Fernando Antônio Falcão Soares, o Fernando Baiano, foi o último do grupo a descer para o lobby do hotel, a caminho da estação de esqui. Estava impecavelmente trajado para o esporte na neve. A temporada no Chile alcançara-o no auge dos negócios com a Petrobras. Os amigos não estranharam. Sabiam que, até nos momentos de lazer, Baiano exibia método e precisão.

Na tradução para o português, a Hawk Eyes, empresa que Baiano criou em 2006, inspirado no sobrenome, para administrar os seus bens, é "Olhos de Falcão". O pássaro, da família das aves de rapina, destaca-se pelas garras afiadas e pela precisão na caça às presas, facilitada pelas asas finas e pontiagudas que o tornam um dos mais velozes em voo.

Levado a público pelas delações premiadas da Operação Lava-Jato, acusado de ser operador do PMDB no esquema, Baiano, aos 47 anos, cumpre agora uma temporada de quase três meses na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Divide a cela com um preso de 68 anos. Enquanto outros implicados no escândalo revelam o que sabem, Fernando fecha-se no seu silêncio. Seu advogado, crítico da delação premiada, prefere explorar as nulidades do processo. Aposta no erro dos adversários para livrar o cliente da condenação.

Do mundo externo, só restou a Baiano o contato periódico com o advogado, Nélio Machado, e com o irmão, Gustavo Soares, no parlatório da cadeia paranaense. A mulher foi aconselhada a ficar em casa, com os dois filhos pequenos. A família mora no imóvel que já foi considerado o mais caro do Rio: a cobertura do 22º andar do Edifício Vieira Souto, no condomínio Atlântico Sul, na orla da Barra da Tijuca. Comprada em conjunto com o investidor do mercado financeiro Marcos Duarte Santos, o Marcão, foi desmembrada posteriormente em dois apartamentos de 1,5 mil metros quadrados.

Até o dia em que os primeiros depoimentos da Lava-Jato vazaram, pouco se sabia sobre a carreira meteórica de Baiano na franja dos negócios da Petrobras. Apesar do apelido, Baiano nasceu em Maceió, Alagoas. Porém, o pai, Clóvis Soares, fez carreira na sede da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) em Salvador, chegando a ocupar a presidência da Associação dos Engenheiros do Leste Brasileiro.

Às autoridades, Baiano contou que representava fornecedores espanhóis junto à estatal, mas quem o viu crescer garante que o empurrão inicial foi dado pelo empresário carioca Jorge Luz, um dos mais antigos lobistas na Petrobras, cujo nome tem tangenciado o escândalo. Em documentos apreendidos pela PF no escritório do ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa, os nomes de Jorge Luz e de seu filho, Bruno Luz, aparecem vinculados ao pagamento de comissões em negócios fechados pela Diretoria de Abastecimento. De acordo com a revista "Época", uma empresa de Luz fechou, em 2008, contrato de R$ 5,2 milhões com a estatal.

Proximidade com amigo de Lula

Mas Fernando, com o passar dos anos, aprendeu a voar com as próprias asas e formar novas parcerias. Uma das mais promissoras, reveladas aos amigos, foi com o pecuarista José Carlos Costa Marques Bumlai, considerado um dos empresários mais próximos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A relação foi confirmada por Paulo Roberto. Em depoimento, o delator disse que, "muito embora Fernando Soares fosse o operador do PMDB, tinha uma boa circulação entre todos os partidos; por exemplo, seu amigo José Carlos Costa Marques Bumlai era uma pessoa muito ligada ao PT".

Bumlai foi sócio por um ano e cinco meses da Immbrax, uma fornecedora da Petrobras e de empreiteiras acusadas de integrar o esquema de corrupção na estatal. No período, entre 2010 e 2011, a empresa do amigo de Lula faturou R$ 2,5 milhões em vendas diretas à companhia petrolífera, por meio de contratos firmados com dispensa de licitação ou na modalidade de convite, segundo informou o jornal "O Estado de S.Paulo". O GLOBO não conseguiu contato com o empresário.

Embora a Hawk Eyes tenha como endereço uma sala na Avenida Rio Branco, no Centro, há ao menos três anos Baiano não aparece por lá. Mudou-se para um endereço mais próximo à Petrobras, um escritório da Estre Ambiental, na Rua Senador Dantas, a apenas 150 metros da estatal. A Estre Ambiental, empresa citada por Paulo Roberto como ligada a Baiano, é conhecida como uma gigante do setor de coleta de lixo e tratamento de resíduos sólidos. Mas nos últimos anos tem ampliado sua atuação na área de petróleo, com quem firmou cerca de R$ 845 milhões em contratos. A Estre não quis falar sobre o assunto.

Outro depoimento colhido pela Lava-Jato revelou que Baiano também usava as instalações da Oscar Iskin, empresa fornecedora de órteses e próteses para as redes pública e privada de saúde, no Humaitá. Responsável pela distribuição da propina paga pelo doleiro Alberto Youssef, o policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, o Careca, disse que entregou dinheiro "umas duas ou três vezes" para Fernando no local: "Entreguei o dinheiro para o Fernando Baiano na empresa onde ele tinha uma sala, na Rua Macedo Sobrinho, nº 65, no bairro do Humaitá. Era um escritório grande, e o Fernando Baiano tinha uma sala lá". A Oscar Iskin informou que "não tem qualquer relação com a atividade de Fernando Soares, que nunca teve sala na empresa".

Fora do trabalho, Baiano não era dado a badalações. Gostava de cuidar do corpo, seguindo uma rigorosa dieta à base de carnes magras, e malhava da Academia da Praia, uma das mais conhecidas da Barra, da qual acabou tornando-se sócio. Nas horas de folga, um dos prazeres era singrar os mares da Costa Verde a bordo da Cruela I, lancha de 55 pés comprada em junho do ano passado do empresário Otavio Marques Azevedo, executivo da Andrade Gutierrez (empresa envolvida no escândalo da Petrobras).

A lancha, fabricada pela Vellroy Intermarine em 2011, tem capacidade para um tripulante e 18 passageiros. Seus dois motores 800 Hp, Volvo Penta, permitem a navegação em mar aberto. Baiano disse que pagou pelo barco R$ 1,5 milhão. Porém, classificados digitais especializados em embarcações anunciam uma lancha do mesmo tipo e ano de fabricação por R$ 2,8 milhões. A Andrade Gutierrez, que nega participação no esquema da Petrobras, informou que a relação entre Otavio Azevedo e Baiano se deu exclusivamente na venda da lancha.

O barco e o apartamento do Atlântico Sul estão registrados em nome da Hawk Eyes. Na delação premiada, Paulo Roberto disse que Baiano também seria dono de uma casa em Angra dos Reis e outra em Trancoso, no sul da Bahia.

Nélio Machado, advogado de Baiano, disse não haver qualquer prova de ligação de Baiano com partidos políticos. Ele disse que o processo estaria repleto de nulidades, entre as quais a proibição de acesso às delações premiadas.

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Corrupção afeta crença dos jovens na democracia 

Os eleitores que vivem na maioria dos países das Américas acreditam, em geral, que a democracia é a melhor forma de governo e rejeitam golpes militares. Mas a corrupção e a criminalidade tendem a afetar essa percepção, principalmente entre os mais jovens. Análise feita pelo Núcleo de Jornalismo de Dados do GLOBO a partir do cruzamento dos microdados da pesquisa Projeto Opinião Pública na América Latina (Lapop, sigla em inglês) indica que, em situações de crise, eleitores entre 16 e 25 anos são mais propensos a aceitar golpes militares.

Pelos dados, colhidos em 28 países em 2014, cerca de 45% dos eleitores de até 25 anos consideram justificável que os militares tomem o poder quando há muita corrupção. Esse percentual cai para 33% entre aqueles com mais de 55 anos. No caso de alta criminalidade, 40% dos eleitores de até 25 anos também acham justificável um golpe. Como no primeiro caso, esse percentual é menor entre os mais velhos (30%).

Para Jairo Nicolau, cientista político e professor da UFRJ, há questões metodológicas da pesquisa, bem como da cultura política de cada país, que precisam ser levadas em conta:

- Esses dados são um alerta e precisam ser mais pesquisados, utilizando outros estudos e métodos. Pode haver variações importantes, por exemplo, entre os países, e que o dado agregado esconde. De todo modo, há uma questão que me preocupa mais: saber até que ponto os jovens têm tido um compromisso com a ordem democrática. Nas manifestações de junho de 2013, vimos grupos minoritários com atitudes que indicavam um baixo compromisso com a ordem democrática tradicional.

Luciana Veiga, cientista política e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pesquisa as relações de apoio à democracia na América Latina. Na sua avaliação, os resultados podem ser explicados por outros dados, como o fato de os jovens tenderem a levar mais em conta o desempenho da democracia do que a democracia como valor:

- Fizemos recentemente um estudo também com dados do Lapop e identificamos que, quanto mais jovem, menos chances a pessoa tem de apoiar as dimensões mais normativas da democracia, ou seja, a democracia como um valor. E, quanto mais jovem, mais críticas as pessoas são em relação ao desempenho do regime. A meu ver, a experiência com o regime ditatorial, ou uma maior proximidade com os anos de ditadura, implicaria mais recordação da repressão, que aumentaria a adesão à democracia como valor.

Posicionamento ideológico

A pesquisa do Lapop, realizada pela Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, apresenta quase 50 mil entrevistas. No caso do Brasil, os dados sobre o apoio a golpes militares apresentam uma inversão. Aqui, os jovens tendem a discordar mais da justificativa de golpes militares, em caso de muita corrupção, quando comparado com os eleitores mais velhos. Mas, como o cruzamento por país apresenta maior variabilidade dos resultados, não é possível afirmar com certeza estatística se esse comportamento é mesmo diferente daquele identificado no total da amostra. No caso de muita criminalidade, os dados do Brasil se equivalem ao resultado geral da amostra.

No resultado geral, cerca de 66% dos entrevistados, considerando todos os países, não acham justificáveis golpes militares em caso de muita criminalidade. Quando perguntados sobre situações de muita corrupção, 61% também se dizem contra golpes militares. No ranking, o Paraguai lidera com a maior proporção de respostas positivas quando há muita corrupção: 56%. Em segundo, vem a Nicarágua (55%), seguida do México (53%). O Brasil aparece em sexto lugar, com 48% dos entrevistados que consideram justificáveis golpes militares.

A pesquisa Lapop perguntou também aos eleitores como eles se posicionam numa escala de esquerda-centro-direita. Na média geral, os países das Américas apresentam uma leve tendência à esquerda. Aproximadamente 35% se identificam com essa posição, enquanto 33% afirmam ser de centro, e outros 32%, de direita. O Brasil apresenta percentuais muito próximos da média: 31% dos entrevistados se posicionaram ao centro, enquanto 35%, de esquerda, e 35%, de direita.