Título: US$ 60 bi para paraísos fiscais
Autor: Mello, Alessandra
Fonte: Correio Braziliense, 27/07/2011, Política, p. 6

O montante foi enviado em 2009 do Brasil a países com pouca transparência financeira - que chegam a 66, segundo a Receita Federal. Campanha lançada ontem fará um abaixo-assinado pelo fim da prática

Cerca de US$ 60 bilhões saíram do Brasil diretamente para paraísos fiscais em 2009. O valor representa nada menos que 28% de todos os investimentos diretos feitos pelo país no exterior, que somaram, no mesmo período, US$ 214 bilhões. Todo esse dinheiro ¿ que supera os valores do corte do orçamento de 2011, uma das medidas de ajuste fiscal do governo Dilma Rousseff ¿ foi parar em alguns dos 66 paraísos fiscais relacionados pela Receita Federal, muitos deles incluídos na lista negra divulgada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) por não cooperarem com outros governos no combate à evasão de divisas.

Esses dados fazem parte de um levantamento do Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos (Inesc), única entidade que representa o Brasil em uma rede de 50 organizações não governamentais integrantes de uma campanha mundial pelo fim dos paraísos fiscais, lançada ontem no país. O estudo do Inesc foi feito com base no último balanço do Banco Central sobre remessas de divisas para o exterior.

A intenção da campanha é recolher assinaturas no mundo inteiro para pressionar os líderes do G-20, grupo dos 20 países mais ricos do mundo, a pôr fim aos paraísos fiscais. Na reunião do G-20 em 2009, no auge da crise econômica mundial, ficou acertada a criação de um grupo de trabalho para estudar a imposição de regras mais rigorosas para esses países, entre elas a exigência de transparência nas operações financeiras. O abaixo-assinado será entregue em novembro, na próxima reunião do G-20, na França.

Os paraísos fiscais estão entre os destinos preferenciais dos investimentos diretos brasileiros. Só em 2009, foram enviados US$ 18,3 bilhões para as Ilhas Cayman, US$ 13,3 bilhões para as Ilhas Virgens Britânicas e US$ 10,2 bilhões para as Bahamas. Esses três países ocupam, respectivamente, a terceira, quarta e quinta posição entre os países ¿ paraísos fiscais ou não ¿ que mais receberam aporte de recursos oriundos do Brasil. Nesse montante, não está incluída uma modalidade de operação internacional chamada de empréstimo entre companhias.

No total dos recursos enviados aos paraísos fiscais também não foram incluídas as remessas para Suíça, Luxemburgo e Uruguai, igualmente considerados paraísos pela OCDE, mas que não fazem parte oficial da lista da Receita Federal que relaciona os "países ou dependências com tributação favorecida" ¿ é assim que o Fisco brasileiro chama oficialmente os paraísos fiscais. Parte desses recursos volta ao Brasil de maneira legal, a maioria vindo das Ilhas Cayman. Segundo o responsável pelo estudo do Inesc, o cientista político Lucídio Bicalho, no acumulado de 2007 a 2009, esse paraíso ocupou a oitava posição na lista de países que mais investiram diretamente no Brasil.

Bicalho destaca que nem todos os depósitos fiscais feitos nos paraísos são ilegais. "Como não há troca de informações entre os países sobre esses recursos, não dá para saber a origem. Por isso, os paraísos são muito usados para lavagem de dinheiro ilícito, muitas vezes resultantes da corrupção e do tráfico de drogas", explica. Além disso, segundo ele, grandes empresas usam os paraísos para fugir da tributação, postura avaliada por ele como uma grande injustiça. "Muitos dos que fogem do pagamento de tributos usufruem dos bens imateriais do país e das políticas públicas universais, como segurança e educação, para fazer funcionar suas empresas."

Outro foco da campanha no Brasil, de acordo com o cientista político, é a aprovação do projeto de lei do deputado federal Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) para acabar com o sigilo do quadro de sócios de empresas com sede no exterior e que investem no Brasil. Pela regra em vigor, essas empresas não precisam indicar quem são seus sócios, podem apenas nomear um procurador. A proposta do deputado, que tramita de maneira conclusiva na Câmara dos Deputados ¿ ou seja, não precisa passar pelo plenário, apenas pelas comissões ¿, tem o apoio dos sindicatos nacionais dos delegados da Polícia Federal, dos procuradores da Fazenda Nacional e dos auditores da Receita Federal.

Mensagens O site em português da campanha (www.fimaosparaisos fiscais.org) está no ar. Quem aderir pode mandar uma mensagem para a presidente Dilma Rousseff e para o presidente francês, Nicolas Sarkozy, que vai presidir o encontro dos líderes das maiores economias do mundo.