BRASÍLIA

Com poucas horas no cargo, o novo presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, traçou um plano para blindar a estatal do maior escândalo de corrupção do país. São três metas, segundo o novo presidente informou a fontes ouvidas pelo GLOBO. A missão mais urgente é resolver a questão contábil, que levou a empresa a não ter seu balanço financeiro auditado pela consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC). Bendine deve passar o fim de semana lendo 800 páginas sobre as metodologias utilizadas na empresa para começar a ter noção do trabalho que tem de ser feito. E já avisou a alguns funcionários que urgência não significa trabalho malfeito.

Para isso, será feita uma avaliação de perdas e alguns testes de retorno financeiros sobre vários ativos. A nova diretoria ainda pretende fortalecer a área financeira com um novo plano de negócios. O terceiro objetivo é fazer com que a petrolífera atravesse a investigação da Operação Lava-Jato com o mínimo de danos. Bendine recebeu carta-branca da presidente Dilma Rousseff para fazer o que for preciso, até reformar o estatuto da Petrobras.

As tarefas mais árduas já foram repassadas a Ivan Monteiro, o novo diretor financeiro, segundo fontes do setor. O técnico era até ontem o vice-presidente de Finanças do Banco do Brasil, e subordinado a Bendine na instituição. A primeira avaliação do técnico foi que é preciso criar um processo financeiro mais confiável, como o que teria feito no BB. A primeira ação é resolver a questão do balanço, já que isso influencia diretamente na imagem da estatal no mercado financeiro. A divulgação das perdas de R$ 88 bilhões com corrupção na semana passada foi considerada uma "barbeiragem" pelo governo, que alega que a avaliação não seguiu a melhor metodologia para o cálculo.

Em segundo lugar, o objetivo é fortalecer a área financeira. Para isso, Monteiro - considerado pelo mercado um dos melhores na área - deve analisar a situação de caixa e promover novas captações para resolver problemas mais urgentes. A intenção é fazer um "novo mix" nas finanças da instituição. A nova diretoria quer rediscutir papéis dentro do corpo técnico. E, depois disso, criar um novo plano de negócios, de investimentos e de capital.

A terceira missão é enfrentar a Lava-Jato, mas a avaliação do novo presidente é que a empresa tem tratado a investigação com transparência e colaborado com a PF e o Ministério Público.

Antes da reunião de ontem do conselho da Petrobras, Graça Foster, que renunciou ao cargo de presidente da empresa dois dias antes, conversou com Bendine e se colocou à disposição para colaborar numa transição mais tranquila. Segundo funcionários da estatal, Graça está abalada emocionalmente com o escândalo e com a forma que a levou a sair da empresa, na renúncia coletiva da diretoria.

Bendine não participou da primeira parte da reunião do conselho da estatal e só entrou na sala após ter o nome aprovado. Enquanto o ex-ministro da Fazenda e ainda atual presidente do colegiado, Guido Mantega, conduzia a reunião que votava sua escolha, Bendine aguardava em uma sala ao lado. Segundo participantes, os acionistas minoritários se incomodaram quando souberam que o nome de Bendine havia sido veiculado pela imprensa como o novo presidente mesmo antes da votação.

Bendine foi convidado para o posto na quarta-feira, quando Dilma o chamou para uma conversa e apresentou a missão. No encontro, ela teria dado autonomia total para o executivo.

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Dilma na condunção política  

 

Pressionada pelas denúncias de corrupção na Petrobras e com menos de 48 horas para decidir o sucessor de Graça Foster, a presidente Dilma optou por um nome que já integrava o governo, e de sua estrita confiança e do ex-presidente Lula. Antes de agradar ao mercado, a indicação de Aldemir Bendine demonstrou o desejo de Dilma de continuar conduzindo politicamente a Petrobras.

Apesar de seu nome não ter figurado entre os favoritos dos ministros incumbidos da missão de encontrar um substituto para Graça, Bendine foi recebido pela presidente Dilma ainda na quarta-feira. Remanejá-lo para a Petrobras foi decisão pessoal de Dilma. Ela revelou a assessores que confia na capacidade de Bendine para enfrentar a crise na empresa e a desconfiança do mercado financeiro.

Esta é a principal batalha na Petrobras neste momento, na avaliação do governo. Por essa ótica, o fato de Bendine não ter experiência no mercado do petróleo não tem relevância.

As denúncias que ele enfrenta foram minimizadas por integrantes do governo. Bendine enfrenta uma investigação do Ministério Público Federal (MPF) pela compra de um imóvel de 160 metros quadrados em dinheiro vivo e pela metade do preço de mercado. Outra polêmica envolve um empréstimo de R$ 2,7 milhões concedido no ano passado pelo Banco do Brasil à socialite Val Marchiori, de quem é amigo. Além disso, um ex-motorista de Bendine relatou ao MPF ter feito diversos pagamentos em dinheiro vivo a mando do chefe. O depoimento gerou a abertura de uma investigação contra Bendine, em junho de 2014, por lavagem de dinheiro.

Em agosto do ano passado, um novo escândalo: Bendine pagou multa de R$ 122 mil à Receita Federal após ser autuado por não comprovar a procedência de R$ 280 mil informados na sua declaração de Imposto de Renda. Segundo a Receita, os bens do executivo aumentaram mais do que seria possível com sua renda. Ele entrou no radar do Fisco depois da denúncia da compra, em espécie, de um apartamento no interior de São Paulo, por R$ 150 mil.

Bendine não foi um nome de consenso. A equipe econômica, liderada pelo ministro Joaquim Levy (Fazenda), queria um nome do mercado e independente, como o presidente do Golden Sachs no Brasil, Paulo Leme, e não gostou da escolha. Depois de reunir ministros no Palácio da Alvorada, quinta-feira, Dilma não quis compartilhar a escolha com a equipe. Ela vinha pensando em levar para a Petrobras um dirigente de banco público, e o nome do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, foi cogitado. No entanto, para ela, o perfil de Bendine era o mais adequado.

- Ele é bom de marketing pessoal e desde o ano passado, quando soube que sairia do Banco do Brasil, começou uma intensa campanha junto à presidente - disse uma fonte.

Bendine teria oferecido planos para restaurar a governança na empresa e convenceu a presidente Dilma de ter o perfil adequado. Desde novembro, ele está demissionário do Banco do Brasil. Por causa do empréstimo favorecendo Val Marchiori, colocou seu cargo à disposição. Também foi decisiva para sua escolha a dificuldade de o governo em encontrar no mercado um executivo disposto a assumir o comando da Petrobras em meio aos escândalos de corrupção e desvio de recursos.

Parte da frustração com a indicação de Bendine foi criada pelo próprio governo, que cultivava a expectativa de um nome que emprestasse seu prestígio à petrolífera num momento de crise. Aliada a isso, a indicação representa a continuidade de intervenções políticas e econômicas do Palácio do Planalto. Em 2011, Dilma determinou aos bancos públicos a redução dos juros. Bendine, no BB, prontamente se enquadrou à determinação presidencial.

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Uma conta complexa de fechar 

 

O cenário que espera pelo novo presidente da Petrobras não se mostra promissor. Além das denúncias que cercam a estatal, investigadas pela Operação Lava-Jato, a Petrobras permanece em falta com a divulgação de balanço financeiro auditado, requisito básico para uma companhia de capital aberto, o consenso entre analistas é de que dificilmente a empresa conseguirá captar recursos no mercado.

Além de inviabilizar a captação, a ausência de balanço auditado impõe um desafio imediato. Se o documento não sair até o fim de junho, credores de títulos já emitidos pela Petrobras podem exigir a antecipação do vencimento dos papéis, cujo montante ultrapassa US$ 50 bilhões. Mas a falta de informações sobre as perdas com corrupção tem inviabilizando a chancela da auditoria PwC.

Mesmo que divulgue balanço auditado e ache uma brecha para captar recursos, a empresa teria que pagar juros maiores pelo empréstimo, o que pode significar um mau negócio. O mercado de capitais brasileiro é pequeno demais para uma empresa do porte da Petrobras. A única alternativa interna seria financiamento do BNDES, mas o banco estatal adotou postura mais austera este ano.

Investidores se ressentem da falta de plano de negócios, outro documento essencial. A estatal informou que só o divulgaria em junho, quando a praxe é publicá-lo junto com o balanço anual. Até agora, porém, a estatal não tem sequer balanço do terceiro trimestre de 2014.