BRASÍLIA

Dois trechos da rede de gasodutos Gasene, que interliga o Sudeste ao Nordeste, serviram para pagamento de propina ao PT e a gestores da Petrobras, como consta em planilha entregue ao Ministério Público Federal (MPF) por um dos delatores do esquema de desvios da estatal, o ex-gerente Pedro Barusco. Conforme a tabela, a propina - no valor de R$ 6,3 milhões - foi paga a partir de três contratos.

O gasoduto foi construído por uma empresa de fachada, num modelo de sociedade de propósito específico (SPE) que dificultou a fiscalização por órgãos de controle e permitiu suposto superfaturamento superior a 1.800%, dispensas ilegais de licitação, pagamentos sem serviços prestados e ausência de projetos básicos, como O GLOBO revelou em série de reportagens publicadas em dezembro e janeiro. Outras quatro SPEs estruturadas pela Petrobras desenvolveram 15 projetos que resultaram em pagamento de propina, como consta na tabela entregue por Barusco.

As SPEs são estruturas previstas em lei, constituídas como empresas privadas para captação de recursos no mercado. Auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU), no entanto, apontaram um risco de "descontrole" na criação de SPEs pela Petrobras, que vem usando esse modelo para driblar a fiscalização por órgãos como TCU e Controladoria-Geral da União (CGU). O argumento recorrente da estatal é que os empreendimentos são privados e não deveriam ser objeto de fiscalização.

Desde a década de 90, a Petrobras criou 24 SPEs, responsáveis por investimentos de quase US$ 22 bilhões. Agora se sabe, por meio da delação de Barusco, que projetos decorrentes de cinco SPEs serviram para supostos pagamentos milionários a agentes públicos e ao PT. Os 15 projetos listados, dos 87 que constam na planilha, envolveram gastos de R$ 5,8 bilhões mais US$ 2,4 bilhões (R$ 6,7 bilhões, pela cotação do dólar de sexta-feira).

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Esquema contava com 7 operadores, diz delator   

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No caso do Gasene, o maior contrato apontado como fonte de propinas se refere ao trecho onde o TCU apontou superfaturamento superior a 1.800%. Segundo a planilha, um contrato de R$ 372,3 milhões com a Bueno Engenharia, referente ao trecho Cacimbas (ES)-Catu (BA), rendeu 0,5% de propina ao PT e 0,5% a gestores como Barusco e o ex-diretor de Serviços Renato Duque. O operador era Mario Goes, que teve prisão preventiva decretada. Outro contrato no trecho Cacimbas-Vitória rendeu 1% ao PT e 1% aos gestores. Esse era de R$ 94,4 milhões. Já um contrato com a EIT no trecho Cacimbas-Catu, no valor de R$ 83,5 milhões, rendeu 1% de propina aos gerentes. O operador teria sido Shinko Nakandakari.

A delação de Barusco mostra que as SPEs teriam sido um caminho fácil para o pagamento de propinas. Entre os operadores estão Júlio Camargo, consultor que firmou acordo de delação premiada, e Julio Faerman, que atuou no Brasil para a empresa holandesa SBM Offshore, suspeita de pagar propina para obter contratos de aluguel de plataformas de petróleo. Sete operadores são identificados na planilha como atuantes no esquema de contratos firmados por SPEs.

Essas estruturas paralelas faziam diretamente as contratações das empreiteiras para as obras. É comum, nesses casos, a dispensa de licitação. Para ministros do Tribunal de Contas da União, que vai deliberar sobre a constitucionalidade do modelo adotado por estatais e empresas públicas federais, boa parte dessas dispensas de concorrência é ilegal.

Contratos de R$ 1,4 bilhão

Outro gasoduto está na lista de Barusco: o Urucu-Manaus, com três contratos sob suspeita, no valor de R$ 1,4 bilhão. A forma como o gasoduto no Amazonas foi construído é semelhante ao modelo adotado para o Gasene.

A construção e o aluguel da unidade de hidrotratamento de diesel dentro da Refinaria Henrique Lage, em São José dos Campos, também couberam a uma SPE, a CDMPI. Três construtoras aparecem na planilha como responsáveis por um contrato de R$ 727,9 milhões. A reportagem do GLOBO enviou perguntas à Petrobras na tarde de sexta-feira. Não houve resposta até o fechamento.