VITÓRIA E RIO

Um dia após o acidente com o navio-plataforma FPSO Cidade São Mateus, que matou cinco pessoas, deixou 26 feridos e quatro desaparecidos no Espírito Santo, crescem as suspeitas de irregularidades na operação da embarcação. A plataforma é afretada pela Petrobras, mas operada pela norueguesa BW Offshore.

O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo (Crea-ES) informou que a empresa norueguesa atuava de forma irregular no estado porque não tinha registro. De acordo com o órgão, esta é uma condição obrigatória para empresas de outro estado ou país exercerem seu trabalho. A empresa opera no Espírito Santo desde 2009.

Segundo o gerente de fiscalização do Crea-ES, José Adilson de Oliveira, a BW Offshore deve ser notificada e multada. Ele cita a Lei 5194/66, que rege o conselho, e diz que o contrato entre a Petrobras e a prestadora de serviço pode ser considerado nulo pela falta de registro. Outra irregularidade citada pelo Crea-ES é que a norueguesa não consta da lista de prestadoras de serviços informada pela Petrobras. Procuradas, BW Offshore e Petrobras não comentaram.

As empresas também deverão prestar esclarecimentos quanto aos vínculos trabalhistas. O Ministério Público do Trabalho (MPT) do Espírito Santo abriu ontem inquérito civil para apurar irregularidades trabalhistas. Entre os feridos graves, há um filipino identificado apenas como Bernardes. BW Offshore e Petrobras não confirmaram os pedidos de informação do GLOBO sobre a regularidade e o total de estrangeiros embarcados. Em Vitória, Benito Ciriza, vice-presidente de Projetos da BW Offshore, confirmou a presença de estrangeiros, mas não informou suas nacionalidades. Segundo o MPT, o inquérito terá três linhas de atuação: verificar a adequação das condições de trabalho da plataforma; investigar a legalidade das contratações e a existência de estrangeiros e a legalidade deles.

plataforma de até us$ 1,2 bilhão

O procurador Bruno Gomes Borges da Fonseca, responsável pelo inquérito, pediu uma perícia técnica na plataforma e deu prazo de 15 dias para que as empresas apresentem a documentação dos funcionários. Será necessário analisar o tipo de visto e o registro no Ministério do Trabalho de estrangeiros. Há também um pedido de informações sobre fiscalizações que ocorreram na embarcação.

- Já pedimos uma perícia técnica independente da entrega dos documentos.

Em outra frente, o Ministério do Trabalho está montando uma equipe de especialistas para investigar o acidente. A equipe deve chegar ao local após o carnaval.

- Diante das proporções do acidente, optamos por montar uma equipe nacional. Estamos fazendo a seleção dos auditores fiscais - disse o superintendente substituto do Trabalho no Espírito Santo, Alcimar Candeias.

Trata-se do mais grave acidente em plataformas desde 2001, quando a P-36 sofreu duas explosões, o que resultou na morte de 11 pessoas.

A Agência Nacional do Petróleo (ANP) abriu um processo administrativo contra a Petrobras para investigar as causas do acidente. Segundo a agência, o processo administrativo é movido contra a operadora do campo - ou seja, a Petrobras.

Segundo fontes do mercado, a plataforma FPSO Cidade São Mateus tem valor estimado entre US$ 1 bilhão e US$ 1,2 bilhão. A Petrobras tem ainda outras embarcações afretadas da BW, como o Cidade São Vicente e um navio-plataforma no Golfo do México. A empresa norueguesa BW Offshore é uma subsidiária do BW Group. O nome BW vem de Bergesen Worldwide, fusão após a compra, há pouco mais de uma década, da Bergesen (norueguesa) pela Worldwide (Hong Kong).

Ontem, os corpos dos cinco trabalhadores mortos no acidente chegaram por volta de 19h30m no aeroporto de Vitória e foram levados ao IML, onde serão periciados. Segundo a ANP, a parcela submersa do casco foi totalmente inspecionada e encontra-se íntegra.

Um dos sobreviventes relatou momentos de horror. Ele contou a um cunhado que foram registradas duas explosões na plataforma. Mas, as autoridades afirmam ter registro de apenas uma.

- Teve uma explosão, que foi controlada. Quando ele foi almoçar, ocorreu a segunda. Ele estava dentro do elevador, indo para o refeitório. Ele ficou 1h40m preso no elevador, com a água subindo - contou Alexandre Tavares, cunhado de Diego Chaves, um dos feridos no acidente.

Chaves está internado com um corte na cabeça, outro nas costas e com as duas pernas quebradas. Ele contou ao cunhado que o elevador despencou com a segunda explosão.

Segundo a Marinha, o navio foi periciado em 3 de abril de 2014 por inspetores da Capitania dos Portos do Espírito Santo. A vistoria encontrou 12 deficiências, que, segundo a Marinha, foram sanadas em 28 de maio de 2014. No dia seguinte, a embarcação recebeu a Declaração de Conformidade para Operação da Plataforma. Em nota, a Marinha afirmou que as deficiências anotadas na perícia não indicavam problemas em relação aos equipamentos e sistemas de segurança da casa de bombas da unidade, onde teve origem o acidente.

Segundo Mirta Rosa Chieppe, vice-coordenadora do Sindicato dos Petroleiros, a escada que dá acesso ao local está comprometida, o que dificultou a locomoção de peritos. A Marinha usou ontem três navios e três aeronaves, com um efetivo de 400 militares no resgate.

Segundo Ciriza, que chegou ontem a Vitória para acompanhar as investigações, não há mais trabalhadores a bordo. Foram mantidos três tripulantes numa embarcação próxima para monitorar o navio à distância. Especialistas indicados pela empresa devem fazer uma avaliação técnica:

- Foi uma explosão forte, que parou a produção. Os estragos ainda estão sendo quantificados. As notícias que tivemos foram de uma explosão na casa de bombas, que está praticamente abaixo da acomodação, perto de onde as pessoas ficam, e também perto da praça de máquinas.

Ciriza destacou que os nomes das vítimas não serão divulgados pela empresa em respeito aos familiares.

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Famílias de desaparecidos vivem momentos de apreensão e angústia  

Vitória

Na porta do hotel onde estão parentes e amigos das vítimas do acidente no navio-plataforma FPSO Cidade São Mateus, na Praia de Camburi, em Vitória, o clima é de tristeza e apreensão. Psicólogos, médicos e assistentes sociais fazem plantão no local. Uma UTI móvel também está à disposição. A maioria das pessoas ligadas às vítimas se recusa a conversar com a imprensa. Quem se dispõe a falar, como Alex Mateus, cujo pai, o supervisor de manutenção da plataforma Alexandro de Sousa Ribeiro, está entre os quatro desaparecidos, demonstra angústia, tristeza e apreensão:

- A única informação que a gente teve da empresa foi a de que ele estava entre os desaparecidos. O resto ficamos sabendo pela televisão. Ele estava de férias, embarcou ontem e, infelizmente, veio a ocorrer o acidente à tarde. Depois que ele chegou lá, entrou em contato com a gente, disse que estava tudo tranquilo, como em um dia normal, e a informação que a gente teve à noite, da empresa, foi a de que ele estava entre os desaparecidos.

Quem conseguiu se salvar comemora, mas se solidariza com as vítimas e suas famílias. O técnico de manutenção Diego Donateli desembarcou no porto de Capuaba, em Vila Velha, na Grande Vitória, na noite de quarta-feira, após ser resgatado. Ao encontrar com parentes, demonstrou alívio e emoção:

- Foi uma situação de emergência, e a gente conseguiu sair ileso. Mas alguns colegas não conseguiram.

Já o instrutor de segurança no trabalho Luiz Carlos dos Santos Filho, de 36 anos, escapou de ser mais uma vítima da explosão no navio-plataforma porque recebeu um telefonema informando sobre o adiamento de seu embarque.

Santos Filho iria embarcar às 9h de quarta-feira com o objetivo de treinar os funcionários para resgate em espaço confinado.

- A empresa ligou no dia 10 informando que o embarque tinha sido adiado. No dia 11, o dia da explosão, o coordenador operacional mandou um e-mail confirmando o adiamento do embarque - contou.

O profissional disse ainda que, após a explosão, recebeu uma ligação do coordenador:

- "Luiz, você acredita em Deus?" Respondi que sim, claro. E ele disse: "Pois é, a plataforma que você ia trabalhar teve um explosão com vítimas". Cheguei a ficar branco. Tenho família, filho pequeno.