Dois episódios recentes, ocorridos no Rio com intervalo de poucos dias, dão bem a medida da dissonância entre a legislação antidrogas e a realidade do país. Refletem também a maneira dúbia como a lei tem sido aplicada, especialmente no que diz respeito à forma como as autoridades lidam com a questão dos usuários.

Num caso, um casal foi preso por cultivar pés de maconha num apartamento no Humaitá, para consumo próprio; no outro, desembargadores da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio concederam habeas corpus a um homem que, preso com pouco mais de 40 gramas de crack, fora indiciado por tráfico.

No caso específico do homem indiciado por ter sido flagrado com crack, os magistrados sugeriram que o poder público adote uma nova política contra as drogas, de escopo menos criminalizante. Uma saudável novidade no Judiciário, uma sinalização para os legisladores.

Os dois episódios são exemplos de como é crucial que o país passe a tratar a questão das drogas por outro viés, que não a usual, pelos seus aspectos criminais.

Esse flagelo abriga um drama social, derivado principalmente do comércio ilegal de entorpecentes, controlado a ferro e fogo por quadrilhas do crime organizado.

Seus efeitos mais visíveis são a violência de uma criminalidade em alta — em razão de o vício cultural de se reduzir a questão a um caso de polícia — e as distorções na abordagem do problema dos consumidores contumazes, em geral carentes de tratamento médico e não de punições determinadas pela lei.

Nos dois episódios, a lei não serviu para resolver dúvidas quanto ao tratamento a ser dado a pessoas envolvidas com drogas. Isso é emblemático sinal de que o país não tem base legal suficiente para aplicar punições pelo uso dessas substâncias, sem o risco de cometer injustiças.

E há, ainda, o avanço deletério do Estado sobre liberdades e opções individuais. Ao se criminalizar o que está na órbita da saúde pública, invade-se um espaço privado e não se administra o que importa, o vício.

Isso decorre da dubiedade da lei. O Brasil admitiu que a legislação sobre drogas está inadequada quando, em 2006, abrandou os dispositivos que tratam da questão do consumo e procurou distinguir o usuário do traficante.

Foi um passo positivo, mas ainda insuficiente para dar respaldo legal a uma nova abordagem do problema, uma vez que o texto não determina a quantidade de substância que distingue um do outro, um estímulo ao juízo subjetivo do delegado e, pior, do policial na rua.

Fato é que, em diversos países, iniciativas mais antenadas com a realidade, como a descriminalização do consumo e a adoção de políticas de redução de danos, com ações no âmbito da saúde pública, têm melhorado os indicadores sobre as drogas.

O Brasil precisa se alinhar com essas novas abordagens na luta contra este flagelo.


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Se a moda pega

 

Parabéns aos policiais pela prisão, por tráfico de drogas, de um professor que cultivava nada menos que cinquenta pés de maconha em sua residência. Quadro que se agrava pela nobreza de sua profissão, composta de profissionais formadores de opinião e vitais ao desenvolvimento do país. Cumpriram a lei e deram exemplo à sociedade. Imagina se a moda pega e todo mundo resolve plantar maconha em casa alegando ser para consumo próprio?

Pesquisas mostram que a maconha é apenas a porta de entrada para outras drogas mais pesadas. Quem passa pela tristeza de ter um dependente de drogas na família pede força a Deus todos os dias para enfrentar uma difícil cruzada e tentar libertar seu ente querido desse mal. Não conheço nenhum pai ou mãe que tenha orgulho de dizer: “Meu filho é drogado!”

Se eu não quero para meus filhos, por que serei favorável para os filhos dos outros? A maconha é uma droga que traz danos permanentes à saúde, ao sistema nervoso, em especial se usada durante a adolescência.

Em muitas pessoas seus efeitos sequelantes são visíveis, tais como lentidão de raciocínio, dificuldade com a fala e desconcentração. Para a medicina, o uso da maconha potencializa doenças como ansiedade, depressão, esquizofrenia, bipolaridade e câncer.

Sua liberação ou legalização resultaria em efeitos desastrosos e irreversíveis na sociedade, nas famílias e, principalmente, no falimentar sistema de saúde brasileiro. E quem pagaria a conta? A maioria esmagadora de contribuintes que não fumam. A rede de saúde ficaria ainda mais assoberbada com o inexorável aumento do número de dependentes, estimulados pela facilidade de acesso. O álcool é a droga que mais mata exatamente porque é liberado.

Há os que evocam a legalização da maconha como instrumento para acabar com o tráfico de drogas. Inocentes úteis ou oportunistas! Do ponto de vista do mercado, com a alta carga tributária, os elevados custos trabalhistas e a péssima infraestrutura que assolam hoje toda a cadeia produtiva do Brasil, o preço final da maconha seria muito maior que o praticado atualmente, o que aumentaria a procura pela mercadoria mais barata no mercado paralelo. Além do mais, quem falou que traficante só vende maconha? Eles agradecem pela valorização da “carreira”!

Os benefícios de determinada substância extraída da Cannabis não se confundem com o uso terapêutico da maconha fumada. Tentar ludibriar a opinião pública com essa falácia é má-fé e atende a interesses menores, e não aos de pessoas doentes, que só conseguem melhorar seus quadros clínicos com o uso dessa substância. E, obviamente, ela não é administrada mediante o fumo.

Se a pessoa acredita que não sofre nenhuma sequela pelo uso da maconha, é porque nunca refletiu sobre como estaria muito melhor se não o fizesse. Quem diz não sou eu, é a medicina.