamares. A atuação do BC está limitada à oferta da "ração diária" de US$ 100 milhões e à rolagem dos contratos de Swap (equivalente a uma oferta de moeda).

E não é só o dólar que avança. É maior também a percepção de risco do investidor em relação ao Brasil. Os Credit default swaps (CDS, espécie de seguro para quem investe em papéis da dívida brasileira) de cinco anos subiram 5,86% ontem, para 235 pontos - no ano, a alta é de 16,83%. Já os CDS de dez anos avançam, no ano, 12,48%. Outro indicador que também reflete o risco maior é o Emerging Markets Bond Index Plus (Embi ), do JPMorgan, que passou ontem de 293 para 302 pontos.

- A atividade está ruim, e há restrição energética e hídrica, além dos efeitos potencialmente negativos da Operação Lava-Jato. Isso causa um mau humor com o Brasil - disse Rodolfo Oliveira, economista da Tendências Consultoria.

Para Mauro Rochlin, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o dólar só não atingiu uma cotação ainda maior devido à Taxa Selic, que está em 12,25% ao ano. O juro elevado acaba atraindo investidores estrangeiros ou, no mínimo, limitando a saída de recursos.

INDÚSTRIA CONSIDERA ALTA BEM-VINDA

Para a indústria, a alta da moeda americana é bem-vinda e positiva, pois ajudará a recuperar a competitividade perdida nos últimos anos, período em que o real esteve sobrevalorizado. Thomaz Zanotto, diretor do departamento de Comércio Exterior da Fiesp, considera que um dólar de "equilíbrio" seria em torno de R$ 3. Além de poupar reservas, um dólar próximo desse patamar também ajudaria a balança comercial, cujo segmento de manufaturados registrou, nos últimos dois anos, déficit superior a US$ 100 bilhões.

Mais tarde, porém, deve haver impacto negativo para os setores que dependem de insumos importados, explica Guilherme Mercês, gerente de Economia e Estatística da Firjan:

- Neste início de ano, a indústria enfrenta aumento da carga tributária, alta de juros e a possibilidade de escassez de dois insumos básicos, água e energia. O aumento do dólar é uma espécie de gota d'água.

Economistas ressaltam, porém, que a debilidade da economia brasileira deve amortecer os impactos da alta do dólar. Com o desempenho do país abaixo de seu potencial, há pouca margem para repassar ainda mais custos ao consumidor, explicam, o que forçará indústria e comércio a equilibrarem despesas.

- O impacto da alta do dólar na inflação brasileira será menor que o registrado em outros momentos - disse Mercês.

Carlos Thadeu de Freitas, consultor econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC), concorda:

- A valorização do dólar traz pressão inflacionária. Mas, com a fraqueza da economia, ela acaba sendo atenuada. Não há como repassar alta de custos.

Os supermercados terão de negociar para manter os preços. Mas, se a escalada do dólar persistir, os reajustes serão inevitáveis, explica Rodrigo Mariano, do departamento de Economia e Pesquisa da Associação Paulista de Supermercados.

No turismo ainda não há registro de queda nas vendas de pacotes em dólar, segundo a Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav). Leonel Rossi, vice-presidente de Relações Internacionais da entidade, diz que o problema está na oscilação do câmbio: quando a moeda se estabiliza, mesmo em patamar elevado, o turista pode se programar.

- Este ano será difícil e de ajustes. Só chegaremos a 2016 em posição melhor se não nos furtarmos a fazer as reformas necessárias, como a fiscal, para retomar o crescimento - afirmou Mercês.