BRASÍLIA

Contra a pesada mobilização do Palácio do Planalto nas últimas duas semanas, que incluiu a formação de uma tropa de choque com sete ministros de Estado atuando abertamente a favor do candidato do PT, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) impôs ontem uma enorme derrota ao governo se elegendo o novo presidente da Câmara dos Deputados. Ele conseguiu já no primeiro turno do pleito 267 votos, quase o dobro dos 136 obtidos pelo petista Arlindo Chinaglia (SP). No discurso de posse, proferido logo após o anúncio da vitória, o peemedebista criticou a interferência do Executivo na eleição do Legislativo, disse que o governo pode se tranquilizar, mas anunciou a disposição de trabalhar e votar, ainda esta semana, o Orçamento Impositivo, que obriga o governo a empenhar parte das emendas individuais dos parlamentares.

- Nós assistimos a uma tentativa de interferência do Poder Executivo na eleição do Poder Legislativo. Mas o Parlamento, pela sua independência, sabe reagir e ele reagiu no voto, na escolha, na sua opção. Mas, passada a disputa, esse é um episódio virado. Não temos que fazer disso nenhum tipo de batalha, nem qualquer tipo de sequela. O que temos que fazer é começar a trabalhar - afirmou Cunha.

A dimensão da derrota do Planalto pôde ser observada pelo fato de Arlindo Chinaglia ter conseguido 44 votos a menos que os 180 do bloco que formou. Eduardo Cunha, por sua vez, recebeu 267 votos, 49 a mais do que o número formal dos deputados que integravam seu bloco partidário.

Patrocinado pela oposição, especialmente pelo PSDB, o deputado Júlio Delgado teve 100 votos, quase fechando os 106 votos do total dos partidos que o apoiaram. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), entrou pessoalmente na campanha no fim da semana para enquadrar os deputados novatos que queriam votar em Eduardo Cunha no primeiro turno e garantiu o voto da ampla maioria dos tucanos no aliado.

- O PSDB parou de olhar para dentro, para cargos, e olhou para fora, sintonizado com a sociedade. Eu tirei a digital do PSDB de candidaturas que a sociedade não quer, que usa o método da cooptação. Entregamos o que prometemos - avaliou Aécio.

- Com a postura que teve nos últimos dois meses, botando a cara, mostrou sintonia com as ruas, que querem candidaturas que simbolizem a mudança. O PSB vai corresponder ao crédito que ele (Aécio) deu a nossa candidatura - prometeu Júlio Delgado.

Cunha fez uma campanha milionária, percorrendo todos os estados, fazendo uma maratona de almoços e jantares e investindo pesado nos deputados novatos. Neste mandato, além da votação das medidas impopulares tomadas por Dilma em relação a direitos trabalhistas e de reequilíbrio das contas públicas tomadas pela área econômica, uma outra preocupação do governo é em relação às articulações da oposição para criar uma nova CP I da Petrobras.

Dificuldades previstas na véspera

Desde o início do dia o comando da campanha petista já previa dificuldades e temia a derrota no1º turno, mas não tão ampla. Em sua estreia de fato na articulação política do governo, o estilo do ministro Pepe Vargas (Relações Institucionais), semelhante ao da presidente Dilma, não foi aprovado por deputados da base aliada. Deputados de vários partidos da base dizem que ele foi de uma "inabilidade brutal" na campanha para eleger Chinaglia, especialmente na forma como cobrou os ministros aliados, e sai do processo "torrado". O petista dá de ombros:

- O papel do ministro que faz a articulação política não é ser doce. Eu falei no tom e no conteúdo que tinha que falar. Não é bom que um partido que está no governo se some à oposição.

E, ainda cedo, já minimizava a possível derrota.

- O presidente pode muito, mas não pode tudo. Tem que aplicar o regimento - disse Vargas.

Depois da derrota, Chinaglia disse que não chegou a ficar surpreso com o resultado.

- Uma parte não votou em mim. O que você quer que eu diga? Com a experiência que tenho não posso ter o direito de me surpreender - disse Chinaglia.

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De posse do pau de selfie  

A solenidade de posse dos novos deputados terminou com o plenário da Câmara parecendo monumento turístico. Após a cerimônia, foi a vez de os parentes e convidados tomarem conta do recinto. Predominaram as selfies e as filas de familiares subindo à mesa da Presidência para registrar o momento. Houve muito uso de pau de selfie. Um parente do ex-ministro Leônidas Cristino (PSB-CE) fez várias fotos com o equipamento.

- Tem que registrar esse momento histórico, e o pau de selfie ajuda a captar melhor - justificou Daniel Frota, cunhado de Leônidas Cristino.

Na fila de familiares para subir à mesa da presidência, foi possível identificar um mar de sapatos estilo Louboutin, com as características solas vermelho-carmim, além de muitas bolsas a tiracolo de grifes como Chanel e Dior, uma mostra da "prosperidade" dos novos parlamentares. Vestidos curtos e decotados, que nem sempre correspondiam ao Dress code esperado para uma solenidade no Congresso, também predominaram.

Um parente de deputado subiu à mesa da Presidência, pegou a Bíblia, usada para a abertura das sessões e para que deputados façam juramentos, e simulou ele mesmo seu momento solene.

Acostumado a eventos artísticos, mas também à vida parlamentar, o palhaço e deputado Tiririca (PR-SP) comentou sua perplexidade com a desordem:

- Câmara é mais bagunçada que circo.

No Senado, a solenidade teve tom mais sóbrio em comparação à Câmara. Até mesmo os figurinos das mulheres dos senadores eram mais discretos, com vestidos que se aproximavam da altura do joelho. Por esse motivo, chamou a atenção a nova namorada do senador Wilder Morais (DEM-GO), a modelo e arquiteta Priscila Nascimento, de 27 anos, que contrastou, com um vestido branco, rendado com fundo cor da pele. Loura e voluptuosa, Priscila, que substituiu Andressa Mendonça - musa da CPI do Cachoeira e atual mulher do bicheiro Carlos Augusto Ramos - como primeira-dama de Wilder, disse que o senador aprovou sua escolha.

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Exímio articulador e especialista em escapar de crises 

Discreto, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é um político de bastidor e, aos 56 anos, costuma se mover em silêncio. Considerado um dos principais inimigos da presidente Dilma na Câmara, com quem sempre teve relação difícil, o novo presidente da Casa comandou embates emblemáticos contra o governo, como a manobra que resultou no fim da CPMF ainda no governo Lula, a votação da MP dos Portos e a do Marco Civil da Internet.

Desde os anos 90, quando ingressou na política indicado à presidência da Telerj no governo Collor, foi sempre um personagem envolvido em polêmicas. Adversários já o acusaram de defender interesses empresariais, comandar bancada própria e ter envolvimento em escândalos, como fraudes na Cehab, na Cedae e na Refinaria de Manguinhos.

Ele nega sistematicamente as acusações e costuma recorrer à Justiça por supostos danos morais e calúnias. Seus alvos: jornalistas e adversários políticos. Em outubro, ele movia 66 ações, a maioria contra órgãos de comunicação e autores de reportagens que mencionavam seu nome.

No Congresso, até os inimigos reconhecem em Cunha uma inteligência singular e questionam com frequência a razão por trás de emendas que apresenta a medidas provisórias. Isso aconteceu recentemente, quando ele pendurou em ao menos três MPs a proposta de tornar definitivas as decisões tomadas pelo Tribunal Marítimo, órgão que julga acidentes da navegação.

Também é conhecido por ser impiedoso com adversários. Em agosto de 2011, a OAB protestou contra sua indicação para relator do projeto de reforma do Código do Processo Civil. Argumentou que a função cabia a um político formado em Direito. Desde então, Cunha declarou guerra à prova de habilitação da Ordem e, para acabar com o "absurdo, nefasto e corrupto exame", o carioca usa sua tática preferida: pegar carona na votação de uma MP, pendurando emendas pela derrubada da obrigatoriedade da prova.