Com valorização da moeda americana acumulada de 22,79%, bancos já revisam estimativas e projetam inflação de 8% para 2015

A mudança no patamar do câmbio está provocando um reequilíbrio da economia brasileira. A forte desvalorização do real em relação ao dólar, acumulada em 22,79% neste ano, e a deterioração do cenário econômico têm levado a uma piora nas expectativas para inflação e juros.

 alta da moeda americana deve se tornar mais um fator de pressão para os preços. A inflação está bastante pressionada por causa da recomposição dos preços administrados (energia elétrica, combustíveis e tarifas do transporte público). Na sexta-feira, Bradesco e Itaú deram o tom de mais uma rodada de piora de humor com os indicadores da economia brasileira.

 

O Bradesco passou a projetar um câmbio para o fim de 2015 num intervalo entre R$ 2,90 e R$ 3,10 ante os R$ 2,75 previstos inicialmente. A projeção para a inflação aumentou de 7,5% para 8%. Já o Itaú estima que a taxa de câmbio deve encerrar o ano em R$ 3,10, e o IPCA vai subir 8%, acima da previsão anterior, de 7,4%.

Nesse cenário de piora das expectativas inflacionárias, o BC pode ser obrigado a promover um aperto monetário mais duro para manter a inflação no dentro do teto da meta, que é de 6,5% ao ano. Uma escalada mais forte de juros deve prejudicar ainda mais a atividade econômica.

 

“Nós estimamos mais duas altas nos juros de 50 pontos base, mas isso não garantirá que a inflação alcance 4,5% (centro da meta) nem em 2016 nem em 2017”, afirma Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse (leia a entrevista nesta página). Com a desvalorização do real, Teixeira não descarta que a inflação fique próxima de 9% em 2015.

 

Por ora, é difícil prever qual o tamanho desse ciclo de desvalorização do real, mas o que se sabe é que o novo patamar do câmbio veio para ficar. Há um movimento internacional de expectativa pelo aumento dos juros nos Estados Unidos que tem provocado a desvalorização de várias moedas em relação ao dólar. Quando o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) elevar a taxa de juros, essa tendência deverá ser reforçada.

 

Internamente, as desconfianças com a economia brasileira também colaboram para a desvalorização do real. Em 2015, o Brasil enfrenta um forte ajuste fiscal. A piora das contas públicas colocou o País de entrar no radar das agências de classificação de risco e tornaram real o risco de perda de grau de investimento.

 

“Há um problema de risco político alto e ele está crescendo. Além disso, existe uma visão entre os analistas de que está se tornando muito forte o risco de o Brasil perder o grau de investimento”, diz José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista da Opus Gestão de Recursos.

 

“A situação da Petrobrás é muito grave, e é difícil acreditar que o governo não vai socorrê-la se a situação piorar. Se o governo precisar socorrer a Petrobrás, a probabilidade de o País perder o grau de investimento é muito alta”, afirma. A previsão da Opus é que a inflação encerre o ano em 8,5%.

 

A equipe econômica também sinalizou que deverá reduzir a intervenção no câmbio, o que reforça a expectativa pela desvalorização do real. Desde o início do ano, o Banco Central diminuiu o programa de “ração diária” – oferta feita por meio de leilões de swap cambial, instrumentos que equivalem à venda futura de dólar.

 

Balança. Embora complique o cenário para os preços, a alta do dólar pode começar a trazer um alento para o setor externo da economia brasileira – os dados do Banco Central mostram que a economia brasileira tem um déficit em transações correntes de 4,17% do Produto Interno Bruto (PIB), um número considerado elevado e que indica um alta necessidade de financiamento externo. “Com um câmbio mais apreciado, as empresas tendem a importar mais, o que acelera o déficit em conta corrente”, afirma Bruno Lavieri, economista da Tendências Consultoria Integrada.

 

Menos intervenção. A equipe econômica também já sinalizou que deverá reduzir a intervenção no câmbio, representada pelos leilões de swap, o que reforça a expectativa pela desvalorização do real.

‘HÁ UM RISCO RAZOÁVEL DE A INFLAÇÃO BEIRAR OS 9% NO ANO’

 

O economista-chefe do banco Credit Suisse, Nilson Teixeira, acredita que há um risco de a taxa de inflação chegar a 9% este ano por causa da depreciação cambial. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado: ● Quais os motivos para essa forte alta do dólar? Existem dois componentes. O primeiro é externo. A nossa leitura é de um fortalecimento do dólar ante a grande maioria das moedas. Recentemente, promovemos uma mudança nas nossas projeções para um dólar mais apreciado. Fizemos uma revisão para os países da América Latina, entre os quais o Brasil. Antes, a previsão era de R$ 3,20 no prazo de três meses e agora a expectativa é de R$ 3,35. Ao mesmo tempo, publicamos algo como R$ 3,40 para o fim do ano. A outra componente é doméstica – de alguma forma a taxa de câmbio reflete a deterioração do cenário interno. É importante ressaltar que não seria uma surpresa se a taxa de câmbio se depreciasse ainda mais do que esses R$ 3,40 previstos para o fim do ano. ● Por quê? No cenário doméstico, há uma deterioração dos fundamentos. Não se pode, por exemplo, descartar uma contração (do PIB) até superior a 2% este ano. Não é um cenário base que a maioria dos participantes do mercado trabalha, mas há um risco de isso acontecer, dependendo de como será a revisão dos números do crescimento trimestral, que será divulgado em 27 de março. O segundo ponto é que estamos trabalhando com uma inflação de 8%, mas com a projeção da taxa de câmbio (para o fim do ano) em R$ 3,20. Hoje, há um risco razoável de a inflação no ano beirar os 9%, se a nossa leitura sobre a taxa de câmbio estiver correta. E há mais um fator, que é o da persistência inflacionária. Estamos passando pela seguinte situação: em meados da década passada, dizíamos que a inflação estava em torno de 4,5%. Depois, mudamos para algo abaixo de 6,5%. Mais adiante, começamos a falar em 6,5% e 7%, num risco de superar o teto da meta. E, agora, o grande risco é de começarmos a ver as pessoas dizerem que a inflação é ligeiramente abaixo de 10%. ● Diante dessa desvalorização, como deve se comportar o BC? Dado o esforço de política fiscal, que está na direção correta, e, numa situação em que a contração do PIB pode alcançar entre 1,5% e 2%, o resultado primário pode ser muito baixo. Ele virá certamente abaixo de 1,2% do PIB e muito provavelmente abaixo da nossa projeção atual, que é de 0,7% do PIB. Para trazer a inflação de volta para 4,5% em 2016, seria necessário um aperto monetária bem maior do que nós estamos trabalhando. ● De quanto? Hoje, nós estimamos que virão mais duas altas de 50 pontos base nos juros, mas isso não garantirá que a inflação alcance 4,5% nem em 2016 nem em 2017. Seria necessário um aperto monetário ainda maior. Porém, esse aumento mais substancial teria um impacto ainda mais adverso na atividade econômica. / L.

O economista-chefe do banco Credit Suisse, Nilson Teixeira, acredita que há um risco de a taxa de inflação chegar a 9% este ano por causa da depreciação cambial. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado: 

● Quais os motivos para essa forte alta do dólar? 
Existem dois componentes. O primeiro é externo. A nossa leitura é de um fortalecimento do dólar ante a grande maioria das moedas. Recentemente, promovemos uma mudança nas nossas projeções para um dólar mais apreciado. Fizemos uma revisão para os países da América Latina, entre os quais o Brasil. Antes, a previsão era de R$ 3,20 no prazo de três meses e agora a expectativa é de R$ 3,35. Ao mesmo tempo, publicamos algo como R$ 3,40 para o fim do ano. A outra componente é doméstica – de alguma forma a taxa de câmbio reflete a deterioração do cenário interno. É importante ressaltar que não seria uma surpresa se a taxa de câmbio se depreciasse ainda mais do que esses R$ 3,40 previstos para o fim do ano. 

● Por quê? 
No cenário doméstico, há uma deterioração dos fundamentos. Não se pode, por exemplo, descartar uma contração (do PIB) até superior a 2% este ano. Não é um cenário base que a maioria dos participantes do mercado trabalha, mas há um risco de isso acontecer, dependendo de como será a revisão dos números do crescimento trimestral, que será divulgado em 27 de março. O segundo ponto é que estamos trabalhando com uma inflação de 8%, mas com a projeção da taxa de câmbio (para o fim do ano) em R$ 3,20. Hoje, há um risco razoável de a inflação no ano beirar os 9%, se a nossa leitura sobre a taxa de câmbio estiver correta. E há mais um fator, que é o da persistência inflacionária. Estamos passando pela seguinte situação: em meados da década passada, dizíamos que a inflação estava em torno de 4,5%. Depois, mudamos para algo abaixo de 6,5%. Mais adiante, começamos a falar em 6,5% e 7%, num risco de superar o teto da meta. E, agora, o grande risco é de começarmos a ver as pessoas dizerem que a inflação é ligeiramente abaixo de 10%.

● Diante dessa desvalorização, como deve se comportar o BC? 
Dado o esforço de política fiscal, que está na direção correta, e, numa situação em que a contração do PIB pode alcançar entre 1,5% e 2%, o resultado primário pode ser muito baixo. Ele virá certamente abaixo de 1,2% do PIB e muito provavelmente abaixo da nossa projeção atual, que é de 0,7% do PIB. Para trazer a inflação de volta para 4,5% em 2016, seria necessário um aperto monetária bem maior do que nós estamos trabalhando. 

● De quanto? 
Hoje, nós estimamos que virão mais duas altas de 50 pontos base nos juros, mas isso não garantirá que a inflação alcance 4,5% nem em 2016 nem em 2017. Seria necessário um aperto monetário ainda maior. Porém, esse aumento mais substancial teria um impacto ainda mais adverso na atividade econômica. / L.