CURITIBA e SÃO PAULO

O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa afirmou em delação premiada que a Odebrecht, uma das empresas investigadas por suspeita de participar do cartel da estatal, depositou em contas abertas em seu nome no exterior pelo menos US$ 31,5 milhões, entre 2008 e 2013. Segundo ele, os depósitos foram sugeridos pela própria empreiteira, a título de "política de bom relacionamento", e foram feitos por meio do operador Bernardo Schiller Freiburghaus, da Diagonal Investimentos, um dos 11 investigados na nona fase da Operação Lava-Jato, deflagrada na semana passada.

Costa contou que a operação para recebimento no exterior teria sido proposta por Rogério Araújo, diretor de engenharia da empreiteira. Segundo o ex-dirigente, a construtora pretendia beneficiá-lo sem precisar da intermediação de políticos. "Você é muito tolo, ajuda mais aos outros do que a si mesmo. E em relação aos políticos que você ajuda, na hora em que precisar, alguns deles vão te virar as costas", teria lhe aconselhado Araújo.

O ex-diretor disse que tinha reuniões bimestrais com Freiburghaus na sede da Diagonal Investimentos, no Rio, para verificar depósitos e investimentos em seu nome. Ele citou contratos da Odebrecht com a Petrobras em que acredita ter ocorrido pagamento de propina: a construção de plataformas de águas rasas na Bahia, em 2012, que ocorreu sem licitação; e o aluguel de plataformas no exterior, onde cobra-se até US$ 600 mil por diária de exploração terceirizada. Com prazo de duração prevista entre cinco e dez anos, esses contratos costumam ser prorrogados por meio de aditivos.

Tanto o ex-diretor quanto o doleiro Alberto Youssef citaram em depoimento outro contrato da construtura, de 2010, com suspeita de pagamento de propina. Trata-se da prestação de serviços na área de segurança, meio ambiente e saúde do trabalhador em todas as unidades da estatal, ao custo de US$ 800 milhões. A proposta teria sido apresentada à estatal pelo diretor da área internacional, Jorge Zelada, e aprovada pela Diretoria Executiva. Mais tarde, na condição de presidente da empresa, Graça Foster teria mandado rever o contrato e reduzir o valor para US$ 400 milhões.

"repudia as acusações"

Por meio de nota, a Odebrecht negou ter feito depósito em conta de "qualquer político, executivo ou ex-executivo da estatal" e disse que todos os contratos seguiram a Lei de Licitações Públicas. Classificou as alegações como "caluniosas" e alegou que a redução do valor do contrato de US$ 800 milhões pela metade teria ocorrido em consequência da diminuição do seu escopo.

Em outro depoimento, também tornado público ontem, Youssef disse que os sócios majoritários da construtora Camargo Corrêa, Carlos Pires e Luiz Nascimento, genros do falecido fundador da empresa, Sebastião Camargo, teriam sido informados sobre o pagamento de propina para obtenção de contratos. Youssef relatou que 1% do contrato da Refinaria Abreu e Lima, vencido por consórcio liderado pela Camargo, teria sido pago a agentes políticos e operadores, entre eles o próprio Youssef.

"Os acionistas majoritários da Camargo teriam concordado com esta comissão, o que foi dito ao declarante por Eduardo Leite, Dalton (Avancini) e João Auler, os quais mencionavam precisar de autorização dos acionistas para a realização dos repasses", disse Youssef, mencionando os executivos da Camargo que foram presos na Lava-Jato. O doleiro disse, ainda, que repasses atrasavam por falta de anuência dos acionistas. Ele detalhou o pagamento de propina nos contratos da Abreu e Lima: ora eram realizados por meio de fornecedores regulares do consórcio, ora por notas fiscais de empresas fictícias.

Por nota, a Camargo Corrêa disse que "repudia as acusações sem comprovação" e alegou ter prestado informações às autoridades para "demonstrar que as acusações são improcedentes".

____________________________________________________________________________________________________________________

Ex-diretor deve, mas nega R$ 5 milhões 

No auge da ansiedade dos dois primeiros meses que passou na carceragem da PF em Curitiba, quando nem imaginava que seria entregaria à Justiça a fortuna amealhada num esquema de corrupção, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa assinou um contrato prometendo pagar R$ 5 milhões ao criminalista Fernando Augusto Fernandes, se ele conseguisse tirá-lo da prisão. Costa teve a liberdade por 24 dias, mas voltou à carceragem da PF, de onde só saiu para a prisão domiciliar com o acordo de delação premiada. Agora, após trocar de advogado duas vezes, tenta anular, na Justiça, o contrato de Fernandes, que cobra o valor prometido. A cifra é igual à da multa que Costa terá de pagar para se beneficiar da delação.

O processo de Costa contra seu primeiro defensor na Operação Lava-Jato, informado pelo colunista do GLOBO Ancelmo Gois, foi aberto em janeiro pelo advogado da família dele, Raphael Montenegro, com pedido de sigilo. Na ação, obtida pelo GLOBO, o advogado conta que Fernandes exalava otimismo, mas se esquivava da discussão de honorários com a família. Passados 45 dias sem sucesso, Marici, mulher de Costa, foi à casa de Fernandes, num sábado, comunicar que iria trocá-lo pelo criminalista Nélio Machado. Na segunda-feira seguinte, Fernandes visitou Costa de manhã, na carceragem, e saiu da PF com o contrato assinado.

Uma das cláusulas prevê o pagamento de R$ 5 milhões, se o trabalho do advogado levasse à decisão "precária ou definitiva" do STF, revogando a prisão. Na argumentação, Montenegro diz que Fernandes "fabricou um contrato oportunista" com a promessa de liberdade, aproveitando-se do "quadro de depressão profunda" do cliente. E alega que a nova prisão invalidou o acordo.

A ação de Fernandes contra Costa, também obtida pelo GLOBO, tem versão diferente: conta que o acordo foi feito verbalmente, "olho no olho", após a prisão, num banheiro da PF. A alta soma serviria para a contratação de assistentes e pareceres de juristas.

Costa aceitou, dizendo-se "homem de palavra". Ao comunicar a intenção da família de afastá-lo do caso, Fernandes diz que Costa pediu que ele continuasse e só formalizou o acordo, lendo com calma e assinando o contrato "sem o mínimo resquício de dúvida". Ele anexou ao processo mensagens que trocava com a família de Costa pelo celular. Numa delas, uma das filhas agradece pela soltura do pai. Ainda assim, Fernandes diz ter levado calote, sem receber um centavo.